sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Como mudar oficialmente de nome, usando uma justificativa afro-indígena religiosa?

Alexandre L'Omi L'Odò. Tempos de iyawò. Foto de Aloísio Moreira. 2004.

Como mudar oficialmente de nome, usando uma justificativa afro-indígena religiosa?

Atendendo ao pedido do Povo de Terreiro, que nas redes sociais me solicitaram informações de como mudar de nome na justiça, escrevi este breve texto para socializar aos interessados e interessadas, a metodologia que usei para mudar de nome usando uma inédita justificativa religiosa afro indígena. Este breve artigo tem como objetivo orientar todas e todos de como se dá o processo oficial de troca de nome por causa da Jurema Sagrada, Batuque, Tambor de Mina, Jarê, Candomblé, Umbanda, enfim, as religiões de matrizes africanas e indígenas do Brasil.

A primeira etapa a ser cumprida em uma iniciativa de troca oficial de nome é identificar que, o nome ou palavra, africano ou indígena, que está ligado à pessoa como apelido ou até mesmo nome sacerdotal (dijina ou orunkó), é legítimo na identificação cotidiana do indivíduo em seu meio religioso. Eu mesmo, desde muito cedo (13 anos de idade) sempre fui chamado de L’Omi, ou Alexandre L’Omi L’Odò, nome artístico e sacerdotal que me acompanha até hoje. Sou identificado em todos os lugares com este nome, e por isso, assim como o apelido Lula, do nosso ex-presidente, teve subsídios legais que o ampararam na troca definitiva ou acréscimo de nome no registro de nascimento, eu me senti incitado a trocar o meu nome por ter a mesma legitimidade e condições de exigir este meu direito.

No caso do nome sacerdotal, a pessoa deve estar ligada obviamente a algum terreiro e ter um histórico que possa ser comprovado com fotos, artigos escritos, teses ou livros publicados, sites ou blogs, documentos de eventos ou crachás de conferências com o nome/”apelido” registrado nestes materiais. Ainda, para a justificativa da petição ao juizado específico (vara de família – no meu caso aqui em Olinda/PE) deve-se ter um embasado argumento que legitime o pedido ao juiz ou juíza. Este argumento deve ser escrito em formato de texto, com amplo contexto de informações afro indígenas educacionais, levando em conta, que devemos pensar que as pessoas que pegarão no processo, não entendem nada de nossa religião, então, tudo deve ser minuciosamente explicado – palavras, termos, etc. tudo deve ser cuidadosamente “ensinado”, inclusive com tradução da língua originária (yorùbá ou kimbundo etc.), para facilitar o entendimento do que você precisa expressar para embasar seu argumento para que o juiz ou juíza possa não ter dúvida alguma sobre o que você está falando e expressando.

Deve-se conseguir um advogado ou advogada competente e que entenda sua demanda sem preconceitos ou racismos. Pois um advogado que não entenda nossas questões religiosas pode escrever uma petição errada, com fundamentos e justificativas que não contemplem a intenção real do pedido. É bom lembrar que o racismo institucional é forte e presente em todos os lugares do país, portanto, vai ser fácil encontrar advogados com intenções de “facilitar” a forma de como pedir ao juiz a troca de nome, e isso pode deturpar toda intenção da proposta colocando-a como mera justificativa de apelido e não de nome sacerdotal. Muitos advogados(as) e juízes(as) não querem saber destes casos e vão dificultar o processo, ou por “falta de entendimento” da petição, justificando que apelido é apelido e nome sacerdotal (social) é outra coisa..., ou dizendo que “esse negócio de macumba não é legitimo”.

Comigo o processo teve suas complicações, mas graças à advogada Greyce Pires, que é ligada ao Quilombo Cultural Malunguinho, a mesma que deu entrada no processo com uma petição escrita a duas mãos (eu e ela) tendo no texto informações corretas e bem embasadas, facilitou, de certa forma, o processo, que andou normalmente na justiça.

