Homenageadxs
do Prêmio Mourão Que Não Bambeia 2019
O Prêmio Mourão Que Não Bambeia é uma comenda
concedida pelo Quilombo Cultural Malunguinho à grandes mestres e mestras dos saberes
orais da Jurema Sagrada, geralmente pessoas antigas na Ciência e que também são
desconhecidas (ou não) do cenário religioso, que deram grande contribuição na
preservação de nossa espiritualidade. O “Prêmio”, também pode ser concedido à
lideranças que contribuem, ou contribuíram efetivamente na luta antirracista e
em prol do povo de terreiro. O registro das micro-histórias desses e dessas
baluartes de nossa religião, compõe um mosaico importante, contribuindo para o
fechamento de lacunas históricas sobre nosso patrimônio imaterial e memória
oral. A construção da “história vista por baixo”, faz-se urgente em nosso meio,
afinal, lutamos permanentemente contra o violento processo de genocídio afro
indígena, que não pode prosseguir, e por isso, não permitiremos que a história
de vida dessas lideranças sacerdotais da Jurema e do candomblé se apaguem na
poeira branca dos escritos brancos da academia e da suposta literatura
brasileira.
Os textos e entrevistas são escritos e orientados
por Alexandre L’Omi L’Odò, juremeiro, historiador e cientista das religiões. A
produção, transcrição e correção são realizadas por Henrique Falcão, afilhado
de Jurema e graduando em Ciências Sociais pela UFRPE. Nesta edição, temos o
texto especial de João Monteiro, omo Sangò e historiador, que nos revelou a
história da Iyá Onilé Marìwó. Aproveitem e leiam a micro-história de cada um e
cada uma de nossas referências da luta religiosa dos “herdeirxs da senzala”.
Boa leitura e Trunfa Riá!
MÃE
NAÍLDE DE TERTULIANO – RECIFE/PE
(90 anos de idade e 77 anos de Jurema)
Mãe Naílde de Tertuliano. Foto: Acervo da família.
Nascida em 7 de Janeiro de 1929, Dona Naílde
Alves da Cunha, conhecida religiosamente como Mãe Ná de Oxum “Jagurá”, é uma
das mais antigas iyalorixás de Pernambuco. Juremeira discípula do Mestre Tertuliano
e do caboclo Rei do “Orubá”, foi iniciada nas folhas da Jurema por Pai Adolfo
de Caboclo Sultão das Matas.
Desde pequena chamava a atenção de sua mãe,
pois ela via um caboclinho que perturbava seu sono, seu primeiro guia, caboclo
Jaguaré. Sua mãe não gostava dos seus comportamentos mediúnicos, encaminhando a
criança para sua irmã, que a levou para uma cessão espírita. Lá, Dona Nailde se
manifestava frequentemente com o pequeno Jaguaré.
Desenvolvendo a sua mediunidade, aos 13 anos
de idade foi iniciada na Jurema por Pai Adolfo, sendo discípula do mestre Zé
Pilintra e Caboclo Rei de Orubá, que na época ainda não acostava na médium.
Após a missão cumprida na terra, Mestre Zé deixou um companheiro para dar
continuidade aos trabalhos com dona Naílde, dando vez ao seu mestre:
Tertuliano. Certa noite, a jovem sonhou com seu caboclo, apresentou-se como um
velho índio e informou que era um homem vivo. Depois desse dia ele passou vir
regularmente na matéria de Dona Na.
Com o falecimento de Pai Adolfo, uma lacuna
foi aberta na vida da jovem. A partir disso, tornou-se filha de Josefina Guedes
de Oyá Dolú. Casou precocemente, contudo, infelizmente, seu marido Nelson
Ferreira não aceitava “xangô” em sua casa. Desgostosa com o conflito, Naílde
conversou com sua sacerdotisa buscando uma solução. A mesma chamou Nelson para
uma conversa e revelou que independente de sua vontade a jovem teria que seguir
a vida religiosa na Jurema e sucessivamente iniciar-se para o Orixá Oxum.
Nelson afirmou que poderia vestir a divindade inteira de ouro, mas nunca
deixaria um “bombo” ser tocado em sua casa. Após essas palavras, Naílde passou
por diversos problemas.
