Alexandre L'Omi L'Odò em sua iniciação, 2004. Foto de Aluísio Moreira.
Vitória
histórica das “águas do rio”!
L’Omi
L’Odò, um nome para renascer
Agora
escrevo para celebrar! Decidi enfrentar esta “guerra” judicial para me afirmar
e poder contribuir de forma concreta com a história do Povo das Comunidades
Tradicionais de Terreiro do Brasil. Nestes mais de 1 ano e 4 meses (tempo que
durou o processo na justiça) de andadas, solicitações de documentos que nem
sabia que existiam, deslocamentos gigantescos para ir em cartórios e em fóruns
de mais de 4 municípios e, muita paciência com a lentidão surreal da justiça
brasileira, consegui ter meu processo julgado favorável pelo Sr. Dr. Juiz
Cláudio da Cunha Cavalcanti, Juiz de Direito da Primeira Vara de Família e
Registro Civil da Comarca de Olinda, no dia 27 de setembro de 2012 . Isso me deixa amplamente contente e realizado,
sabendo que de alguma maneira pude hermanar de forma coletiva meu sentimento
aberto de respeito pelos nossos ancestrais negros e indígenas que morreram no
passado (e ainda morrem...) de forma cruel, condenados pelo escravismo e pelo
Estado que nos deve muito ainda até hoje. Agradeço por tudo a estes e estas,
inclusive por eu estar aqui escrevendo estas palavras com liberdade, hoje.
Tudo
começou na minha adolescência... Quando tinha 13 anos... Época de muitas
transformações dentro de mim e em minha vida. Foi neste tempo que entrei em
contato com a religião da Jurema Sagrada e dos Orixás e, com a música afro e
todo universo da cultura popular de Pernambuco, além do Manguebeat. Levado de
forma natural para o terreiro de Jurema de Dona Leide de Cibamba (Mestre
Brasiliano), no Amaro Branco, em Olinda, de onde se vê o Farol, tive a
revelação de que eu seria filho da “mulher do ouro”, e que eu seria “das águas
do rio”. Foram estas as palavras do meu querido mestre Cibamba... Para mim, não
foi o Ifá que revelou qual era o meu Orixá, e sim a Jurema. A partir deste dia,
mudei meus hábitos, adotei o amarelo como minha cor favorita e pesquisei muito
sobre estas religiões, lendo livros etc. Com o tempo, fui estudando a língua
yorùbá, até me especializar autonomamente e dar aulas sobre o tema em diversos
lugares, inclusive em terreiros. A palavra do Mestre Cibamba havia ficado
cravada na minha mente: “você é das águas do rio”... Isso repercutiu tanto em
mim que fui fazer uma tradução do português para o yorùbá da frase, que a
partir de então seria meu nome para tudo. O tempo passou e fui me envolvendo
mais e mais com a religião, até ser iniciado para Oxum em julho de 2004 no Ilé
Oyá T’Ògún, onde este meu nome foi confirmado pelos odú do próprio Orixá. Fui pertencente a esta casa por 18 anos,
hoje, fui integrado ao axé do Ilé Iyemojá Ògúnté, casa de tradição nagô,
dissidência do Sítio de Pai Adão. Contudo, este meu nome se consolidou em minha
vida concretamente. Eu não era mais o Alexandre Alberto, era Alexandre L’Omi
L’Odò, ou simplesmente L’Omi, como a maioria das pessoas me chamam... Daí
pensei: Por que não mudar meu nome na justiça? Seria ótimo para mim, tendo em
vista que meu amor pelo Orixá já era imenso e minha vontade de integrar o nome
da divindade em minha vida social já era certo. Até uma empresa com o nome
L’Omi L’Odò abri oficialmente... Isso tudo também me levou a reivindicar meu
direito líquido de cidadão em mudar meu nome, integrando a mim o axé que me foi
dado nesta vida, desde nascença.
Diário de Pernambuco - EDITORIAL, Frases da Semana. 03 de outubro de 2012. Alexandre L'Omi L'Odò em foco.
