1° Seminário de Cultura, Gestão Pública, Patrimônio e Economia Criativa de Alhandra – Um avanço para a política de cultura do município e para a Jurema Sagrada
Hoje, verdadeiramente vivenciei uma experiência que com certeza marcou minha vida na caminhada em defesa pela Jurema. Fui ao 1° Seminário de Cultura, Gestão Pública, Patrimônio e Economia Criativa de Alhandra, terra dos mestres e mestras da Jurema Sagrada. Um evento de sensibilização sobre o tema de patrimônio, essencialmente na cidade. Nunca antes houve nenhum seminário do gênero promovido pela gestão pública local, vale salientar.
Fui a convite de Michelle (assessora) e do secretário de cultura José Mizael do município. Eles pesquisaram e identificaram quem de fato começou a luta no Acais no início de toda esta história em 2008, e confirmaram a partir de registros históricos que foi o Quilombo Cultural Malunguinho o primeiro a realizar um evento naquele patrimônio até então esquecido inclusive pelo povo da Paraíba e de Alhandra (não que isso seja um mérito excepcional, mas é importante registrar historicamente a verdade). Só esqueceram da Sociedade Yorubana do professor Eduardo Fonseca Jr. e Josy Garcia, que oficialmente fizeram o pedido de tombamento do Sitio do Acais, da Igreja de São João Batista do Acais e do Memorial Zezinho do Acais na época, porém, estes foram citados no evento por mim e por outras pessoas, pelo menos.
Fala do Prefeito de Alhandra - Marcelo Rodrigues, na abertura do evento. Mesmo ele sendo evangélico, teve a capacidade de ser um gestor digno de respeito por ter inclusive reconhecido que a Jurema Sagrada é a tradição maior da cidade. Foto de Alexandre L'Omi L'Odò.
Fala de Leandro Oliveira - Conselho Nacional de Cultura - MINC na abertura do evento. Foto de Alexandre L'Omi L'Odò.
O evento foi um sucesso em si só. Bem organizado e bem planejado. Com muitas representatividades importantes inclusive a nível federal. Isso acontecer em Alhandra já é um grande indício de avanço notável e histórico com certeza, e deve ser considerado em seu mérito, tendo em vista que a presença na mesa de abertura do seminário, teve parte importante dos secretários do município e do prefeito, que já ditaram o tom do evento, favoravelmente.
Outro avanço indiscutível está no campo do respeito à diversidade religiosa e ao patrimônio material e imaterial da Jurema Sagrada por parte de seus gestores, a começar pelo prefeito da cidade que é evangélico assumidamente e foi a pessoa que mais incentivou a realização do seminário. As falas dos gestores (secretário de cultura, educação etc.), estavam repletas de respeito à religiosidade da Jurema e reconhecendo seu valor. Todos eram evangélicos e se colocaram como gestores, e, como gestores, "não poderiam cometer a intolerância religiosa". Isso me encheu de esperança. Ver isso acontecer perante meus olhos foi indescritível. Um avanço ainda não visto por mim em canto nenhum. Afinal, tradicionalmente, quando os evangélicos ascendem ao poder na política, logo procuram criar mecanismos de intolerância contra as religiões tradicionais no Brasil. Lá, ao que me parece, a coisa é, ou será diferente... Mesmo eles assumindo a forte pressão de seu eleitorado que foi mais de 80% de votos de evangélicos, estes entenderam que Alhandra é em definitivo a terra da Jurema Sagrada, e isso é uma vitória para a comunidade do povo da Jurema em todos os níveis. O prefeito até falou: “Temos que reconhecer as verdadeiras raízes culturais de Alhanra – A Jurema”. Isso sair da boca de um gestor evangélico é muito importante e marcante nos dias de hoje.
Participação na mesa sobre patrimônio da Jurema junto a gestores, representação de empresas privadas e sociedade civil de Alhandra. Foto: de João PS Neto.
Fala do representante da Associação dos Juremeiros de Alhandra Pereira (Pereirinha) sobre a importância que se deve dar ao juremeiros e juremeiras da cidade. Deixando claro que outras pessoas mal intencionadas estão articulando coisas fora do contexto em Alhandra. Foto: João PS Neto.
Junto ao IPHAEP e IPHAN, Alexandre L'Omi L'Odò expõem pontos importantes de discussão sobre a Jurema e o patrimônio de Alhandra. Foto de João PS Neto.
Estou de alma lavada. Fiz minha fala. Propus importantes atividades a serem acatadas (ou não) pela gestão – como o mapeamento dos terreiros de Alhandra e inclusão destes em políticas nacionais de combate a fome etc. Intervir onde foi pertinente, sobre tudo em relação a algumas questões do IPHAN/PB, abrindo uma reflexão ampla sobre racismo institucional nesta autarquia federal (lucubrando e afirmando que não se pode discutir intolerância religiosa sem se discutir racismo). Intervenção que foi acatada pelos pesquisadores da instituição, cabendo maior discussão no futuro... Ainda sugeri que fosse feito o IRNC dos terreiros da Cidade, para assim termos mais informações técnicas que subsidiem a produção de mais massa crítica sobre a Jurema. Também foi muito legal conhecer o Leandro Oliveira (Conselheiro Nacional de Cultura - MINC), que é um “jovem” muito antenado e inteligente, cujo articulações para futuras discussões já se delinearam. Também foi importante voltar àquela cidade para conferir as quantas andam as coisas sobre a Jurema na localidade... Ainda percebi que se os juremeiros e juremeiras da Associação de Juremeiros de Alhandra não se fortalecerem mais, vão ser com certeza, alvo fácil de manipulação de um processo que não os contemplará como deve. Sobre tudo porque há pessoas interessadas em fazer palco, ou trampolim político com este processo todo (fato já sabido por todas e todos a anos, quem é, ou são... e ainda que, estas pessoas de fora de Alhandra, causam parte fundamental dos conflitos entre os juremeiros e juremeiras locais).
