Professor Marcus Carvalho. Foto de Joelson Souza. 2015.
Professor PhD em
História Marcus Carvalho é abordado em questões do Concurso público para
Soldado da Polícia Militar do Estado de Pernambuco
Conteúdos
da história dos africanos e afrodescendentes de Pernambuco caíram na prova de seleção
de 1.500 (mil e quinhentos) soldados da Polícia Militar do Estado. No edital
regulamentado pela Portaria Conjunta SAD/SDS N° 25 de 09 de Março de 2016, cujo
prova foi no último domingo dia 29 de Maio, contou também com duas questões
sobre os indígenas e outras duas questões sobre a cultura de PE.
Ao
ler as duas questões sobre a história dos africanos e afrodescendentes em uma
prova de seleção de policiais militares, pude como professor de história ter um
pouco de esperança com os futuros soldados que estarão nas ruas da Cidade para “nos
defender”. Ter exigido o estudo destes conteúdos em um edital tão procurado, é
também uma forma de reparação (muito pequena mas válida) contribuindo para o
ampliar do entendimento dos “concurseiros” sobre uma parte da história da
África e dos afrodescendentes no Brasil. Isso fortalece a luta pela
implementação das leis federais 10.639/2003 e 11.645/08 que instituem como
obrigatório o ensino da história dos africanos, afrodescendentes e indígenas
nas instituições escolares e de formação de todo país.
Pude
averiguar o conteúdo da “prova Azul”,
após ser surpreendido por Mariana, uma amiga, que carinhosamente fez questão de
me mostrar sua prova e ler para mim as questões que tratavam do conteúdo da extensa
e valiosa pesquisa do Professor PhD em História Marcus Carvalho. Com muito
entusiasmo, sabendo que eu iria adorar saber sobre isso, ela fez a leitura das
questões 41 e 42, cujos conteúdos abordavam os fatos da escravidão - a primeira
tratava da fuga e resistência de escravizados(as), e a segunda travava da lei
de 1831 (Lei Feijó) que extinguia o tráfico escravista no Brasil [...].
Conteúdos
bastante interessantes, levando em consideração que eles aludiam ao
entendimento de que a população negra nunca foi passiva e sempre construiu
estratégias de sobrevivência lutando contra os opressores (afastando o antigo
pensamento que os negros e negras sempre foram passivos ao processo escravocrata),
e também, mostrando que os crimes e violações de direitos contra esta mesma
população sempre foi algo considerado como normal (até hoje é em certo modo).
Ambas as questões complexas para quem nunca estudou tais conteúdos negados
pelos currículos oficiais das escolas, mas válidas para despertar a criticidade
das mentes dominadas pela história dos brancos colonizadores europeus que
sempre foram incutidas na nossa cabeça desde o início da vida escolar.
A
contribuição dada para todos nós pelo professor Marcus Carvalho é imensa. Sem
ele não teríamos hoje um entendimento amplo sobre a luta por liberdade da
população negra em Pernambuco. Gostei de ver sua obra sendo abordada com tanto
respeito dentro de um concurso público de importante relevância para nosso
Estado.
É
entusiasmante ver um amigo/professor sendo reconhecido assim. Mais que
merecido! Orgulho em viver no mesmo tempo histórico que este grande mestre da
academia.O professor Marcus Carvalho é um companheiro de luta das antigas. Com
ele aprendi e continuo aprendendo como ser historiador de verdade. Aprendo como
olhar a história por baixo e mostrar os fatos que a historiografia ainda
insiste em esconder de todos nós. Ele é um guerreiro da história local. Um
grande pesquisador de documentos antigos que ninguém quer colocar a mão por
causa dos fungos... Espelharei-me sempre neste exemplo de pesquisador.
Gostaria
muito que também tivessem caído questões sobre Malunguinho. Imagina...! Mas
outros concursos virão e poderemos nos surpreender com questões que possam muito
mais ensinar do que avaliar.
Para
compartilhar e aprendermos todos juntos, decidi digitar na íntegra as duas
questões (41 e 42) que caíram na prova. A página é a 16 do “caderno azul”, APROVEITEM, nunca é demais o saber.
COMPARTILHEM!
Salve
a fumaça!
*As
respostas estão no final da postagem. Mas antes de vê-las tenta pensar e
responder, vai valer a pena.