Esta
minha atitude também foi uma forma de combater o racismo, a xenofobia, preconceito
e intolerância religiosa através da afirmação do meu nome yorùbá em meus
documentos. Agora o país tem um precedente legítimo e válido judicialmente para
contribuir no processo de quebra de valores eurocêntricos - “embranquecidos” e
judaico-cristãos. Na lista de chamada da universidade, em assinaturas de
artigos, no RG e CPF, em suma, no meu registro de nascimento constará esta
fundamental parte de mim, as águas do rio, elemento sagrado de minha mais
particular e intrínseca identidade. Todo este meu esforço foi um protesto,
reivindicando o direito ao nome ancestral, negado pela cruel prática vigente
ainda hoje de destruição de culturas e cosmovisões, protagonizada no ocidente
especialmente pelos cristãos.
Mesmo
tendo uma forte militância política e religiosa em defesa da Jurema Sagrada,
meu foco sempre foi contribuir para o avanço nas diversas áreas das religiões
tradicionais de terreiro como um todo. Vivo uma realidade de dupla pertença
religiosa. Sou da Jurema e do Orixá... Em Pernambuco, especialmente em Recife e
sua Região Metropolitana o formato nas mais de 1261 comunidades tradicionais de
terreiro mapeadas pelo MDS em 2010 é esta. Na verdade mais de 70% destes
terreiros praticam a dupla pertença religiosa, com forte prática da Jurema no
seu cotidiano. Este indicativo justificaria de forma preliminar o porquê de o
Mestre Cibamba ter se antecipado ao Ifá em me avisar sobre qual seria meu
Orixá... Isso em nossa cultura não é um absurdo teológico e sim uma prática comum
de imbricamento cosmo teológico e cultural afro indígena. Aviso isso para poder
desde já contribuir para a avaliação sempre endurecida e antiquada dos
“nagocentristas”.
Gosto
de lutar. Este é um dos caminhos do meu odú,
acredito que motivado pela nossa evidente necessidade de suplantar as dificuldades
sociais, chagas históricas dos candomblecistas, juremeiros e umbandistas.
Sempre falei: O caminho dos iniciados é o caminho da consciência! Entendo que
nós não podemos ter uma vivência meramente passiva dentro de nossa religião.
Quando nos iniciamos, herdamos e resgatamos simbolicamente e teologicamente a
história e tradição dos nossos ancestrais, por isso, temos que perceber onde
estamos e o que fazer para a partir de então para se relacionar de forma mais
propositiva com a sociedade em geral. Vencer o contexto ocidental cristão do
nome (identidade individual) é uma questão necessária para que criemos massa
crítica entorno do tema...
A questão do batismo cristão e anulação da
identidade, memória e tradição africana e indígena foram entre os séculos XV e
XX formas de anular a memória oral contida nestes nomes míticos de batismo nas
culturas não ocidentais. Esta “técnica” de ceifar a memória, fez com que de
fato, os negros e negras, índios e índias passassem a assumir nomes cristãos,
se acostumando culturalmente através dos séculos com este tipo de
identificação. Hoje, e nos últimos mais de 30 anos, o Movimento Negro tem
contribuído de forma muito forte no resgate destes nomes. Muitos militantes e
não militantes colocaram nomes africanos em seus filhos e filhas. Conheço
algumas pessoas com nomes africanos e indígenas também, e isso é belo de ver,
pois é uma forma de combater o processo de eugenia dos nomes não cristãos. O
diferencial do meu caso, é que eu tinha um nome ocidental e quis mudar
oficialmente para um nome não ocidental, integrando a minha documentação uma
frase (orikí) yorùbá, sobre tudo e
principalmente, tendo como referência da petição uma justificativa totalmente
afro indígena religiosa/teológica. Isso tornou o caso inédito, pois ninguém no
Brasil até então havia pedido mudança de nome por motivos religiosos à justiça.
Ainda, neste mesma petição, justifiquei que este nome (L’Omi L’Odò) foi meu
nome de “batismo” no culto aos Orixás e que fazia parte de minha mais profunda
identidade.
