Alexandre L'Omi L'Odò. Tempos de iyawò. Foto de Aloísio Moreira. 2004.
Como
mudar oficialmente de nome, usando uma justificativa afro-indígena religiosa?
Atendendo
ao pedido do Povo de Terreiro, que nas redes sociais me solicitaram informações
de como mudar de nome na justiça, escrevi este breve texto para socializar aos
interessados e interessadas, a metodologia que usei para mudar de nome usando
uma inédita justificativa religiosa afro indígena. Este breve artigo tem como
objetivo orientar todas e todos de como se dá o processo oficial de troca de
nome por causa da Jurema Sagrada, Batuque, Tambor de Mina, Jarê, Candomblé, Umbanda,
enfim, as religiões de matrizes africanas e indígenas do Brasil.
A
primeira etapa a ser cumprida em uma iniciativa de troca oficial de nome é
identificar que, o nome ou palavra, africano ou indígena, que está ligado à
pessoa como apelido ou até mesmo nome sacerdotal (dijina ou orunkó), é legítimo
na identificação cotidiana do indivíduo em seu meio religioso. Eu mesmo, desde
muito cedo (13 anos de idade) sempre fui chamado de L’Omi, ou Alexandre L’Omi
L’Odò, nome artístico e sacerdotal que me acompanha até hoje. Sou identificado
em todos os lugares com este nome, e por isso, assim como o apelido Lula, do
nosso ex-presidente, teve subsídios legais que o ampararam na troca definitiva
ou acréscimo de nome no registro de nascimento, eu me senti incitado a trocar o
meu nome por ter a mesma legitimidade e condições de exigir este meu direito.
No
caso do nome sacerdotal, a pessoa deve estar ligada obviamente a algum terreiro
e ter um histórico que possa ser comprovado com fotos, artigos escritos, teses
ou livros publicados, sites ou blogs, documentos de eventos ou crachás de
conferências com o nome/”apelido” registrado nestes materiais. Ainda, para a
justificativa da petição ao juizado específico (vara de família – no meu caso
aqui em Olinda/PE) deve-se ter um embasado argumento que legitime o pedido ao
juiz ou juíza. Este argumento deve ser escrito em formato de texto, com amplo
contexto de informações afro indígenas educacionais, levando em conta, que
devemos pensar que as pessoas que pegarão no processo, não entendem nada de
nossa religião, então, tudo deve ser minuciosamente explicado – palavras,
termos, etc. tudo deve ser cuidadosamente “ensinado”, inclusive com tradução da
língua originária (yorùbá ou kimbundo etc.), para facilitar o entendimento do
que você precisa expressar para embasar seu argumento para que o juiz ou juíza
possa não ter dúvida alguma sobre o que você está falando e expressando.
Deve-se
conseguir um advogado ou advogada competente e que entenda sua demanda sem
preconceitos ou racismos. Pois um advogado que não entenda nossas questões
religiosas pode escrever uma petição errada, com fundamentos e justificativas
que não contemplem a intenção real do pedido. É bom lembrar que o racismo
institucional é forte e presente em todos os lugares do país, portanto, vai ser
fácil encontrar advogados com intenções de “facilitar” a forma de como pedir ao
juiz a troca de nome, e isso pode deturpar toda intenção da proposta
colocando-a como mera justificativa de apelido e não de nome sacerdotal. Muitos
advogados(as) e juízes(as) não querem saber destes casos e vão dificultar o
processo, ou por “falta de entendimento” da petição, justificando que apelido é
apelido e nome sacerdotal (social) é outra coisa..., ou dizendo que “esse
negócio de macumba não é legitimo”.
Comigo
o processo teve suas complicações, mas graças à advogada Greyce Pires, que é
ligada ao Quilombo Cultural Malunguinho, a mesma que deu entrada no processo com
uma petição escrita a duas mãos (eu e ela) tendo no texto informações corretas
e bem embasadas, facilitou, de certa forma, o processo, que andou normalmente
na justiça.