--> Questões sobre a
história dos africanos e afrodescendentes em Pernambuco – prova da polícia
militar 2016/PE:
41. Durante os três
séculos, nos quais vigorou a escravidão no Brasil, a resistência de escravos
tanto de origem africana quanto de origem indígena foi constante e tomou as
mais diversas formas. No século XIX, quando a escravidão brasileira viveu seu
apogeu com o maior afluxo de escravos africanos, o crescimento das cidades fez
multiplicar nelas não apenas o número de escravos mas também as formas de
resistência, que se diversificavam cada vez mais. E, se as fugas sempre foram
as mais famosas e emblemáticas dessas formas de resistência, nunca foram as
únicas. Sobre elas, diz o historiador Marcus Carvalho:
“Nunca faltaram fugas
de escravos no Recife. Alguns se aproveitavam dos cortes de o Capibaribe fazia
entre os bairros para se evadirem dentro própria cidade em busca de dias
melhores. Existem ainda casos mostrando o outro lado da história: fugas do
Recife para o interior, ou até para fora da província, buscando a distância do
senhor ou a proximidade de parentes, amores, amigos e pessoas da mesma etnia ou
nação” (CARVALHO, M. J. M. Liberdade: Rotinas e Rupturas do Escravismo no
Recife, 1822-1850. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2010, p. 176).
Tendo em vista esse
cenário, assinale a alternativa INCORRETA.
A)
O quilombo do Catucá, situado nas margens do Recife, na primeira metade do
século XIX, caracterizou-se por ser um espaço de resistência contra a
escravidão, que cresceu beneficiando-se dos muitos conflitos interno das
próprias elites escravistas, principalmente nas chamadas insurreições liberais.
B)
Construções culturais, como a capoeira, o maracatu, e mesmo o culto a
determinados santos católicos, como São Benedito e Nossa Senhora do Rosário,
foram importantes formas de resistência cotidiana, elaboradas por escravos e
ex-escravos nas margens da sociedade escravista e mesmo em suas instituições
mais importantes, como a Igreja Católica.
C)
Com o crescimento da escravidão urbana no Recife do século XIX, começaram a se
desenvolver novas formas de fugas, como as chamadas ‘fugas de portas a dentro’,
quando um escravo urbano fugia de seu dono, mas permanecia na mesma cidade,
agora servindo a um novo senhor com o qual havia estabelecido um processo de
negociação.
D) O quilombo do
Catucá, situado nas margens do Recife, na primeira metade do século XIX,
cresceu associado a esse centro urbano, beneficiado das fugas de escravos do
Recife e canaviais da região, chegando também a se expandir sobre toda região
antes dominada por seu predecessor, o quilombo de Palmares.
E)
O trabalho escravo nos canaviais também gerava resistência, fosse na forma de
revoltas e assassinatos de feitores, fosse na forma de sabotagem da produção.
42. O “desembarque de
Sirinhaém” em 1855, em Pernambuco, teria sido apenas mais um dos vários
episódios de contrabando de escravos, caso não tivesse dado errado. Tudo
começou quando o comandante do palhabote (espécie de embarcação também
utilizada para o tráfico atlântico de escravos), invés de ancorar no engenho de
João Manuel de Barros Wanderley, acabou parando nas terras do seu vizinho.
Este, por sua vez, prontamente denunciou o caso às autoridades. A notícia
acabou ganhando grande destaque na imprensa, por ter sido o último negreiro
apreendido na costa brasileira com cativos africanos a bordo.
(CARVALHO,
M. J. M de. O desembarque nas praias: o funcionamento do tráfico de escravos
depois de 1831. Revista de História, São Paulo, n° 167, julho/dezembro 2012,
pp. 223-260).
Em relação ao tráfico
de escravos em Pernambuco, assinale a alternativa CORRETA.
A)
Embora a lei antitráfico tenha entrado em vigor desde 1831, as autoridades
imperiais nada fizeram para deter o comércio ilegal nos portos das capitais
provinciais. Exemplo disso foi o porto do Recife, que não teve seu cotidiano
alterado, no que tange ao comércio atlântico de escravos.
B)
Embora conhecida como “Lei para inglês ver”, a Lei de 1831 contribuiu bastante
para frear o ímpeto dos traficantes. Exemplo disso é que, em finais da década
de 1830 e durante a década de 1840, o número de escravos que ingressaram na
Província de Pernambuco diminuiu de forma vertiginosa.
C) O desembarque de
cativos africanos nos portos naturais das diversas praias que ficavam na Província
de Pernambuco, mas distante o suficiente para dificultar a vistoria das
autoridades imperiais, foi uma estratégia desenvolvida pelos atores que
participavam do contrabando de africanos, para continuar fornecendo cativos
para a capitania.
D)
Embora muito alarmado pela imprensa provincial e nacional, o “Desembarque de
Sirinhaém” pode ser considerado uma exceção, pois a forte fiscalização da coroa
impedia que fatos como este fossem corriqueiros.
E)
Por ser, à época do “Desembarque de Sirinhaém”, uma província com forte
tendência abolicionista, Pernambuco quase não recebia mais escravos. Além
disso, os políticos e as elites latifundiárias estavam mais interessados em
fomentar a vinda de mão de obra livre do exterior, principalmente a dos
chineses.
Respostas: 41 – D, 42 – C.
Alexandre L’Omi L’Odò
Historiador e
mestrando em Ciências da Religião
Quilombo Cultural
Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com
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