Público no XIII Kipupa Malunguinho. Foto de Kayo na Real.
Relato das práticas realizadas no Kipupa Malunguinho - Coco na Mata do Catucá
O Kipupa Malunguinho - Coco na Mata do
Catucá, é uma festa popular, uma celebração coletiva dos povos tradicionais de
terreiro, realizada pelo Quilombo Cultural Malunguinho, há 13 anos nas antigas
matas do Catucá (quilombo de Malunguinho), hoje Pitanga II, Abreu e Lima/PE.
Com vistas à valorizar o patrimônio imaterial da Jurema Sagrada, religião de
matriz indígena do Nordeste do Brasil, que tem em Pernambuco, um dos seus
maiores redutos em termos de densidade histórico-mítica-ritual-tradicional e de
quantidade de terreiros (Só em Recife e RM são mais de 70% dos templos), o
Kipupa, dá voz as narrativas orais de nosso povo, incentiva as práticas de
sustentabilidade ambiental fomentadas por séculos pelos juremeirxs, e faz de
seu local de realização, um espaço permanente de fortalecimento da memória afro
indígena e da cultura popular.
O RITUAL
É realizado coletivamente um grande ritual de
entrega das oferendas à ancestralidade negríndia, em especial para o Reis
Malunguinho, patrono da festa. Esta atividade, que acolhe todas as formas de
fé, leva para dentro do espaço mais interno das matas sagradas, em cortejo, com
cânticos e toques ritualísticos, o balaio mestre, que é a oferta dada para
agradecer aos espíritos da nossa religião por todas as bênçãos alcançadas, além
de firmar nossos pedidos de paz, união, fertilidade, saúde, prosperidade etc. para
todxs.
O KIPUPINHA
Dentro do Kipupa Malunguinho, o Kipupinha é
um espaço infantil e lúdico com os saberes da Jurema para todos os
juremeirinhos e juremeirinhas e crianças de quaisquer outras tradições. Esse
espaço foi pensado para dar atenção especial na formação afro-indígena, na
auto-estima e fortalecimento da identidade de nossas crianças de terreiro. No
evento, a cada ano, mais e mais crianças participam e vivenciam este dia de
celebração com muita energia e troca de saberes na Mata Sagrada. Portanto, ter
um espaço especial lúdico e bem cuidado para estas crianças se faz necessário,
uma vez que temos que cuidar de nossas sementinhas e de nosso futuro, com muito
zelo e afeto. Esta atividade contempla contação de histórias de nossa tradição
oral, oficinas de percussão, pintura, estética afro, confecção de roupas de
jurema etc. Também é montado um mini parquinho para que as crianças possam
desfrutar de um momento de brincadeiras antigas de terreiro com animadores
culturais. Neste contexto, é distribuído o Cosme Damião, com muitos doces e
brinquedos.
A FEIRA PRETÍNDIA MALUNGUINHO DA ECONOMIA
SOLIDÁRIA
A Feira tem como objetivo apresentar uma
diversidade de produtos ligados à Jurema e as tradições de terreiro, como
ervas, artefatos religiosos, roupas, colares, instrumentos musicais, cachimbos
e todo tipo de artesanato ligado ao imaginário afro-indígena, com o intuito de
fortalecer a nossa identidade e contribuir no crescimento de investimentos em
projetos negro-indígenas no mercado de artesanato deste segmento. A feita
também tem um processo educativo que foca na sustentabilidade ambiental.
ETAPA EDUCATIVA DO KIPUPA
São realizadas palestras e formações durante
a Semana Estadual da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, a Lei
Malunguinho, nº 13.298/07, aprovada a partir de nossa construção coletiva.
Atividades de troca de saberes na mata, com trilha ecológica, formações na
cultura popular, formação sobre a Jurema Sagrada e a prática de ervas, cursos
sobre línguas africanas e indígenas e palestras em escolas públicas dão o tom
das semanas que antecedem o ponto máximo do festival.
ACESSIBILIDADE
O Kipupa, é um evento que obedece as normas
estabelecidas pela lei federal de acessibilidade 10.098/2000, garantindo acesso
seguro e adequado à todas e todos. Criteriosamente atendemos as normas do
estatuto do idoso – lei 10.741/03, e, da lei para pessoas com deficiência –
13.146/2015.
É garantido durante todo o evento, intérprete
em libras, banheiros para deficientes, estacionamento e tratamento especial
para idosos (incluindo segurança e atendimento médico permanente), e a
tradicional atenção milenar afro indígenas para as pessoas mais velhas, traço
fundamental de nossa cultura.
A MATA E O CUIDADO COM O MEIO AMBIENTE
Em nossa última edição (2018), reunimos mais
de 10 mil pessoas no Kipupa. Contudo, todo ambiente é preparado para não haver
impactos negativos para o meio ambiente. A mata é preservada completamente.