Matéria Diário de Pernambuco de 02 de Outubro de 2012. Vida Urbana C4. Novo nome em oferenda a Oxum. Alexandre L'Omi L'Odò.
Isso
tudo me levou à transcendência de minha realidade, traduzindo meu universo
íntimo através do meu nome mítico teológico e identitário que é um orikí à Oxum. Caso que me emociona profundamente. Isso tudo foi como dar um ebó (oferenda, sacrifício, homenagem
ritual) para Oxum, também para além de muitas coisas, agradá-la... Minha
alegria em presentear Oxum com este feito é a maior de todas. Este talvez tenha
sido o maior ebó que já ofereci a
minha mãe ancestral... Oxum é uma rainha entronada em minha cabeça, e a ela,
devo todo respeito e dedicação. Esta mudança de nome foi sim, e reafirmo, de
minha parte, uma forma de agradar meu Orixá e meus ancestrais. Tenho certeza
que eles receberam isso com todo carinho, pois até o Ifá “alafiou” (confirmou).
Fico feliz também com a possibilidade de dar um nome aos meus futuros filhos e
filhas, que carregarão consigo a marca de uma das lutas justas por direitos
equânimes na sociedade brasileira. Tudo o que fiz foi por amor, amor ao que
acredito.
Infelizmente,
a comunidade do Povo de Terreiro não deu ainda atenção devida a este fato
histórico que pode ajudar verdadeiramente a muitos e muitas que desejarem mudar
de nome para integrar suas divindades ainda mais a si, numa perspectiva oficial
e social. A Ausência de apoio e divulgação do povo de terreiro a este caso pode
ter dois motivos – 1. Pouco acesso aos meios de comunicação, principalmente a
internet; 2. Falta de entendimento da importância do caso para a coletividade
da religião. Isso me preocupa. Pois, deveríamos nos unir para fortalecer ações
como esta, que são sérias, concretas e que valorizam a nossa diversidade
religiosa como um todo. Algumas pessoas podem até confundir isso tudo com
vaidade ou arrogância, porém, o caso por mim protagonizado, abriu um precedente
jurídico histórico, não só para o povo de terreiro, mas também para as outras
religiões e até mesmo para os transexuais. Isso me orgulha sim, com todo
direito.
Escrevi
estas linhas para celebrar a data de mais um renascimento em minha vida. Oore
yèyé o! Axé e Salve a Fumaça!
Agradeço
profundamente a Greyce Pires, minha primeira advogada, que com muito carinho iniciou
e me ajudou neste processo. Obrigado a João Monteiro e Sandro de Jucá que foram
minhas testemunhas oficiais no dia da audiência final e, um aconchegante
carinho para a querida Marcionia Teixiera, jornalista das mais ágeis e
inteligentes que conheci, por ter acompanhado todo o caso, dando boa
visibilidade na mídia impressa e de internet. Devo um agradecimento mais que
especial ao querido e grande advogado Adriano José, que com carinho e
sabedoria, me defendeu na última audiência do caso com competência e
grandiosidade, garantindo minha vitória. Odé lhe enviou, adupé!
A Oxum canto para celebrar:
“Orò
mi máa - Minha obrigação habitual
Orò
mi máa ‘yó - É feita com alegria
Orò
mi máa ‘yó - Minha obrigação habitual
Àyaba
‘dò yeye o - Para a Rainha do rio”
(BENISTE,
2002, p.125).
Saúdo
Oxum com meu mojubá - Oríkì
“Ó
l’éwà - Ela tem beleza
Oore
yèyé o, gbà mi - Mãe bem feitora, proteja-me
A
fidé ré omo - Aquela que enfeita os filhos com
bronze
Òsun,
òyéyéni mò - Que é cheia de compreensão”
(BENISTE,
2002, p.127)
“Quero
saciar minha sede milhões de vezes, milhões de vezes”...
Alexandre
L’Omi L’Odò
Filho
de Oxum e Juremeiro
alexandrelomilodo@gmail.com