quarta-feira, 19 de agosto de 2015

A Jurema Sagrada como patrimônio imaterial do Brasil - Perspectivas para um processo de patrimonialização

Assista toda palestra neste vídeo

A Jurema Sagrada como patrimônio imaterial do Brasil
Perspectivas para um processo de patrimonialização

No último dia 18 de Agosto de 2015, estive a convite do IPHAN, em sua sede em Brasília para participar como conferencista na Capacitação Interna para Gestão do Patrimônio Cultural dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro, apresentando uma conferência intitulada “Subsídios para preservação do Patrimônio Cultural de Terreiros: aspectos da tradição Jurema”.

 Palestra no IPHAN. Equipe do GTIT. Foto de Guitinho da Xambá.

O GTIT – Grupo de Trabalho Interdepartamental para a Preservação do Patrimônio Cultural de Terreiros, foi o organizador desta atividade que foi exibida ao vivo via canal do youtube, com um grande grau de audiência, segundo os organizadores.

Pude apresentar a teologia da jurema com vasto material levado em Power Point e em artigos científicos que eu mesmo já publiquei em congressos. Fotografias, textos, vídeos, e muita discussão fizeram deste momento um dos mais ricos que já pude protagonizar. Não poderia ser diferente. Afinal, eu fui convidado para defender a Jurema Sagrada como patrimônio imaterial do Brasil, e para isso naturalmente teria que ter um conteúdo à altura.

A equipe do GTIT foi de uma sensibilidade imensa, me tratando super bem e dando todas as condições para que eu pudesse expor tudo aquilo que venho pesquisando e vivenciando durante toda minha vida. Foi uma experiência privilegiada.

A invisibilidade e ostracismo que o culto da Jurema Sagrada foi acometido durante tantas décadas, sobre tudo por causa da falta de interesse dos acadêmicos em pesquisá-la e a falta de auto-estima do próprio povo de terreiro do Nordeste, que vê ainda no Orixá a legitimação única de sua condição de sacerdote etc. está sendo extinguida devido a momentos como este. Não podemos ser mais invisíveis. Temos que ocupar todos os espaços que são para o povo de terreiro, sem vergonha de nossas pertenças religiosas.

Ter discutido a questão Afro-Indígena foi um dos pontos fortes desta palestra. Afinal, compreendo que temos que transcender este ponto. Não se pode discutir religiões de terreiro no Brasil apenas citando as de matriz africana. As religiões de matrizes indígenas, como é o caso da Jurema e outras, existem e também são fortes como as demais. Também, se buscarmos profundamente argumentos científicos veremos que somos um povo afro-indígena, e que nossas práticas estão completamente imbricadas. Isso naturalmente foi fruto do processo histórico que vivenciamos, e que temos que respeitar.

A Jurema tem uma cultura densa. Uma tradição ampla e cheia de elementos belíssimos. Sua cosmologia e mitologia são grandiosas. Seus ritos complexos. Sua forma de ser típica e tradicional. A Jurema tem fundamento e elementos próprios que a dão sem dúvidas a condição de religião independente das demais. Ela não é um apêndice da umbanda ou do “xangô de Pernambuco”, a Jurema é uma RELIGIÃO, sem sombra de dúvidas! Afirmar isso infelizmente ainda é um processo necessário de legitimação, afinal, alguns pesquisadores do passado a colocaram como religião impura, misturada, degenerada e que seria na visão deles um apêndice das demais, sem ter uma independência religiosa própria. Teremos que desconstruir este processo que nos acarretou o ostracismo e a quase total ausência de reconhecimento por parte das demais religiões de terreiro e da sociedade. Este trabalho não é fácil, mas estamos conseguindo passo a passo reverter esta injusta condição que os processos de opressão da história nos forçaram a vivenciar.

O processo de patrimonialização da Jurema é algo que deve ser celebrado por todos nós juremeiros e juremeiras. Este é um reconhecimento importante que o Estado brasileiro tem que nos dá. É apenas mais um dos tantos processos de reparação que nosso povo tem que ser beneficiado. Sermos patrimônio imaterial do Brasil é sinônimo de avanço para nosso povo que precisa a cada dia mais de elementos que nos legitimem perante a sociedade para conseguirmos vencer o racismo e a intolerância religiosa. Esta é uma construção legítima que merece nossos aplausos.

Eu e Guitinho da Xambá. 

Também esteve presente o Guitinho da Xambá (do Grupo Bongar), representando a tradição Xambá. Somos jovens que damos continuidade a luta de nossos ancestrais com muito pertencimento e respeito, além de legitimidade. Sua palestra foi muito rica e aprendi muito sobre a Nação Xambá, que eu tanto amo. Parabéns pela bela apresentação.

Agradeço muito à Jurema e ao Reis Malunguinho por me darem esta condição de defender nossa religião. Isso me deixa muito feliz, afinal, ter a confiança das entidades e divindades da Jurema é um privilégio. Compartilhar desta fumaça sagrada é algo dignificante, ser juremeiro é uma honra.

Obrigado a George Bessoni do IPHAN/PE que me indicou, seguimos juntos nestas lutas... Obrigado a todos e todas do GTIT. Passamos um dia ótimo juntos. Produzimos bastante, afinal três horas e meia de troca de saberes foi o mínimo que pudemos fazer para dar conta de conteúdos tão esquecidos como são (ou eram) os pertinentes a Jurema Sagrada. Rogo a todos os índios e caboclos, mestres e mestras, pajés, caciques, trunqueiros, reis, divindades e entidades que faça com que a roda continue girando e que consigamos fazer um grande trabalho real de catalogação e registro dos bens imateriais e matérias da Jurema Sagrada.

Eu e Equipe do GTIT. Foto de Guitinho da Xambá.

Assistam toda conferência no vídeo do youtube no início desta postagem.

Salve a fumaça!
Sobô Nirê Mafá!

“Quanto mais meu lírio cheira, é pau, é pau, é pau”!
“Eu mesmo vou, eu não mando recado”!

Alexandre L’Omi L’Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

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