quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A Ciência Encantada: ensaio fotoetnografico em um terreiro de Jurema Sagrada

 

Capa da Revista indisciplinar, v. 7, nº 1. Foto de Clédisson Jr

A Ciência Encantada: ensaio fotoetnografico em um terreiro de Jurema Sagrada.

The Enchanted Sciences: Photoethnographic essay in a Jurema Sagrada yard.

Por Clédisson Júnior*

 

Este ensaio fotoetnografico  (ACHUTTI,  1997)    foi  realizado em Olinda, cidade da região metropolitana do Recife (PE). As imagens obtidas durante este ritual na Casa  das  Matas  do Reis Malunguinho constituíram-se em um exercício de escrita narrativa conduzida pela análise das imagens produzidas em um contexto de pesquisa de mestrado.

 

Espaços de reinvenção do viver foram captados por meio destas imagens e contribuíram para a transmissão desse universo, de intensa sensibilidade e abertura  para  a  relação  com  o outro.  Olhares que revelam dinâmicas próprias, as imagens permitiram, ao longo desta pesquisa etnográfica, estabelecer relações, evidenciando a experiência da diferença, assim como uma tentativa de revelar um ambiente muito particular de um terreiro da Jurema Sagrada.

 

Terreiros são estes espaços onde se celebram as festas dos orixás, das entidades espirituais e encantadas. É o espaço onde acontece todo princípio dinâmico, portanto complexo, onde os rituais se realizam e as relações se  intensificam  entre  os praticantes das religiões afro brasileiras. É no terreiro que os “filhos de santo” dançam ao som dos atabaques e seus corpos entram em transe. Mais ainda, o terreiro como espaço dinâmico é o cenário sagrado em que se celebram a vida, os deuses contam suas estórias através da dança e do gesto. Como um espaço cênico, o terreiro é o espaço do movimento, do devir e da complexidade.

 

As invenções dos terreiros na diáspora evidenciam a complexidade dos modos de vida aqui reconfigurados. As diferentes configurações de terreiros nos mostram que eles podem refletir desde uma busca por ressignificação da vida a partir de um referencial do que seria esta vida no continente africano antes da invasão europeia, assim como também aponta para disputas e alianças travadas  na  elaboração  de  novas práticas e sociabilidades entre os indivíduos que se organizam neste território.

 

O que a noção de terreiro  abrange  é  a  possibilidade  de  se constituir  enquanto  territórios  existenciais  (GUATTARI,  1992), na  ausência  de  um  espaço  físico  permanente  abrindo  assim possibilidades para pensar essa noção a partir do rito.

 

O culto da Jurema Sagrada é compreendido como uma tradição de conhecimento que procede da  articulação  de  diferentes fluxos  culturais,  resultante  de  uma  práxis  ritualística  cujos sujeitos  operam  com  criatividade  e  fluidez. 

 

A Jurema é uma ciência, que é operado pelos seus técnicos, mulheres e homens de notório saber dentro do culto que a aplica em curas físicas e espirituais, dentro do que os juremeiros chamam de “trabalho de ciência”. Na Jurema a produção epistemológica adotada  contraria  o projeto político da modernidade, é um perspectivismo que se referência nas encruzilhadas, que reivindica uma entre tantas formas de conhecimento praticado no mundo. Esta produção do conhecimento aponta para um exercício complexo sobre a urgência de um debate político e ontológico no campo das existências. 

Ao se  afirmar a  emergência  de  uma  “ciência encantada”,  referenciada  na  tradição  indígena  e  africana  e aqui  (re)territorializada  no  espaço  das  encruzilhadas  busca-se reforçar o argumento da pluriversalização do conhecimento, das  diferentes  formas  de  experienciar  nossas  existências  no mundo. Enfatizar uma dimensão alternativa na produção epistemológica, contudo não se traduz em produzir uma negação da racionalidade moderna ocidental, propondo deste modo uma via subalterna. A encruzilhada enquanto referencial geofilosofico visa assumir a dimensão polirracional, pluriversal e plurilinguísta do mundo.

 

Um terreiro da Jurema Sagrada enquanto espaço de produção de  vida  de  grupos  minoritários,  se  torna  um  instrumento  de desconstrução  dos  discursos  e  das  práticas  violentas  da modernidade,  contribuindo  com  releituras  sobre  o  processo de  formação  sócio-territorial  da  América  Latina  rompendo com um paradigma marcado pelas categorias impostas desde a  racionalidade  moderna  e  chamando  para  si  uma  atenção especial  acerca  dessas  outras  racionalidades  apagadas  pela história, pelos processos de dominação colonial, pela expansão homogeneizante de um capitalismo racista (QUIJANO, 2005).

 

Para  a  Jurema  Sagrada  e  seus  praticantes,  o  território,  no mesmo  sentido  que  a  tradição,  não  é  um  elemento  estático e  imutável,  ambos  sofrem  de  um  reordenamento  diante  dos desafios da contemporaneidade. Isto é, o território é a medida de uma identidade não essencial, mas que está marcado pelo convívio com conflitos permanentes. Conflitos cosmopolíticos (ANJOS, 2006). Os juremeiros instauram o devir como o regime político do religioso por meio de um processo antropofágico em busca da complementariedade. É essa ontologia que permite a permanência de uma religião indígena (somada a referenciais cosmológicos africanos e um  catolicismo  popular)  desde  a invasão dos europeus nas Américas no interminável século XV.

