Calunga Gigante do Reis Malunuginho no XVIII Kipupa. Única escultura gigante que retrata o que teria sido Malunuginho na primeira metade do século XIX. Foto de Kayo na Real. Acervo do kipupa Malunuginho.
Malunguinho
ganha samba enredo e desfile na G.R.E.S.V Malandros no Rio de Janeiro
Ocupando
a cada ano mais espaço nos meios da cultura, pesquisa e reconhecimento
histórico, Malunguinho, herói negro da luta por liberdade em Pernambuco, e
também divindade do panteão da Jurema Sagrada, tem imortalizada sua memória em
um samba enredo da Escola de Samba Virtual Malandros, do Rio de Janeiro, que emplaca
o tema: Sobô Nirê Mafá – salve a coroa de Reis Malunguinho.
Através
do contato feito pelos enredistas Marlon Saue e Daniele Cabral, membros da Escola, que solicitou
informações sobre Malunguinho com fins na construção de um perfil histórico
para colaborar na criação tanto do samba enredo como das alegorias virtuais, que
o pesquisador Alexandre L’Omi L’Odò, sacerdote juremeiro e cientista das
religiões, ofereceu um conjunto de direcionamentos para possibilitar a melhor
construção possível deste processo criativo. E assim foi feito, tendo ficado o
resultado final muito fiel aos dados científicos e da tradição oral oferecidos.
As
escolas de samba virtuais são um fenômeno surgido após as primeiras
manifestações de internet ocorridas no Brasil desde final da década de 1990.
Influenciados pelas coberturas reais do carnaval por veículos de internet, pessoas
compartilharam debates, seminários, processos criativos etc. dando origem ao
Carnaval Virtual, ou Escolas de Samba virtuais, que desde os anos 2000 deram
viabilidade a um jogo no qual cada participante, ou grupo, deveriam gerenciar
uma escola de samba, de forma remota, dando origem a essa manifestação
cibercultural que se fundamenta em traduzir elementos dos desfiles reais em
linguagem gráfica e na interatividade dos ciberespaços de forma contínua em
comunidades virtuais, que tem como objetivo principal realizar campeonatos
anuais com premiações e concessão de honrarias para os vencedores.
Com
o avanço das tecnologias, esse tipo de atividade tem ganhado força e a cada ano
mais adeptos que constroem as escolas de samba virtuais e que torcem,
patrocinam as pesquisas, investem seu potencial criativo para dar o melhor na
busca da boa avaliação de seus trabalhos. E com certeza, esse processo virtual,
tem revelado importantes carnavalescos, compositores, artistas virtuais, etc.
afinal, o mundo virtual está a cada dia mais presente no cotidiano do planeta,
interagindo em quase tudo que fazemos hoje.
E
sim, Malunguinho, divindade e herói nacional, foi lembrado por esse tão
inusitado contexto cibercultural, se imortalizando em um samba enredo altamente
qualificado, sendo possível ouvi-lo nesse link do Spotfy: https://open.spotify.com/intl-pt/track/10ykHw6nQPRCCHFGwoJxRL
Abaixo,
segue a letra completa, que soa como uma aula de história para quem ainda não
conhece Malunguinho:
Enredo:
Sobô Nirê Mafá – salve a coroa de Reis
Malunguinho
Interprete:
Josué Barcus
Compositor:
Daiv Santos
Sobô Nirê Mafá, Sobô Nirê Mafá
Na coroa da Malandros, Malunguinho vai reinar
Reinou... João Batista no Catucá
Quilombola a guerrear
Em Pernambuco, o líder da revolução
Somos “companheiros” contra a escravidão
“Companheiros” contra a escravidão
Um dia, o herói adentrou na floresta
Na aldeia, a cura se manifesta
A magia da Jurema despertou no seu olhar
Raiz da miscigenação
Proteger é sua lei, “Malungo na mata é o rei”
“Não mexa com ele não”.
É caboclo, é Exu, é o Mestre a nos guiar
É quem guarda a porteira lá no reino de Jucá
Tem a chave da senzala que liberta a nossa gente
Tem a força pra quebrar qualquer corrente!
O som ecoa dos maracás
Embala o transe do juremeiro
Sobe a fumaça, o cheiro das ervas ao vento
É doce alento que perfuma o terreiro
Prepara a festa, o tambor ressoa
Pra exaltar o herói e a sua luta
Um ritual aberto a qualquer pessoa
A união do povo se faz Kipupa
E os malungos que lutam pelas favelas
São sentinelas em busca de esperança
No brado de cada irmão se ouve a voz de João
Contra a intolerância.