Com o falecimento de Josefina Guedes, Dona Na
procurou o babalorixá Manoel Mariano de Xangô Abominí para se tratar. Chegando
lá ele se mostrou uma pessoa que não aceitava a Jurema, inclusive afirmando não
acreditar nem gostar, porém, como ela já tinha sido iniciada, o babalorixá a
aconselhou fazer um toque de catimbó, pois só assim sua vida iria melhorar. A
jovem que não tinha casa aberta, realizou uma festa para as entidades na sala
de sua casa, dando fim a seus problemas materiais e espirituais, enfim
prosperando e iniciando um processo de harmonia.
Sentindo a cobrança do Orixá, Naílde procurou
a mãe de santo Maria Madalena de Ogún Kalaxó, a rainha do Maracatu de Baque
Virado Nação Elefante, e iniciou-se na tradição Nagô/Xambá. Consequentemente,
seu marido não aceitou sua introdução no culto dos Orixás, entretanto, com a
convivência, acabou aos poucos virando um devoto de Exu Tiriri, o Exu de Dona
Na.
Para tirar a licença da casa na federação de
cultos afro-brasileiros aos moldes intolerantes da instituição, os Juremeiros
eram submetidos a processos humilhantes, que testavam até a veracidade das
entidades. Passando por estas provações e enfim tendo a “permissão” de abrir
seu terreiro na Rua Egas Muniz, 158, em Água Fria, popularmente chamada na
comunidade de Rua de Batutas, fundou assim em 1947 o Centro Espírita Caboclo
Rei de Orubá. Com casa aberta Dona Naílde deu continuidade à sua vida
espiritual de forma mais ampla e próspera, gerando vários filhos e filhas de
santo e Jurema.
A transmissão dos saberes ancestrais
hereditários passou o Rei de Orubá para o filho caçula de Mãe Na, o falecido
Nelson Filho, que passou a receber o caboclo até o fim de sua vida. Em seguida
sua bisneta Jacicleide Silva de Assis (Obé Iná), foi escolhida para ser
consagrada a mesma entidade. Depois de quase 40 anos, no dia 08 de abril de
2019, Rei de Orubá manifestou-se de forma emocionante e inédita em Mãe Na,
gerando comoção em todos os presentes.
Decorrente a sua idade avançada, atualmente
quem assumiu as responsabilidades da casa foi sua filha mais nova Nadira Cunha
de Pombojira Cigana e seu neto Antônio Jorge de Arranca Toco.
Mãe Naílde é um patrimônio histórico vivo do
povo de terreiro brasileiro, merecendo todo reconhecimento por estar no hall
das juremeiras e iyalorixás mais antigas do país. Sua longa trajetória nos
incentiva e ensina a superar todas as adversidades do racismo religioso, Mourão
que Não Bambeia!
MARIA
DO CARMO DE SOUZA – Iyá Onílé Màrìwó – LIMOEIRO/PE
(em
seu centenário (1919 – 2019) in memórian)
Iyá Onilé Màrìwó. foto: Acervo da família.
Neste ano a cidade de Limoeiro vai comemorar
os 100 anos de nascimento de Maria do Carmo de Souza, mulher negra,
agricultora, e grande líder religiosa da cidade que deixou um legado de
resistência no local, o mais antigo Templo da Religião de Matriz Africana e Indígena
em funcionamento neste Município.
Nascida na Localidade conhecida por Carro de
Telha, zona rural de Limoeiro em 1919, num momento histórico de um Brasil
engatinhando na primeira República e pouco mais de 40 anos pós-abolição da
escravatura, num pais ainda sentindo o impacto daquela ruptura que não
favoreceu em nada o negro brasileiro, mergulhando-os em profundo mar de
incertezas.
Quebrando os paradigmas da época, Dona Maria
do Carmo desde cedo se mostrou uma mulher independente de personalidade forte,
decidida, como era o perfil do Orixá que regia seu destino, Ogum Alada Meji.
Casou e teve um filho, Adeildo Braz de Souza, que criou sozinha após a
separação do marido. Morou em Recife no bairro de Casa Amarela e retornou a
Limoeiro, onde em 29 de junho de 1949 fundou o Ile Ase Ogum Alada Meji situado
na Rua da Alegria, 524, casa construída por ela tijolo a tijolo.
Foi iniciada pelo grande Babalorixá Severino
Eufrásio da Silva de Yemonja Nilé da Tradição Xambá que migrou de Alagoas no
início do século XX por conta da repressão aos cultos Afros.