Após petição pronta, com anexo se possível, apresentando documentos diversos que comprovem que você é chamado efetivamente pelo nome ao qual designou na petição, o advogado(a) responsável irá dar entrada na vara ao determinada para este tipo de processo. Como falei antes, aqui no Fórum de Olinda/PE, é a vara de família, a responsável por cuidar destes casos. Em outros locais podem ser outras varas. Cada localidade tem um tipo específico de relação com este tipo de caso, embora na maioria das instituições seja mesmo a vara de família responsável por este tipo de questão.

Depois disso, deve-se aguardar o despacho (intimação) da juíza ou juiz responsável que irá solicitar no prazo de 30 dias que o requerente do caso possa juntar ao processo (criar um anexo a mais) uma série de documentações que irá comprovar se o requerente está em dias com a justiça e com outras instâncias do Estado, do município e do país.

Segue lista completa de documentos que me foram solicitados pelo Juiz:

1.    Certidão de Antecedentes Criminais das comarcas de quatro municípios (incluindo o local de moradia);
2.    Certidão de Antecedentes Criminais da Justiça Federal, eleitoral e Militar da União e estadual;
3.    Certidão Negativa de débitos fiscais perante a fazenda pública da União, do Estado e de mais quatro municípios (incluindo o local de moradia);
4.    Certidão Negativa de Protestos de Títulos dos Cartórios de Protestos de títulos e documentos das comarcas de quatro municípios (incluindo o local de moradia).

Após a junção de toda essa documentação, o requerente deve entregar através de seu advogado o anexo ao juiz. Vale apena salientar que o processo de junção de toda essa documentação é muitíssimo cansativo e nos põe à prova. Eu mesmo pensei em desistir, pois correr atrás de tudo isso me cansou demais. O deslocamento para os municípios vizinhos, a demora nas entregas dos documentos solicitados e a falta de compromisso dos órgãos emissores destas documentações é deprimente. Contudo, venci esta etapa decisiva com sucesso.

Em seguida, todo este processo é encaminhado internamente pelo juiz para o MP – Ministério Público, que irá averiguar se toda a documentação está correta e em dias com os prazos.  Depois desta avaliação, o MP retorna a documentação ao juiz que irá dar a sentença em data pré-marcada e avisada ao advogado e ao requerente.

Lembro que a mudança de nome é um direito constituído de todos os cidadãos e cidadãs, portanto, o juiz é obrigado a dar sentença favorável aos casos que se fizerem totalmente legais e comprovados.

Acredito que em fevereiro de 2012 terei a glória de ter meu nome modificado em honra ao meu Orixá – Oxum, dona da minha cabeça e divindade ao qual sou entregue totalmente. Este meu ato está ligado ao resgate de memória e identidade de meus antepassados negros e indígenas. À minha bisavó Adélia de Iyemojá Sesú, ao meu avô Silvino Paulo dos Santos Filho (negro de Cabrobó – tribo Truká) e a todos que lutaram para que eu hoje estivesse aqui relatando esta história e ação afirmativa. Quero dar um nome africano ou indígena aos meus filhos e filhas no futuro, para isso, desde já mudei meu nome para que eles possam naturalmente ter em seus registros de nascimento o nome L’Omi L’Odò (das águas do rio), para orgulharem-se da luta de seus antepassados africanos.

Se eu conseguir vitória neste caso, serei a primeira pessoa a trocar de nome dentro destes termos, de nossas religiões de terreiro. Isso será um orgulho para mim e para as pessoas que contribuíram com o processo. Além disso, será uma vitória de todos nós, filhos e filhas das divindades e entidades que nos dão força e alegria de viver e, que habitam os terreiros de todo Brasil.

Agradeço a provocação do irmão Alexandre de Oxalá, coordenador do site Rede Afrobrasileira Sociocultural - http://redeafrobrasileira.com.br, que também me provocou para escrever este texto.

Salve a Jurema Sagrada, Axé, Nguzo.
Oré Iyéiyé ooooo Òsún!
Sobô Nirê Malunguinho Reis Malunguinho!

Alexandre L’Omi L’Odò
Iyawò e Juremeiro.
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

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