A
sinopse feita por Marlon Saue e Daniele Cabral ficou um excelente material para futuras
pesquisas, e por esse motivo, coloco-a aqui para que as pessoas que ainda não
conhecem Malunguinho e tenham interesse em aprofundar seus conhecimentos possam
ler e acrescer seus saberes. Afinal, a Jurema merece ser compreendida e Malunguinho
melhor conhecido:
Justificativa:
O enredo da GRESV MALANDROS irá exaltar a
figura de Mestre João Batista, mais conhecido como o último líder Malunguinho.
No Kimbundo, o termo “malungo” significa amigo, companheiro de bordo. O nome
Malunguinho era dado ao líder dos malungos na revolução Pernambucana, mas
depois viria a ser o nome de uma das principais falanges de entidades da Jurema
Sagrada no Nordeste brasileiro.
"Sobô Nirê, Reis Malunguinho" –
Essa é sua saudação. Malunguinho é saudado como reis, no plural, por não
representar apenas um, mas vários reis. Em nossa escola, saudaremos Malunguinho
em suas diversas facetas. Malunguinho é guerreiro, é caboclo, é juremeiro, é
exu, e é herói nacional. Sua essência vive em cada um que luta pelos direitos
de sua gente, e cada novo líder também ascende como um Novo Malungo em nossa
sociedade.
“Ô
Malunguinho me afirme o ponto, ô Malunguinho me abra a mesa. Eu quero um ponto
nessa casa, quero um ponto de defesa”.
Sinopse:
GUERREIRO
“19
Malunguinhos, catucando o passado me embrenhei pela mata. Catucá, de Beberibe a
Goiana, Quilombo vivo dentro de nós. Malunguinho. Divindade Quilombola. Rei da
mata!”
Lutas pernambucanas, revoltas e
reviravoltas! É neste solo que nasce o Quilombo de Catucá! Recanto de
resistência e acolhimento de pretos escravizados. Terra de lutas conquistadas e
liberdades alcançadas. Templo da diversidade de fé e das manifestações de axé!
E as mãos que lideram os sonhos desse povo são as mãos de João Batista, o
Malunguinho, chefe a guerrear em favor de seu povo. Sob sua liderança, os
exímios guerreiros do quilombo desenvolveram táticas contra invasores. Fronte a
sobrevivência do existir, estrepes fincados!
CABOCLO
“Na
mata tem um caboclo com a preaca na mão, o nome dele é Malunguinho, não mexa com
ele não. Malunguinho na mata é rei”
Um dia, em uma invasão mata adentro,
Malunguinho foi ferido e escapou de ser morto ao entrar na floresta. Lá, foi
resgatado pelos indígenas, cujos saberes lhe curaram a alma, sararam as feridas
e extirparam mazelas. Neste período, a aldeia foi sua nova casa, e foi um tempo
de grande aprendizado! Assim, a miscigenação de suas raízes soberanas pretas
com a cultura indígena lhe despertou para a
ciência
mística da Jurema, e Malunguinho assume a missão de proteger as matas de Catucá
e de combater a intolerância que derramava sangue de seus irmãos.
EXU
“Portão
de ferro, portão de ouro. Corra, corra, Malunguinho, traga a chave do tesouro”.
Abre caminhos! Destranca estradas! Temido
por senhores brancos, Malunguinho é o portador da chave mágica que quebrava
grilhões e correntes e que soltava irmãos de cor dos cativeiros e senzalas. A
liberdade ecoou! Trunqueiro! Exu é mensageiro! Faz o elo do povo à linha da
Jurema e aos encantados da floresta. Ninguém entra ou sai nas cidades de Jucá,
um dos reinos encantados da Jurema, sem a permissão de Malunguinho! Salve
aquele que guarda a porteira!
JUREMEIRO
“Malunguinho
tá de ronda, quem mandou foi o Jucá. Malunguinho tá de ronda, que a Jurema
manda, ô que a Jurema manda”.
Pise no chão e nos côcos! Sinta a essência
da natureza! Ouça o som que ecoa dos maracás e as vibrações dos tambores. A
beleza está no milagre da vida, em cada gira para saudar o segundo líder
quilombola mais importante desse país. Todo mundo que cultua a Jurema sagrada
também cultua Malunguinho. Ele é mestre de nossa nação, desta terra-terreiro
que toma ponto de luz através das velas do seu altar. Salve Reis Malunguinho!
HERÓI
“Malunguinho
é rei para mim. Malunguinho é rei!”
União de todos pelo mesmo objetivo. Isto é
Kipupa! E assim, chega o povo do terreiro para saudar o Herói. Cachimbadas,
oferendas e pandeiradas na mata, em um ambiente de revelações e curas
espirituais. No chão de Pernambuco, conserva-se a memória de um povo ao
relembrar a luta de Malunguinho, o eterno Mestre João. Os Juremeiros entram na
gira a bailar feito corpos festivos. O fogo desmiuça a erva e lança a ciência
da sagrada fumaça no céu, feito prece alentada nas folhas. Eis o verdadeiro
poder do escolhido pela Jurema Sagrada e da espiritualidade encantada! Vamos
kipupar!