Apesar do perfil moralista judaico cristão
que dominava a cidade de Limoeiro, Dona Maria do Carmo resistiu a todas as
formas de preconceitos e intolerâncias, ampliou seu espaço tecendo redes de
poder, sendo respeitada por políticos, e uma grande parcela das classes
supostamente abastadas da sociedade limoeirense, principalmente o Coronel Chico
Heráclito com quem desfrutava de uma amizade pontual.
São muitos os relatos de suas atividades
religiosas desde o Culto tradicional aos Orixás a Jurema Sagrada, prática
religiosa Afro Indígena muito comum na região nordeste, atendia a quem lhe
pedia ajuda em suas aflições através do Caboclo Tupinambá, da Mestra Maria do
Egito e por fim o Mestre Pé de Galo.
Sua múltipla pertenças religiosas ainda tinha
espaço para devotar-se a Nossa Senhora e a São Jorge, este no imaginário afro
sincrético religioso foi entendido como Ogum, dono do seu Ori (cabeça) e ainda
São Sebastião sincretizado com Obaluaê.
Atualmente a IYÁ ONÍLÉ MÀRÌWÓ, nome iniciático que em Ioruba quer dizer: Mãe da
Casa Palha, (palha feita da folha do dendezeiro, roupa que veste Ogum) tem sua
memória preservada por seu Neto João Batista de Souza de Xangô Aganju, que
mantém o Templo com dedicação e presteza junto a sua esposa Dona Hortência de
Souza de Oyá Balajá.
As comemorações do Centenário vão acontecer
de abril a dezembro, com exposições permanentes, rodas de diálogos, seminários,
formações e muitas festividades.
Texto de: João Bamiléké Monteiro
Omo Sango, Historiador, Articulador Cultural
DONA
MARIA DE GALO PRETO - PAULISTA/PE
Dona maria de Galo Preto. Foto: acervo da família.
Nascida no interior de Bom Jardim, no dia 15
de agosto de 1937, Dona Maria Flora de Freitas, conhecida religiosamente como
Dona Maria de Galo Preto, ou Maria de Iyemojá, era afilhada de Jurema de João
Virgínio Soares, juremeiro de Dois Unidos no Córrego da Camila e filha de santo
de Eugênio Batista Neto de Xangô do bairro de Dois Unidos.
Órfã desde os 2 anos, sua atividade
espiritual se inicia na infância. Levada a uma rezadeira local pelas suas tias,
ao chegar na entrada da casa da senhora, teve sua primeira incorporação aos 7
anos de idade com a Cabocla Genoveva. Incorporada, subiu numa árvore de Jasmim,
a rezadeira prontamente realizou um trabalho que cessou as correntes espirituais
da criança, afirmando que sua missão começaria mais tarde.
Com 11 anos sai do interior e migra ao Recife
para trabalhar como empregada doméstica em casa de família, morando na casa dos
patrões. Completando 15 anos se casa com José de Freitas, um indivíduo que não
tinha nenhuma relação com a religiosidade. Sua espiritualidade volta à tona
quando Dona Maria fez 17 anos, uma doença misteriosa lhe toma e nenhum médico
conseguia tratar de sua saúde ou descobrir o seu problema. Após longo tempo
doente e passando por diversos profissionais, um deles afirma que seu problema
era na realidade espiritual.
Decorrente a intolerância religiosa, seu
marido não aceitou o retorno de suas correntes de Jurema, levando-a para a
Igreja Brasil para Cristo, piorando sua situação. Sem solução, introduziram a
jovem no centro kardecista Investigador da Luz, no bairro da Encruzilhada/Recife.
Lá ela começou seu tratamento espiritual através dos trabalhos com água
fluidificada, infelizmente sua melhora não foi completa, o kardecismo não era
suficiente para a neófita.
Seu marido, que trabalhava numa fábrica,
angustiado com a situação, compartilhou seu pesar com o colega de trabalho João
Virgínio Soares, que era sacerdote de quimbanda e famoso por seus trabalhos de
bruxaria. João pediu que levassem a jovem até seu terreiro para tratar de sua
espiritualidade. Chegando lá, Dona Maria desenvolveu suas correntes e começou a
trabalhar com diversas entidades como: Manoel Maior, Pilão Deitado, Manoel
Camilo, dentre outros, pois nesse período de introdução, o discípulo trabalhava
com várias entidades, de acordo com a permissão de seu guia principal, que
abria passagem para os demais.