Na ocasião também foi lançado o Catálogo de Referências Culturais de Alhandra. Um livro de 68 páginas produzido pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional da Paraíba, que traz parte importante destas referências culturais de lá, entre elas a Jurema Sagrada, com certo destaque (ainda insuficiente) no material. O livro escrito conta com textos da pesquisadora Daniella Lira e do pesquisador Fabrício Rocha; mapas de Natália Azevedo e revisão final de Átila Tolentino, Carla Gisele Moraes, Daniella Lira e Emanuel Braga. O interessante de se observar (só de brincadeira) é que o nome da atual presidente do IPHAN/PB é JUREMA Machado, e decorrente a isso, espero que ela ajude muito ainda nessa luta, tendo em vista seu nome indígena (pois é, Jurema é nome indígena e quer dizer entre tantas tentativas de tradução: “espinho fedorento”, ou espinho venenoso”).
Capa do Livro - Referências Culturais de Alhandra/Paraíba.
Mesa com representações do IPHAN e IPHAEP. Foi muito rica a apresentação trazida por eles em PREZI, sobre patrimônio material e imaterial. A fala do Emanuel Braga foi muito importante dentro do contexto do evento. Foto: de Leandro Oliveira.
Importante fala de Mãe Judite da Associação dos Juremeiros de Alhandra. Ela questionava sobre a má intenção de algumas pessoas de fora de Alhandra que estão fazendo uso indevido da Igrejinha do Acais. Expôs que a chave da Igrejinha está em mãos erradas e que lá tem dono - as terras e a Igreja. Foram fortes e pertinentes suas colocações. Foto: Alexandre L'Omi L'Odò.
Em geral, foi vitoriosa a iniciativa da atual gestão pública de Alhandra, e esta merece nossos aplausos neste ponto com certeza! Ainda avaliando e indicando - esta atitude da gestão dá exemplo de como fazer democracia em um “país laico” como o nosso. Espero que haja continuidade a este processo por parte da prefeitura. Tendo em vista ser imprescindível ações afirmativas que prosperem a localidade e que também haja efetivação de uma política pública de cultura autêntica para a cidade de Alhandra com urgência.
Michelle Vasconcelos Brito - uma das principais articuladoras do evento. Dando uma fala de fechamento e agradecimento. Foto: Alexandre L'Omi L'Odò.
Mãe Biu, juremeira mais antiga viva ainda hoje em Alhandra, fechou o evento cantando pontos de Jurema e isso foi lindo de se vivenciar. Ela que recentemente foi premiada pelo MINC no Prêmio das Culturas Populares, é em suma, nossa representante maior naquela cidade, no que se trata a ciência mestra encantada da Jurema e suas Cidades. Nela reside parte importante de nosso patrimônio da Jurema, e temos que saudá-la por isso. Salve a fumaça!
Mãe Biu de Alhandra, juremeira mais antiga da cidade. Ganhadora do prêmio do MINC de cultura popular no ano de 2013. Ela fez o fechamento do evento entoando cânticos sagrados da Jurema e dando como habitual seu discurso religioso de muito fundamento Foto: Alexandre L'Omi L'Odò.
Eu e a Mestra Juremeira Biu de Alhandra. Orgulho de poder conhecer tamanha referência de minha religião. Foto: João PS Neto.
Ao lado do Banner do evento. Demarcando presença neste evento histórico para o Povo da Jurema. Foto: João PS Neto.
Por último, ganhei de forma muito espiritual e amorosa um cachimbo feito do tronco legítimo de Jurema Preta do Mestre Major do Dia (ou Do Dias) - cultuado por anos pela mestra Jardecilha em Alhandra - pelas mãos de seu neto Lucas Souza e permissão de Nina, sua mãe e juremeira. Este foi um presente sem igual e que agradecerei pelo resto de minha vida. Ganhei um patrimônio intransferível na ciência mestra. Já fumei com ele... E os recados já começaram a ser dados na força maior.
Participantes e realizadores do evento. Foto: não lembro quem foi. rs.
Em momento importante pra mim. Recebendo o cachimbo da madeira da Jurema Preta do Mestre Major do Dia, pelas mãos de fé de Nina da Jurema e de Lucas, seu filho. Foto: João PS Neto.
Obrigado
à Malunguinho e a toda Jurema Sagrada por mais este presente em minha vida.
Sobô
Nirê!
Vejam
algumas fotos no link abaixo.
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Desculpem-me estar publicando tão tardiamente este texto. É que o havia produzido na época posterior ao evento, daí o perdi em meu HD. Desculpem.
Alexandre
L’Omi L’Odò
Quilombo
Cultural Malunguinho
Rede
Nacional do Povo da Jurema
alexandrelomilodo@gmail.com