NOVOS MALUNGOS
“Dos
terreiros, matéria e espírito. Juremas enraizando outros futuros. Malungo,
sangue afro-pernambucano. Descendência guerrilheira. Poesia, militância,
negritude. Pelos séculos a mesma luta aflorando outros negros. Malunguinho,
Mestre guerreiro!”
É eterna a luta por direitos do povo preto
neste país haja vista o racismo epistêmico em nossa cruel sociedade. Até quando
novos malungos serão mortos? Morrem no encontro da bala perdida nas favelas e
vielas, na miséria das ruas, descriminalizados e marginalizados. Todo dia um
quilombo é apedrejado, vilipendiado. Até quando o preconceito irá imperar?
Que
a esperança feito fumaça no braseiro
Ponto
riscado em terreiro fortaleça cada malungo
No
coração de cada irmão, o legado de Mestre João
Seja
entoado em um brado de amor, luta e resistência!
Salve
a coroa do Reis Malunguinho!
Sobô
Nirê Mafá! Trunfa Riá!
AGRADECIMENTOS:
Agradecemos
ao Juremeiro e Mestre em Ciências da Religião Alexandre L'Omi L'Odò, por toda
consultoria e assessoramento prestado à equipe da escola durante o trabalho
de
pesquisa e confecção da sinopse.
REFERÊNCIAS:
ALEXANDRE
L'OMI L'ODÒ. Discussões Negras e Indígenas. Disponível em: <
https://alexandrelomilodo.blogspot.com/>.
Acessado em abril de 2023.
CULTURA
P.E. O portal da cultura pernambucana. Jurema Sagrada faz festa na Mata
do
Catucá. Disponível em: <https://www.cultura.pe.gov.br/canal/culturapopular/jurema-sagrada-faz-festa-na-
mata-do-catuca/>
Acessado em abril. 2023.
DIÁRIO
DE PERNAMBUCO. A enciclopédia livre. Jurema sagrada segue firme na contra
a
intolerância. Disponível em: <https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2017/09/jurema-
sagrada-segue-firme-na-luta-contra-a-intolerancia.html>
Acessado em abril. 2023.
FELIPE
PERES CALHEIROS. Malunguinho - Documentário para TV. YouTube, 19 de
setembro
de 2015. Disponível em: https://youtu.be/SHWQ5Ou-_hg
JOÃO
BATISTA; DIOGO MENDES e LUÍS OTÁVIO. Malunguinho - O Guerreiro do Catucá,
O
Rei da Jurema. YouTube, 07 de abril de 2014. Disponível em:
https://youtu.be/OvQpnTpMIno.
MESTRE
DE JUREMA CLÁUDIO DE OLIVEIRA. Jurema do Rio Grande do Norte.
Malunguinho,
a história de um Rei Brasileiro. Disponível em:
<https://juremadoriograndedonorte.wordpress.com/malunguinho-a-historia-de-um-
rei-brasileiro/>
Acessado em abril. 2023.
POETA
MALUNGO. 19 Malunguinhos. Poema recitado no documentário “Malunguinho
–
O guerreiro de Catucá, o Rei da Jurema”, de João Batista, Diogo Mendes e Luís
Otávio.
Disponível em: https://youtu.be/OvQpnTpMIno.
TENDA
DE UMBANDA LUZ DA CARIDADE. Salve o Mestre Malunguinho. Disponível em:
<https://www.tendadeumbandaluzecaridade.com.br/2013/04/salve-o-mestre-
malunguinho-por.html?m=1>
Acessado em abril. 2023.
VÁRIOS
ARTISTAS. CD Pontos de Jurema. Produção Prefeitura Natal/RN e Fundação
Cultural
Capitania das Artes. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Co2V5Rqv49w>
Anexos:
Capa do Spotfy dos Sambas de enredo 2013, onde o enredo Malunguinho está disponível.
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Com
essa publicação, queremos agradecer pela lembrança e preocupação em realizar um
trabalho tão empolgante e com resultados tão lindos. O alcance desse enredo é
imenso e corresponde aos objetivos do Quilombo Cultural Malunguinho, que há 20
anos vem lutando para que o reconhecimento nacional desta divindade e herói
negro seja vista com a dignidade histórica que merece. Gritamos sobô nirê mafá
com muito orgulho, e parabenizamos a Escola de Samba Virtual Malandros pela
dedicação e total respeito às fontes. Estamos torcendo pela vitória!
Alexandre L’Omi L’Odò
Quilombo Cultural
Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com