 

Referências

ACHUTTI,  L.  E.  R. Fotoetnografia:  um  estudo  de  antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. 1a ed. Porto Alegre, RS : Livraria Palmarinca : Tomo Editorial, 1997.

ANJOS,  José  Carlos  dos. No  território  da  Linha  Cruzada:   a   cosmopolítica afrobrasileira. Porto Alegre: Editora da UFRGS/ Fundação Cultural Palmares, 2006.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. Trad. Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. São Paulo, Editora 34, 1992.

QUIJANO,  Aníbal. Colonialidade   do  poder,   eurocentrismo   e   América  Latina.  In:  Lander,  Edgardo  (org.)  A  colonialidade  do saber: eurocentrismo e ciências sociais. 2005.

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Publico aqui texto integral e fotografias da publicação na revista Indisciplinar, v. 7, nº 1 de dezembro de 2021, de autoria de Clédisson Jr, doutorando em Ciências Sociais, Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela UFRRJ, que há alguns anos pesquisa na Casa das Matas do Reis Malunguinho. Em suas imersões, deu luz a dissertação de mestrado com o titulo: TERRITÓRIO ENCANTADO: o devir-quilombola e a cosmopolítica afro indígena brasileira (2019), que teve como principal campo a Casa das Matas do Reis Malunguinho e seu cotidiano, rituais e lutas políticas. Como pesquisador muito competente, Clédisson tornou-se nosso amigo sendo admirado por todos nós pelos seus textos, fotografias e ações.


Link para acessar a revista e demais artigos: https://periodicos.ufmg.br/index.php/indisciplinar/issue/view/1789  


Sempre lutamos para que a Jurema Sagrada fosse melhor vista no cenário nacional das religiões, luta com total êxito realizada pelo Quilombo Cultural Malunguinho  ao longo dos últimos 20 anos, tirando essa tradição do ostracismo histórico e acadêmico. Essa publicação é mais um exemplo do quanto essa missão vem sendo bem cumprida. A Casa das Matas, terreiro de Jurema em Olinda já tem em sua histórias algumas teses e dissertações de mestrado, além de artigos, publicações e documentários. Assim seguimos com a força do Reis das Matas!! 


Alexandre L'Omi L'Odò

Quilombo Cultural Malunguinho

alexandrelomilodo@gmail.com 

sábado, 11 de dezembro de 2021

Malunguinho: da narrativa histórica à estética digital (defesa da tese de doutorado)


MALUNGUINHO: DA NARRATIVA HISTÓRICA À ESTÉTICA DIGITAL

DEFESA DA TESE DE DOUTORADO

 

AUTOR: MARCUS VINICIUS RIOS BARRETO (Doutorando em Antropologia Social - PPGAS/FFLCH/USP)

 

Malunguinho é o nome do líder do Quilombo do Catucá, formado na primeira metade do século XIX na zona da mata localizada no atual Estado de Pernambuco. Em 2006, alguns atores do contexto pernambucano criaram um grupo de estudos com o objetivo de pesquisar as narrativas construídas acerca desse líder e elaborar estratégias que permitissem conferir visibilidade à Malunguinho para, então, pleitear ao Estado seu reconhecimento legal. No decorrer de processos complementares, esses atores agenciaram as narrativas históricas, criaram redes sociais e produziram um acervo digital a partir de documentos e, principalmente, de imagens – gráficas, fotográficas e audiovisuais – no intuito de conferir autenticidade a tais narrativas, transformando Malunguinho em uma espécie de ícone regional. Paralelamente, eles dialogaram com agentes públicos a fim de que esse ícone fosse reconhecido como patrimônio. Dessa maneira, tomei como foco de pesquisa o problema do reconhecimento propondo-me a analisar os critérios de agenciamento e produção de fontes materiais colocados em ação nesses processos. Tendo como referência o estudo de caso de uma personagem histórica – Malunguinho – investiguei as estratégias de autenticação documental e, sobretudo, estética dessa personagem em nome da qual os atores envolvidos reivindicaram determinados direitos.

 

Data: 13/12/2021, às 9h.

OBS: tendo em vista que a Defesa ocorrerá pela Plataforma Google Meet, além dos membros da Banca Examinadora, o link será disponibilizado para alguns participantes externos. Posteriormente, a gravação da Defesa será compartilhada pelo Youtube.

 

Esse é mais um trabalho acadêmico que registra a histórica contribuição do Quilombo Cultural Malunguinho, da Casa das Matas do Reis Malunguinho e em especial de Alexandre L’Omi L’Odò na revolução da Jurema Sagrada e tudo que está ao seu redor. Mais um texto qualificado para o avanço dos estudos juremológicos que dão caminhos para o fortalecimento de um povo tão subalternizado.

 

Alexandre L’Omi L’Odò

Quilombo Cultural Malunguinho

alexandrelomilodo@gmail.com

Quilombo Cultural Malunguinho

Quilombo Cultural Malunguinho
Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!