Temos equipe de coleta de lixo durante todo evento e somos associados a
cooperativa de reciclagem de Abreu e Lima. Todo material reciclável deixado
pelo evento, é recolhido e reutilizado. Dentro do espaço da Mata Sagrada, no
dia seguinte das atividades, recolhemos com outra equipe, todos os objetos que
por ventura tenham sido deixados pelo povo de terreiro no local. Nada fica, nem
as "piolas" de cigarro e restos de vela (velas são proibidas). Nossa
preocupação é com o meio ambiente, que para nós é sagrado, nosso altar maior.
A COMUNIDADE - BENEFÍCIOS E INTERAÇÃO
O Kipupa, é um evento que traz inúmeros
benefícios às suas comunidades, tanto a do povo de terreiro, quanto a de
Pitanga II, em Abreu e Lima. Na cidade onde proporcionalmente há o maior
contingente de evangélicos no Brasil, é realizada a maior festa do povo de
terreiro de Pernambuco. Isso significa muito na luta antirracista e contra a
intolerância religiosa, sendo este elemento, um dos que transforma-se em
benefício para todas e todos que desejam um mundo equânime.
a)
Para
a comunidade dos Povos Tradicionais de Terreiro, a
ação, há 13 anos fortalece o reconhecimento da tradição da Jurema no cenário da
luta por direitos e por reconhecimento oficial, tanto do Estado, como do campo
acadêmico, tendo em vista, que essa tradição, sofre racismo institucional e
epistemológico (acadêmico), sendo quase desconhecida do cenário das religiões
de terreiro, nesses campos. Conhece-se o candomblé e a umbanda, porém, a
Jurema, mantem-se quase desconhecida, ainda. O Kipupa, anualmente realiza forte
divulgação nas redes sociais e na grande mídia, contribuindo para o processo de
retirada deste conjunto de tradições de matrizes indígenas do ostracismo social
e histórico. A realização do evento, dá uma oportunidade de auto reconhecimento
para o povo da jurema, de seus valores, beleza, importância histórica e social,
além de contribuir para auto estima de seus membros, que até os dias atuais,
tem dificuldade de se identificarem como tal, devido ao perverso processo de
estigmatização sofrido pelo nosso povo. Ser catimbozeiro/juremeiro, ainda é um
desafio para muitos, que devido ao medo do racismo e de toda forma de
intolerância, optam por se auto identificarem como pessoas do CANDOMBLÉ,
religião mais aceita e conhecida no cenário nacional. Ainda, o Kipupa contribui
para o processo de união do povo da jurema, que ao longo dos séculos, foi
separado propositalmente para não permitir seu fortalecimento político,
ideológico.
b)
Para
a comunidade onde o evento é realizado, muitos são os benefícios
materiais. Para a realização do evento, são recapeados mais de 12km de estrada
de barro, que após o evento, ficam preservadas por mais de 6 meses,
beneficiando toda comunidade rural de Pitanga I e II. Os mais de 10 hectares de
terra, limpos, capinados e reestruturados com remoção de entulhos, barro etc.
também ajudam a comunidade à se organizar melhor durante mais de 6 meses do
ano. Os moradores e moradoras, no dia da ação, colocam suas casas a disposição
para receber os visitantes, ganhando dinheiro com estacionamento, vendas de
comidas e bebidas, artesanatos e tudo que é produzido ali, como verduras e
tubérculos, frutas etc. produtos que são vendidos a preço barato, atraindo o
interesse dos compradores. O Kipupa é a única atividade que acontece naquela
região o ano inteiro, portanto, é esperado por todas e todos, que ali moram,
movimentando toda localidade financeiramente e levando entretenimento
consequentemente para todas e todos, que neste dia, tem acesso a shows de
qualidade, e tudo mais que o evento oferece, inclusive à etapa educativa.
c)
O
espaço de memória quilombola, é mais um ganho para a
comunidade. Pitanga II, nunca foi reconhecida oficialmente como área
quilombola, contudo, esse processo de reconhecimento da localidade, vem sendo
oficializado lentamente através do QCM. A comunidade hoje, já sabe que ali fora
em séculos passados, palco de grandes lutas negras e também local onde fora
morto o último dos malunguinhos, o João Batista, morto naquela localidade há
184 anos, em emboscada cruel. A construção desse processo de reconhecimento,
caminha há 15 anos, quando ainda nem o Kipupa existira. O Quilombo Cultural
Malunguinho, instituição realizadora do Kipupa, sempre protagonizou essa
discussão junto à comunidade, levando pesquisadores de diversas partes do país
para conhecer e produzir conteúdo científico antropológico e histórico sobre
toda essa localidade. Dois dos maiores historiadores brasileiro, que pesquisam
a história da luta por liberdade do povo negro e indígena no país, já
publicaram importantes artigos sobre. Marcus Carvalho, professor titular de
história da UFPE e João José Reis, titular de história da UFBA, são nossos
parceiros nessa luta.