Com 20 anos foi iniciada na Jurema por João
Virgínio, revelando assim seu principal mestre, Galo Preto, também chamado de
Zé do Galo quando trabalhava na corrente da direita. Junto de Seu Galo Preto, sua
mestra era Ritinha, além da mestra Nêga Paulina “de um peito só”, sua mestra
esquerdeira, como apresenta o cântico: “Salve a Mestra Paulina, a nêga de 1
peito só, trabalha na macumba desmanchando o catimbó”. Além da cabocla
Genoveva, seu caboclo era Ribamar e nas reuniões de mesa se fazia presente o
Mestre Antônio Olímpio.
O Mestre Galo Preto trabalhava continuamente,
sendo considerado um mestre muito querido pelos demais filhos da casa, que viam
nele um grande pai e não deixavam de agrada-lo sempre que possível. Com o
falecimento de seu juremeiro em 1975, Dona Maria só se mantém vinculada ao
terreiro de candomblé de seu pai de santo Eugênio Batista de Xangô, sendo ela a
responsável por realizar a parte ritualística da Jurema Sagrada, que não era
tão explorada no ilé axé.
Além do ilé de seu babalorixá, Dona Maria
atendia clientes em sua própria casa em Dois Unidos, fazendo consultas e
limpezas. Muda-se para Jardim Maranguape em Paulista, fixando sua residência e
abrindo oficialmente seu terreiro: Centro Espírita Cabocla Genoveva, fazendo
homenagem a primeira manifestação de sua guia espiritual. Genoveva nomeava a
casa, mas o patrono era Galo Preto, que não só era o mestre, mas também o
próprio juremeiro da casa, manifestando-se para fazer as obrigações do centro.
Infelizmente faleceu de problemas cardíacos
com 75 anos no dia 29 de outubro de 2012, deixando hierarquicamente a
responsabilidade religiosa para sua filha Miriam, discípula da Mestra Maria das
Papoulas, que antes do falecimento da mãe já tomava iniciativa nas práticas
litúrgicas, além de seu neto, Paulinho de Arranca Toco, responsável por
resguardar o amplo repertório de “linhas” sagradas da tradição Juremeira de sua
avó. Mãe Miriam nos relatou que após a morte de Dona Maria ela se organizou
para despachar seus assentamentos nas matas, contudo, na madrugada, Dona Maria
se materializou no pé de sua cama, cantou um antigo ponto de fundamento e pediu
que nada fosse jogado fora. Mestre Galo Preto e as demais entidades mantem-se
forte dentro de sua casa.
Dona Maria de Galo Preto é Mourão que Não
Bambeia por ter contribuído com total entrega na preservação da memória e
tradição oral da Jurema Sagra, sendo uma das sacerdotisas de maior importância
nesse campo religioso.
JOSÉ
GOMES DE LIMA FILHO (PAI PEQUENO DE MALUNGUINHO) – PAULISTA/PE
Pai Pequeno de Malunguinho. foto de felipe Scapino. Kipupa 2018.
José Gomes de Lima Filho nasceu em 28 de
novembro de 1944 pelas mãos de uma parteira no Sítio da Várzea do Carpina, no
município de Timbaúba, na Zona da Mata Norte do Estado de Pernambuco. Área
canavieira de forte expressão cultural dos maracatus de baque solto, folguedo
tradicionalmente ligado a Jurema Sagrada.
Tem como seu principal guia o Mestre
Malunguinho, que desde cedo o apadrinhou e lhe ensinou a trabalhar no catimbó,
tornando-o um Juremeiro muito respeitado.
Além da Jurema Sagrada, Seu José Gomes, mais
conhecido na comunidade de Paratibe como Pai Pequeno, também dedica sua vida ao
Orixá. Filho de Xangô Ogodô ele é egbomy da tradição do candomblé nagô, tendo
mais de 50 anos de atividade religiosa no âmbito afroindígena. Fora iniciado
pelas mãos da saudosa Iyalorixá Mãe Dada de Oxalá.
Atuou durante muitos anos de sua vida como
feirante e mestre da medicina tradicional e popular, guardando saberes divinos
de curas, sem nunca precisar passar por uma formalidade acadêmica na área de
saúde, nascendo com a chamada ciência mestra da Jurema e sempre utilizando para
ajudar os mais necessitados.
Atualmente no alto dos seus 75 anos de vida e
de gaita sustenta, ele compõe o corpo sacerdotal do terreiro Axé Talabi em Paulista/PE
e sem dúvida é um discípulo que resguarda uma ancestralidade que merece todas
as homenagens e reconhecimentos dos mais velhos e mais novos. Seu Pai Pequeno
de Malunguinho é Mourão que Não Bambeia e motivo de orgulho para todos nós.
