Digitalização da matéria - Jornal do Commercio, 21 de Maio de 2000,
Cidades, p. 8.
Cumprindo a missão do Quilombo Cultural Malunguinho de informar, formar e empoderar o Povo da Jurema com informações de qualidade, compartilho este achado histórico importante, que transcrevi de meus arquivos pessoais. Esta foi a primeira matéria em um jornal que tratou do tema da pesquisa do professor PhD em História Marcus Carvalho. No texto, poderemos ter acesso a importantes informações que nos ajudarão a entender mais a história e o contexto cultural/religioso de Malunguinho. Aproveitem, compartilhem. Este texto é fantástico. Já avançamos muito desde estes tempos na compreensão da figura histórica e divina Malunguinho, mas esta matéria é incrível. Sobô Nirê Mafá #ReisMalunguinho!
Malunguinho,
herói anônimo dos quilombos
HISTÓRIA Há poucos registros sobre o mais procurado líder dos escravos no Estado no Século 19. Ele comandava refugiados do Catucá, na Mata Norte.
Jornal do Commercio, 21 de Maio de 2000, Cidades, p. 8.
Cleide
Alves
Líder quilombola mais temido em Pernambuco
nas primeiras décadas do século 19, o negro Malunguinho é dono de uma história
singular, porém praticamente anônima. Basta dizer que o Conselho de Governo,
principal órgão consultivo da província e que deu origem a Assembléia
Legislativa, gastou uma reunião inteira discutindo um possível ataque dos
escravos refugiados na Floresta do Catucá (Mata Norte, entre Recife e Goiana)
ao Recife. A suposta invasão aconteceria em 1827, comandada por Malunguinho.
Na ata da reunião (29/01/1927), o governo
provincial oferece um prêmio pela prisão dos três principais chefes dos
quilombos do Catucá: 100 mil réis pela cabeça de Malunguinho, 50 mil réis por
Valentim e a mesma quantia para Manoel Gabão. “Cem mil réis, na época, foi a
maior quantia já oferecida pela captura de alguém vivo ou morto em Pernambuco”,
observa o professor do Programa de Pós Graduação em História da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE) Marcus Carvalho.
Além da recompensa, foi determinado que todos
os negros apanhados nos quilombos fossem vendidos ou mandados por seus donos
para fora da província, “para o Sul, além Rio São Francisco, e para o Norte,
além do Parnaíba”. A ata da reunião está no acervo do Arquivo Público Estadual.
Segundo Marcus Carvalhos, a data do início da
ocupação da Floresta do Catucá não é precisa, mas os movimentos políticos e
sociais exerceram influência. “Muitos escravos devem ter aproveitado a
Insurreição Pernambucana (1817) e fugiram para as matas, pois vários donos de
engenhos localizados nas proximidades do Catucá faziam parte da revolta”,
explica. Ele informa que os quilombos do Catucá (ou do Malunguinho) foram
atacados sistematicamente pela polícia.
Há registro de diligências policiais em 1821
e 1824 e o líder mais citado em todas é Malunguinho. Numa das tentativas de
acabar com os quilombos foram presos 63 negros. As diligências menores eram
feitas com cerca de 60 soldados e jagunços, enquanto que as maiores chegavam a
700 homens. “Em 1824, o governo chegou a usar as tropas do Exército que tinham
vindo do Rio de Janeiro para combater os rebeldes da Revolta de 1817”.
O professor acrescenta que os quilombolas
mantinham contato com outros negros (familiares e amigos) que viviam nos engenhos
e nas cidades. Além de ajudar os escravos fugitivos com gêneros alimentícios,
essas pessoas informavam aos quilombolas sobre as diligências. “Era comum a
polícia chegar nas matas e encontrar casas, mocambos e lavouras recém
abandonadas, mas nenhum negro”.
O coração dos quilombos do Catucá ficava numa
região conhecida como Cova de Onça, entre Olinda e Igarassu, na antiga margem
do Rio Paratibe. Os escravos fugiam do Recife e dos Engenhos da Mata Norte,
formando pequnas comunidades no Catucá.
