Fotografia editada da matéria do Jornal do Commercio de 21 de setembro de 2013 - Sábado. Caderno C 3.
Um dia para celebrar a Jurema
Bruna
Cabral
Antes
dos gajos, das sinhazinhas, do açúcar e da lavoura. Bem antes do tronco da
senzala e da escravidão. Quando ainda não era quintal de ninguém e nem sonhava
em ser nação um dia, o Brasil já tinha credo. Os índios, legítimos primeiros
habitantes de nossa generosa geografia, cultivaram desde sempre uma liturgia
verde, que se valia de frutas, ervas, cipós e tudo mais que a natureza tinha a
oferecer para mantê-los em contato com o sagrado. Defendida com unhas e dentes
até hoje, a Jurema, garantem seus poucos, mas fervorosos seguidores, foi a
primeira religião do Brasil. A matriz do que aprendemos a chamar de fé neste
País de tantas crenças que se acomodam ou acotovelam do Oiapoque ao Chuí.
Amanhã,
essa tradição indígena será celebrada com fartura, música e devoção. A festa
vai acontecer na Mata do Catucá, em Abreu e Lima, durante todo o dia. Batizado
de Kipupa Malunguinho, o evento está em sua oitava edição e reunirá juremeiros
do Brasil inteiro – homens e mulheres, crianças e velhos. Todos com a roupa
tradicional da jurema: eles de calça, camisa e chapéu, e elas de saia colorida
e torso na cabeça. Todo o roteiro destina-se a lembrar a vida dos índios e
negros que se juntaram na fé e na labuta, nas matas do Engenho Pitanga II, bem
naquelas imediações onde acontece a celebração. “Homenageamos, acima de tudo,
Malunguinho, líder que se elevou à divindade na jurema sagrada. Iremos à mata
para louvar e honrar nossos ancestrais”, diz Alexandre L’Omi L’Odò, estudante
de história, discípulo e porta-voz da religião.
Além
de oferendas em agradecimento a questões resolvidas, os filhos da Jurema
levarão seus cachimbos, maracás, ilus e pandeiros para festejar. Música não
haverá de faltar. Estão programadas apresentações do Coco dos Pretos, Grupo
Bongar, Mestre Zeca do Rolete, entre outros. Para preservar a mata, o uso de
velas será proibido. E todo o lixo produzido durante o evento será devidamente
recolhido pelos juremeiros. “A mata é nosso espaço mítico. Nosso templo. Temos um
respeito enorme por ela”.
E
nem poderia ser diferente. Segundo Alexandre, a prática espiritual, restrita ao
Norte e, principalmente ao Nordeste do País, carrega a alcunha de uma planta da
família das acácias. Raízes da árvore são maceradas e misturadas a outras ervas
para compor uma bebida, com efeito alucinógeno, utilizada por iniciantes e
iniciados na religião – em diferentes concentrações, claro. “É o que chamamos
de ciência da jurema”, explica Alexandre. A bebida, segundo ele, conduz às
chamadas “cidades encantadas” da jurema, onde cada um, devidamente guiado e
acompanhado por um mestre, tem determinadas revelações. “Ninguém volta igual
dessa experiência”, diz.
Por
isso mesmo, Alexandre e todos os entendidos da jurema costumam dizer que sua
principal liturgia e seu maior dogma é a liberdade. Em seus templos ou em suas
casas espalhados por todo o Estado, os filhos da religião são sempre bem-vindos.
De manhã, à tarde, durante a noite ou no meio da madrugada. “Cada um tem uma
necessidade específica. Às vezes, urgente. Então, procuramos orientação dos
mestres para resolver cada questão”, explica Alexandre. Segundo ele, todo
conhecimento dos indígenas sobre ervas terapêuticas foi preservado pelos
seguidores da religião e é utilizado sempre que necessário. Mas, quando o mal é
da alma, o que a jurema tem a oferecer é amparo e orientação. “Nunca fomos
proselitistas. Não queremos audiência, nem confetes. Só respeito.”
A
quem interessar possa, ônibus sairão do Carmo, a partir das 7h, para fazer o
traslado dos participantes. O valor individual é R$ 15. Informações: 81
8887-1496 ou no www.qcmalunguinho.blogspot.com
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Publico aqui matéria integral do Jornal do Commercio de 21 de setembro de 2013, Caderno C 3. Esta foi a primeira matéria de jornal conseguida para o evento nestes oito anos de atividades. Estamos avançando e querendo ir mais longe, contribuindo para que o povo da Jurema tenha espaço digno para sua história e religião. Salve a fumaça!
Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
Rede Nacional do Povo da Jurema
alexandrelomilodo@gmail.com