PAI ALEX DE ZÉ DA PINGA - ARAPIRACA/AL
Pai Alex de Zé da Pinga. Foto: Acervo pessoal.
Alex
Gomes da Silva, também conhecido como Pai Alex de Zé da Pinga ou Pai Alex de
Xangô, nasceu em 24 de novembro de 1967 no município de Igaci, agreste alagoano
que faz parte da região metropolitana de Palmeira dos Índios, território
naturalmente ocupado por indígenas que ali perpetuaram sua cultura religiosa.
Seu
contato com a espiritualidade começou cedo, entidades tentavam se comunicar com
a criança que ainda não entendia nem sabia como agir, consequentemente isso
preocupava sua família, que tampouco sabia lidar com as visões sobrenaturais
que o menino tinha. Com 8 anos começou a ter irradiações que na época foram
tachadas de “ataques. Um dia sua tia viu a situação e identificou que se
tratava de problema espiritual, a solução foi leva-lo até um rezador que vivia
mais isolado do centro de Igaci.
Sua
tia que era colega da irmã desse rezador levou a criança para o juremeiro
Liobino Joaquim dos Santos. Chegando lá, o homem abriu a sessão de Jurema, na
ritualística das invocações espirituais Alex caiu no chão e teve sua primeira
manifestação. Depois desse dia o garoto considerou-o como um pai, toda
terça-feira ele mentia afirmando que ia sair para brincar, mas ia para casa de
Liobino desenvolver suas correntes mediúnicas, sendo então iniciado na Jurema
aos 8 anos de idade.
Aos
10 anos Alex entrou no candomblé nação Xambá, realizando suas obrigações de
Orixá com a saudosa Mãe Judite Correia de Araújo Oxum Sisi. Entretanto, sua
família não se agradou com todo o tempo que a criança passava dedicando-se à religião.
Contra sua vontade levaram-no para a Igreja Batista, acarretando numa doença;
trocavam de igreja, mas as dores eram contínuas. Não bastasse isso, nesta
primeira fase da vida espiritual Alex sofreu perseguições, descobriram na sua
escola que ele era “catimbozeiro”, acabou virando motivo de chacota, foi
expulso da banda de música e tristemente até o apedrejaram.
Com catorze
anos viveu um episódio importante na sua trajetória. O Mestre Zé Pelintra de um
irmão de santo gostava de fazer testes para ver quem estava incorporado de
verdade - espalhava urtiga no meio do salão e pedia pros espíritos comerem. No
entanto, Zé Pelintra ordenou que Alex fizesse isso quando o mesmo não estava
manifestado. Assustado, o jovem se preparou para fazer o que o Mestre mandou, até
que inesperadamente perdeu a consciência. Quando voltou, todos no salão
aplaudiam o espírito que acabara de baixar: Seu Zé Jurubeba, um homem forte,
brabo e que passou a acompanhar aquele jovem.
Sua
vida passou a ser uma confusão, recebia Zé Jurubeba todo instante, ninguém
suportava a situação. Ia para os bares, bebia e fumava muito, não pagava
a conta e fugia, gerando problemas na delegacia. Passou a conviver com bêbados
de rua e nesse tempo até levou tiro e facadas. Por estar se dedicando mais ao candomblé,
tinha deixado de ir à casa do velho Liobino, mas vendo essa situação acontecer,
ele foi procurar o padrinho. Chamaram Zé Jurubeba ordenando a condição de levar
o discípulo para o caminho do bem, depois disso passou seis meses sem receber o
mestre. Quando ele se manifestou novamente chegou saudando a Jurema Sagrada e para
recomeçar bem deu seu novo pseudônimo: Zé da Pinga.
Hoje,
com 52 anos, Alex é Juremeiro, mestre de cultura de Arapiraca, conselheiro do
CONACAP e conselheiro fiscal do PROCON municipal de Arapiraca. É presidente da
ONG Casa de Caridade, que atua numa periferia conhecida como “Cabaré Véio” e
posteriormente, por conta de sua ação social, é também chamada de “Favela do
Alex”. A Casa de Caridade atua desde 1998, mas só foi oficializada em
documentação no dia 02 de fevereiro de 2005. A ONG tem inscrito 125 famílias,
sendo 61 de catadores de recicláveis e os demais pessoas que vivem através do
Bolsa Família.