Malunguinho, de acordo com Marcus Carvalho, é
o aportuguesamento da palavra Malungo, de origem banto e que significa “canoa
grande”. Malungo é traduzido também como “companheiro” e serve para identificar
as pessoas que vieram no mesmo navio negreiro. “É um laço muito forte”.
Nos documentos da polícia não há registro da
morte ou captura de Malunguinho. O quilombo foi dizimado por volta de 1830. Um
dos fatores que mais contribuíram foi a criação da Colônia Amélia, formada por
soldados de origem germânica que haviam lutado na Guerra da Cisplatina. Como o
governo queria acabar com os quilombos, ofereceu terras aos soldados na Floresta
do Catucá. “Os soldados não sabiam que a área já era ocupada pelos negros. No
confronto, a família alemã Cristiane foi massacrada”.
Líder
negro do século 19 é cultuado como divindade
No culto da Jurema, Malunguinho é uma entidade
de grande poder, que se manifesta de três formas bastante distintas: Exu,
Caboclo e Mestre. O primeiro representa o mensageiro, fazendo o elo de ligação
da linha da Jurema com as pessoas. O segundo é a figura do guia, o principal
protetor dos iniciados no culto. O terceiro representa alguém que teve
existência real na terra.
A Jurema, segundo o pesquisador Hildo Leal da
Rosa, é um culto religioso de origem Indígena (existe no Brasil desde o século
16), mas que também carrega elementos afros (negros) e cristãos (brancos). “Malunguinho
é uma entidade que fala pouco e não demora muito quando incorpora. Suas
palavras são meio truncadas como uma criança falando, e a língua mistura
português com outro idioma”, diz Hildo Leal.
Durante o culto, as mensagens trazidas pela
entidade são repassadas a um médium. “Quando a pessoa está com um problema
sério e precisa de uma proteção grande, uma das primeiras entidades chamadas
para ajudar é Malunguinho”, diz o pesquisador. Trazido como um Exu muito forte,
Malunguinho também é invocado nas cerimônias para levar embora os outros exus.
Antes de começar as cerimônias, o grupo
sempre pede proteção a Malunguinho. “Isso é uma história muito bonita. O povo
pega um herói popular que existiu de verdade, guerreiro, líder dos negros e o
coloca no olimpo das divindades”, acrescenta o historiador Marcus Carvalho.
Várias cantigas usadas no culto da Jurema citam o nome de Malunguinho.
“Subir ao panteão das divindades é talvez a
maior homenagem que um povo pode prestar aos seus heróis”, destaca Marcus
Carvalho na publicação O Quilombo de Malunguinho, o rei das matas de Pernambuco
(Liberdade por um fio/História dos quilombos no Brasil, editado pela Companhia
das Letras). Para Marcus Carvalho, a unidade entre a divindade e o guerreiro da
floresta do Catucá é evidenciada em uma cantiga que cita um antigo aparato
militar usados pelos quilombolas, os estrepes.
Marcus Carvalho explica que estrepes eram paus
pontudos fincados no chão, as armadilhas ou expostos, para impedir os ataques dos
soldados aos quilombos. “Muitos soldados caíam nas armadilhas ao perseguir os
negros. Vem daí a expressão ‘se estrepar’”, observa. “O Malunguinho da Jurema,
que tem o poder de tirar os estrepes do caminho, é, portanto, a recriação simbólica
do próprio Malunguinho do Catucá, o verdadeiro rei das matas de Pernambuco”,
escreve o historiador na mesma publicação.
Cantigas
da Jurema que citam Malunguinho
“Malunguinho portal de ouro
Malunguinho portal de espinho cerca, cerca
Malunguinho tira os estrepes do caminho”.
“Na mata só tem um
é o rei Malunguinho
o rei dos espinhos
na mata é Malunguinho”.
“Firmei meu ponto sim
no meio da mata sim
salve a coroa de Rei Malunguinho
das matas é Rei Malunguinho
das matas é rei
Rei das matas é Malunguinho
Mas eu sou preto e gosto dos pretinhos
Salve a coroa do Rei Malunguinho”.
Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com
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