TROCA DE SABERES E MANUTENÇÃO DE NOSSAS
PRÁTICAS
A tradição oral é o patrimônio pelo qual mais
prezamos. É espontaneamente oportunizado pelo evento, a possibilidade dos
terreiros trocarem saberes e fortalecerem suas articulações religiosas e de
amizade. Muitos rituais são mantidos e ampliados com essa troca de saberes. A
Jurema que é uma religião em risco de extinção, com o Kipupa, retomou o fôlego
e se amplia mais a mais, pois a cada ano o público aumenta inesperadamente,
devido ao fortalecimento da auto estima desse povo que sofre até hoje os males
da escravidão e do racismo histórico de nossa sociedade.
PRÊMIO MOURÃO QUE NÃO
BAMBEIA
Ao longo dos seus 8 anos de existência
(2011-2018), o Prêmio Mourão Que Não Bambeia, homenageou publicamente 53
sacerdotes e sacerdotisas da Jurema Sagrada, ajudando a contar a histórias
silenciada pelo tempo, dessas pessoas humildes, que são, ou foram, grandes
mestres do saber ancestral tradicional da Jurema. Figuras desconhecidas,
esquecidas pela historiografia, que embora tenham grandiosa contribuição na
preservação da memória e das práticas da Jurema tradicional, não eram
conhecidas do grande público, nem mesmo da religião. Mestres como Deotato
(Dió), Mestra Elisa do Coco, Mestre Ciriaco de Alhandra, Mestra Alaíde de
Benedito Fumaça, Mãe Terezinha Bulões, Dona Sílvia de Iemanjá, Pai Ednaldo de
Boiadeiro, Mãe Nenzinha do Acorda Povo, Mãe Leônidas Costa (in memorian), Sr. João Folha (in memorian), etc., foram alguns nomes
lembrados por essa nossa homenagem, que tem como objetivo central, trazer à luz
da história pública, a contribuição fundamental que estes ilustres
desconhecidos, deram à tudo que conhecemos hoje como Jurema e tradição de
terreiro em Pernambuco. O conjunto dessas memórias orais densas, está guardado
em nosso arquivo, para futuras publicações, que garantam o registro oficial da
existência desses e dessas personagens que são a alma de nossa religião.
Para
saber detalhes do Prêmio, leia:
O Prêmio Mourão que Não Bambeia é uma comenda
dada a grandes representatividades de nossa Jurema Sagrada, e também para
pessoas que contribuem na luta por nossos direitos. Pensado por Alexandre L’Omi
L’Odò, há oito anos, este Prêmio tem homenageado pessoas que fortalecem a
Jurema com responsabilidade sacerdotal e empenho nas causas de nosso povo.
Mourão, é um tronco de madeira de lei, que é
colocado no centro de um terreiro para amarrar boi brabo ou cavalos indomáveis.
Esta madeira forte, geralmente é de Pau Pereiro, ou de outra madeira de lei
como Pau Ferro etc. É conhecido por ser inabalável e jamais cair, suportado
todo tipo de força externa. Ele jamais bambeia, ou fraqueja, ele sempre segura
o tombo do que vier.
Portanto, o Prêmio Mourão que Não Bambeia reconhece
a força inabalável da fé e da luta de nossos juremeiros e juremeiras, que
resistem a toda forma de adversidade nos caminhos da preservação de nossos
patrimônios imateriais/ materiais e da prática religiosa da Jurema Sagrada como
um todo. Premiamos também pessoas que nos ajudam a vencer os processos
históricos de racismo e intolerância religiosa, como pesquisadores, políticos e
ativistas sociais dentre outros.
BANDAS, SHOWS, CORTEJOS E MESTRES E MESTRAS DA CULTURA POPULAR
Em 13 edições, o Kipupa realizou 29 shows,
trazendo para seu palco, atrações e mestras(es) de grande relevância da cultura
popular e tradicional, garantindo uma diversidade de linguagens ampla de
apresentações. Entre estes, destacamos o Mestre Galo Preto, Mestre Zé de Teté,
Mestra Elisa do Coco, Mestra Ana Lucia do Coco, Grupo Bongar, Grupo Bojo da
Macaíba, Coco do Catucá, Mestre Zeca do Rolete, Grupo Mazurca da Quixaba,
Caboclinhos Carijós do Recife, Maracatu Nação do Reis Malunguinho, Banda
Pandeiro do Mestre, etc.
Estas atrações, durante 12 anos do evento,
tocaram gratuitamente, levando o melhor do entretenimento e da nossa cultura,
para um público amplo e bem direcionado. Somente em 2018, aprovamos nosso
primeiro edital, após sermos reprovados em diversos outros, garantindo pela
primeira vez pagar cachê para as atrações.
O trabalho do Kipupa sempre foi colaborativo,
tendo como principal força, a rede de amigos e amigas que acreditam nessa
proposta e que se esforçam para estar conosco todos os anos. Não geramos renda
com o evento, sendo assim, dependemos de apoios até mesmo de pessoas para
conseguirmos realizar esta festa que se transformou espontaneamente no Encontro
Nacional dos Juremeixs.
#KipupaMalunguinho #Catucá #QuilomboCulturalMalunguinho
Alexandre L'Omi L'Odò
Coordenador Geral Kipupa
alexandrelomilodo@gmail.com