Pai
Alex considera-se “gerente” da Fazendinha de São José, pois o dono, segundo o
sacerdote, é primeiramente Deus e em seguida Zé da Pinga, o grande patrono. A
Fazendinha compõe um grande terreno dedicada unicamente ao culto da Jurema
Sagrada, por ordem do Mestre da casa a primeira obra a ser edificada foi a
capela dedicada a São José, em seguida foram construídas as demais propriedades
ao redor, cada corrente espiritual tem uma casa separadamente da outra: uma
para os mestres, outra para as mestras, caboclos, boiadeiros, Reis Malunguinho
e pretos velhos. Segundo o IPHAN é o maior núcleo de Jurema do Brasil.
Liobino
Joaquim dos Santos, seu sacerdote que hoje se encontra com 93 anos,
infelizmente, decorrente ao AVC não consegue mais falar. Alex tem em seu
padrinho de Jurema um pai, não deixando de cuidar daquele que tanto o cuidou,
sendo um filho que acompanha toda a situação de saúde e bem-estar do mestre.
PAI
CARLOS DAS ALMAS (IN MEMÓRIAN) – PEIXINHOS/OLINDA
Pai Carlos das Almas ao lado de sua filha Yraê Odara. Foto: acervo da família.
José
Carlos Martins, mais conhecido como Pai Carlos das Almas, nasceu no dia
04/01/1951, oriundo de uma família que não tinha oficialmente uma ligação com a
religiosidade, contudo adquiriu uma herança oculta de Jurema e Quimbanda por
parte de sua tia Amélia (que naquele tempo era chamada de bruxa) e de sua mãe
Dona Maria Edinha, que deixou de cultuar após casar-se com seu pai, um
fazendeiro que não aceitava a espiritualidade.
Foi
criado na Rua da Regeneração no bairro do Arruda/Recife e logo na infância, com
7 anos de idade, começou a ser assombrado pelas entidades que se apresentaram
cedo para a criança. Sua mãe preocupada levou-o para a juremeira Dona
Mariazinha, que morava perto de sua casa, assim ele teve seu contato direto com
a Jurema. A senhora sessou as visões e perturbações que ele estava sentindo,
por consequência o menino ficou próximo da juremeira que tratou espiritualmente
dele.
Recebeu
sua primeira entidade com 8 anos, Caboclo Oxóssi, que lhe trouxe bênçãos e
tornou-se seu guia. Sua família não satisfeita com a imersão religiosa que o
garoto estava, forçou a criança a ser evangélico contra a vontade de suas
entidades, levavam-no para se benzer no evangelho visando afastar os espíritos,
contudo, o que aconteceu foi que eles se aproximaram cada vez mais.
Com
10 anos de idade ele teve um sonho muito forte, um gato subia em sua cama e ia
crescendo até tornar-se uma mulher, quando acordou assustado não teve muito
tempo de consciência, pois foi tomado pela sua pombojira Maria Padilha, que
logo começou a fazer cobranças. Passou então a cultuar as Almas desde criança,
assumiu internamente sua fé e passou a conviver com antigos sacerdotes de
respeito para aprender com os mais velhos.
Depois
de Maria Padilha, o trunqueiro Tranca Rua também se apresentou, sua Mestra
Maria Rosa, que tem grande importância para a família, pois a mestra deu o nome
dos seus nove filhos (todos em Yorubá ou tupi) e seu saudoso Mestre Sibamba que
trabalhou incansavelmente na matéria até terminar sua missão com Carlos,
encontrando a luz e deixando seu companheiro Zé do Tombo para assumir o papel
de mestre da casa.
Além
da Jurema, ainda jovem, Carlos assumiu a tradição nagô da rama de Pai Adão. Seu
primeiro babalorixá foi José Romão Felipe da Costa, contam que ele acompanhava
Romão mesmo pequeno, sendo muito querido pelo famoso babalorixá. Em seguida foi
ser filho de santo de Humberto Turiabê de Xangô e Maria José de Oyá (sacerdotes
do Pina que também mantinham a rama do sítio). Contudo, decorrente ao
falecimento de seu babalorixá, Oxoguian solicitou um sacerdote para manter suas
obrigações, mudou-se então para a casa de Raminho de Oxóssi.