Após
petição pronta, com anexo se possível, apresentando documentos diversos que
comprovem que você é chamado efetivamente pelo nome ao qual designou na
petição, o advogado(a) responsável irá dar entrada na vara ao determinada para
este tipo de processo. Como falei antes, aqui no Fórum de Olinda/PE, é a vara
de família, a responsável por cuidar destes casos. Em outros locais podem ser
outras varas. Cada localidade tem um tipo específico de relação com este tipo
de caso, embora na maioria das instituições seja mesmo a vara de família
responsável por este tipo de questão.
Depois
disso, deve-se aguardar o despacho (intimação) da juíza ou juiz responsável que
irá solicitar no prazo de 30 dias que o requerente do caso possa juntar ao
processo (criar um anexo a mais) uma série de documentações que irá comprovar
se o requerente está em dias com a justiça e com outras instâncias do Estado,
do município e do país.
Segue
lista completa de documentos que me foram solicitados pelo Juiz:
1. Certidão
de Antecedentes Criminais das comarcas de quatro municípios (incluindo o local
de moradia);
2.
Certidão de Antecedentes Criminais da Justiça
Federal, eleitoral e Militar da União e estadual;
3.
Certidão Negativa de débitos fiscais perante
a fazenda pública da União, do Estado e de mais quatro municípios (incluindo o
local de moradia);
4. Certidão
Negativa de Protestos de Títulos dos Cartórios de Protestos de títulos e
documentos das comarcas de quatro municípios (incluindo o local de moradia).
Após
a junção de toda essa documentação, o requerente deve entregar através de seu
advogado o anexo ao juiz. Vale apena salientar que o processo de junção de toda
essa documentação é muitíssimo cansativo e nos põe à prova. Eu mesmo pensei em
desistir, pois correr atrás de tudo isso me cansou demais. O deslocamento para
os municípios vizinhos, a demora nas entregas dos documentos solicitados e a
falta de compromisso dos órgãos emissores destas documentações é deprimente.
Contudo, venci esta etapa decisiva com sucesso.
Em
seguida, todo este processo é encaminhado internamente pelo juiz para o MP –
Ministério Público, que irá averiguar se toda a documentação está correta e em
dias com os prazos. Depois desta
avaliação, o MP retorna a documentação ao juiz que irá dar a sentença em data
pré-marcada e avisada ao advogado e ao requerente.
Lembro
que a mudança de nome é um direito constituído de todos os cidadãos e cidadãs,
portanto, o juiz é obrigado a dar sentença favorável aos casos que se fizerem
totalmente legais e comprovados.
Acredito
que em fevereiro de 2012 terei a glória de ter meu nome modificado em honra ao meu
Orixá – Oxum, dona da minha cabeça e divindade ao qual sou entregue totalmente.
Este meu ato está ligado ao resgate de memória e identidade de meus
antepassados negros e indígenas. À minha bisavó Adélia de Iyemojá Sesú, ao meu
avô Silvino Paulo dos Santos Filho (negro de Cabrobó – tribo Truká) e a todos
que lutaram para que eu hoje estivesse aqui relatando esta história e ação
afirmativa. Quero dar um nome africano ou indígena aos meus filhos e filhas no
futuro, para isso, desde já mudei meu nome para que eles possam naturalmente
ter em seus registros de nascimento o nome L’Omi L’Odò (das águas do rio), para
orgulharem-se da luta de seus antepassados africanos.
Se
eu conseguir vitória neste caso, serei a primeira pessoa a trocar de nome
dentro destes termos, de nossas religiões de terreiro. Isso será um orgulho
para mim e para as pessoas que contribuíram com o processo. Além disso, será
uma vitória de todos nós, filhos e filhas das divindades e entidades que nos
dão força e alegria de viver e, que habitam os terreiros de todo Brasil.
Agradeço
a provocação do irmão Alexandre de Oxalá, coordenador do site Rede
Afrobrasileira Sociocultural - http://redeafrobrasileira.com.br,
que também me provocou para escrever este texto.
Salve
a Jurema Sagrada, Axé, Nguzo.
Oré
Iyéiyé ooooo Òsún!
Sobô
Nirê Malunguinho Reis Malunguinho!
Alexandre
L’Omi L’Odò
Iyawò
e Juremeiro.
Quilombo
Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com