O
terreiro de Pai Carlos localiza-se no bairro de Peixinhos/Olinda e está aberto
a 33 anos, ele iniciou por volta de 135 filhos espalhados pelo Brasil, muitos
hoje com casa aberta. Sua família biológica tem grande participação nas
atividades litúrgicas. Sua esposa Claudete de Oxum é a sacerdotisa e todos os
nove filhos seguiram a religião e cresceram na vida sacerdotal. Preparados
muito bem pelo pai, todos deram continuidade ao culto de jurema e quimbanda nos
mesmos moldes que Pai Carlos ensinou.
Fora
do âmbito religioso ele foi funcionário público, pessoalmente Carlos era muito
alegre, extrovertido e brincalhão, contudo, na hora da obrigação religiosa ele
se transformava e ficava altamente rígido, exigente e bastante temente as
entidades, agia com muita seriedade. Os mais próximos afirmavam que ele tinha
duas faces: uma na hora da religiosidade e outra fora.
Infelizmente
faleceu no dia 11/03/2019 as 08h da manhã por uma doença cardíaca herdada
hereditariamente, deixando saudades no coração de toda a família e comunidade
de Peixinhos. Pai Carlos é mourão que não bambeia por ter lutado contra o
racismo dentro de sua própria família, vivido toda a sua vida buscando fazer a
decoloneidade dentro de sua comunidade, através de uma espiritualidade de garra
e resistência.
MÃE
LOURDES DE ZÉ DOS ANJOS (IN MEMÓRIAN)
– RECIFE/PE
Mãe Lourdes de Oxum. Discípula de Zé dos Anjos. Foto: Acervo Quilombo Cultural Malunguinho.
Maria de Lourdes Pereira de Almeida, filha de
pais extremamente católicos teve que enfrentar desde pequena muitas
atribulações para dedicar-se a sua missão, já que seus pais não aceitavam em
hipóteses alguma ter uma filha de outra religião. Segundo ela, de seu quarto
ouvia as toadas que tocavam num centro próximo a sua casa e aquilo parecia um
chamado, que a deixava inquieta, porque sua vontade era de ir até o centro.
Após seu pai ficar doente e uma de suas entidades juremeira ajudou a resolver o
problema, foi que as coisas foram sendo amenizadas.
Ainda na adolescência, contou com Pai Raminho
de Oxóssi, que além de seu pai de santo, foi seu amigo fiel e com sua mãe a
Yalorixá Zeza de Yemanjá recebeu seus direitos na Roça Osùn Opará Oxóssi Ybualama.
Seu barco foi composto pela Yalorixá Esmeralda de Oyá.
Segundo Mãe Lourdes, seu pai biológico após
ter alcançado a graça, enquanto sua filha cumpria seus 3 meses de resguardo
mandava frutas e outras coisa para agradar a filha. Além de sempre procurar
saber como ela estava.
Com o tempo, sua vocação só aumentava, suas
entidades juremeira que sempre foram muito trabalhadoras e justas, começaram a
ganhar fama e as pessoas passaram a procurá-la na casa de seus pais para fazer
consultas. Mas isso nunca lhe subiu à cabeça e seus pés sempre estiveram muito
bem fixos no chão.
Os anos se passaram, casou-se com um esposo,
Sr. Milton, que por sua generosidade merece ser mencionado nessas linhas.
Sempre a respeitou e ajudou a construir a casa e o Centro que hoje recebe e ajuda
tantas pessoas. Com ele teve 5 filhos: Lélia de Yemanjá, João de Xangô Ayrá,
Patrícia de Oxum Opará, Ayla de Oyátogum e um outro que não resistiu. Vale
ressaltar que ela sempre contou com Mãe Célia de Oxum, sua filha de santo e mãe
pequena da casa, que a ajudou a criar seus filhos biológicos e seus filhos de
santo, além de ter sido uma irmã de criação.
A Roça de Oxum Olôomi Gandê, localizada à Rua
Caçapava, nº 249, no bairro Alto Jardim Conquista, na Cidade de Olinda, onde a
fundadora, a Yalorixá Lourdes de Oxum Opará viveu e por amor ao seu Orixá e sua
Jurema dedicou sua vida à caridade.
MESTRA
TECA DE OYÁ (TEREZINHA JOSÉ DOS SANTOS) - RECIFE/PE
Mestra Têca de Oyá. Foto de Clédisson Junior.
Terezinha José dos Santos, mais conhecida como
Têca de Oyá, nasceu no dia 11 de junho de 1945 na cidade do Recife, crescendo
no bairro de Campo Grande. A “ekeji” é famosa por ter um modo único de cantar,
dançar e interpretar as toadas da Jurema Sagrada e dos Orixás, considerada uma
mestra, seu domínio em abalar todas as correntes espirituais faz ela ter
distinção por qualquer lugar que passe.
Têca nos conta que seu primeiro contato com a
religião foi muito nova, pois tinha um terreiro ativo em sua rua que nas
festividades de São Cosme e Damião distribuía doces para as crianças da
comunidade e organizava brincadeiras para entreter os pequenos, assim ela
começou a frequentar a casa de axé de quem futuramente seria sua zeladora, dona
Lindalva de Oliveira de Oyá.
Lá ela afirma que começou a sua vida, com 8
anos foi pela primeira vez e se apaixonou, passou então a visitar a casa além
do Cosme e Damião, indo para as giras ainda criança, ela afirma que assistir
aquela celebração era o mesmo prazer de estar brincando e se divertindo, logo
cedo Têca interpretou seu amor pela Jurema nos moldes da sensibilidade de uma
criança.
Sua zeladora era muito rigorosa e severa,
trabalhava com muita seriedade, o Mestre da casa era Seu Zé de Aguiar, cuidava
espiritualmente de Têca e dos demais que ali vinham pedir suporte, ela lembra
que seus trabalhos na Jurema geravam muitas curas e resoluções de doenças
graves, memorando um dia marcante que o Mestre curou uma criança com tétano com
os saberes da ciência mestra antes que a enfermidade passasse para o sangue.
Considerou-se filha da casa quando estava em
sua fase de adolescência, com 16 anos firmou a ideia que seu caminho era ali,
principalmente após ouvir um recado de sua iyalorixá Mãe Linda (como era
chamada): “Você nunca procurou Jurema, a Jurema que lhe procurou, você não
procurou o Orixá, o Orixá que lhe procurou!”. Dona Linda tinha uma grande
confiança em Têca, começou inserindo a jovem nas reuniões de mesa até o ponto
de pedir que a filha abrisse a Jurema dela, que com grande aptidão era iniciada
com lindos louvores de fundamento.
Aprendeu a cantar sozinha, observando sua
sacerdotisa e em seguida se fazendo presente em vários terreiros com o intuito
de aprender andando, gerando um grandioso acervo de cânticos sagrados em sua
cabeça. Têca conta que lhe julgavam por ser uma jovem e de aparência franzina,
mas quando começava a cantar todos se admiravam com a potência de sua voz e de
seu conhecimento de saber puxar as toadas certas nos momentos devidos. Contudo,
Mãe Linda não era a favor de ver a filha andando pelos terreiros por aí, sempre
que viam a jovem cantando em outro terreiro sem ser sua casa corriam para
avisa-la e a reclamação chegava rapidamente nos ouvidos de Têca.
Na Jurema, mestra Têca é afilhada de
Malunguinho, ela contou os diversos recados que já teve, chegando até a vê-lo
no pé de sua cama, se apresentando materializado. Quem acompanha Malunguinho em
sua corrente espiritual é a Pombojira Maria Padilha. Na parte do Orixá ela é de
Oyá com Xangô, tendo também uma devoção muito grande por Obaluaiyê. O primeiro
peru que ela ofertou para sua santa foi na casa de Raminho de Oxóssi, seu pai, além
de Mãe Lindalva.
Um grande recado que Têca nos deu foi quando
ela afirmou que um dos fatores para a Jurema ser tão sagrada para ela foi por
que ela aprendeu a beber dentro do culto e deixou de beber dentro da Jurema
também. Esse fato salienta as relações de sagrado e profano presentes na nossa
tradição. Quando nova começou a beber acompanhando as entidades, acarretando
infelizmente em um vício, que segundo ela a própria Jurema teve o poder de
tirar, como ela frisou “a Jurema tanto amarga, como cura”, quando lembrou dessa
graça alcançada.
Mestra Têca resguarda os saberes ancestrais
herdados no seu sangue negro, é unanime seu merecimento de ser Mourão que Não
Bambeia, uma das homenageadas do Kipupa Malunguinho fazendo jus aos seus 66
anos de vivência dentro da Jurema Sagrada e do candomblé Jeje-Nagô, sua voz
continuará ecoando em todos os terreiros com o respeitado que deve ser dado a
sua pessoa.
Alexandre
L’Omi L’Odò
Quilombo
Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com