segunda-feira, 22 de julho de 2019

15 anos de entrega à ancestralidade negra

Iyawo ti Osù - Alexandre L'Omi L'Odò. Foto de Aluísio Moreira - Julho de 2004.

15 anos de entrega à ancestralidade negra

Hoje, 22 de Julho de 2019, celebro e comemoro 15 anos de iniciado nos segredos (awo) da religião de matriz africana de Pernambuco, especificamente na tradição jeje nagô, onde mergulhei profundo em suas folhas (ewé) para renascer no oceânico saber de nossos ancestrais.

15 anos de lutas... Ao olhar para trás, me vejo em cada frente de batalha lutando pela minha religião, pois pra mim, pertencer às tradições de matriz africana e indígena é uma responsabilidade enorme, que envolve sobre tudo, a consciência política de lugar de luta e fala, onde não se cabe apoio aos nossos algozes colonizadores herdeiros da Casa Grande. Pertenço a terreiro há mais de 30 anos, e estando iniciado ou não, minha busca sempre foi a mesma, retomar o terreno roubado de meus ancestrais e refazer esse mundo não equânime.

15 anos é pouco tempo em nossa religião... Sou ainda uma criança perante meus mais velhos. Tenho prazer em dedicar-me a preservar a tradição oral ensinada por eles, afinal, Oxum me deu caminho para o campo intelectual da História, na perspectiva de contribuir para a preservação de nossas memórias. A academia para mim, é um lugar de poder que todas as pessoas de terreiro devem ocupar, afinal, vivemos em uma sociedade ocidental e colonizada, ao qual precisamos reagir imediatamente contra o racismo e o etnocídio de nossas tradições, pois o plano de dominação branca e judaico-cristã é vigente e avança a cada dia contra nós, portanto, devemos estar acordados contra isso, sendo assim, Oxum para mim também é guerra, luta e política, e por isso também me debruço na política para enfrentar esse processo que nos extermina todos os dias!!

Hoje, a nossa religião está envolta no capitalismo selvagem. Dar uma oferenda aos orixás é caro, fazer uma renovação mais ainda... É difícil lidar com uma religião que olha para o lado que os brancos querem (o lado do capital), contudo, historicamente perdemos território, bens, participação social, acesso à educação, enfim, perdemos vidas e quase tudo. Viver nesse universo opressor não é fácil, inclusive por que esse mesmo universo, é o que detém os bens materiais que nos escravizam. É uma triste constatação, que devemos enfrentar com maior dignidade e atenção. Se nossas obrigações estão tão caras, corremos o risco de termos as nossas tradições somente nas mãos dos que detém o capital (os brancos herdeiros da Casa Grande), e nosso povo negro e indígena, que no sangue trazem o axé ancestral, ficarão para trás, transformando nossos terreiros no palco dos dominadores, efetivando o plano de dominação que citei anteriormente. Nossa religião não tem discriminação de cor, raça, etnia, status social etc. mas essa reflexão que faço aqui, proponho uma análise maior sobre o tema, não ficando na subalternidade do entendimento. Vamos acordar! Se queremos libertação, temos que encarar de forma madura nossas próprias chagas histórica e criar o remédio (òògùn) correto para dar conta.

Nesses 15 anos de caminho no odú obisé, tive a honra de encontrar um pai grandiosíssimo, meu bàbá Paulo Braz Ifátòògùn, homem que me deu esperança e fez-me re-acreditar na religião como meio sustentável do saber oral unido ao saber acadêmico. Inteligente e crítico, Pai Paulo sempre nos demonstrou entusiasmo com o universo yorùbá. Fora grande professor de uma geração que pode vivenciar o que há de mais profundo e melhor em nosso nagô, ensinando-nos a amar os orixás e os egùn com integridade, inclusive com consciência linguística, pois ele nos foi valioso professor de yorùbá. Esse foi um dos maiores feitos de Oxum em minha vida, ter me levado para os pés de Iyemojá Ògùnté Mi, a mãe das mães, materializada na nossa grande sacerdotisa Mãe Lu Omitòògùn, que não diferente de seu nome, é a água que nos cura, é a água que é nosso remédio. Hoje, ela sozinha leva nossa casa, com auxílio de seus sobrinhos, e juntos vamos seguindo o antigo axé de Ifátinunké (Ignês Joaquina da Costa) a fundadora do Sítio de Pai Adão. Esse caminho, me traz alegria, me traz paz, me deu total harmonia. Amo o Ilé Iyemojá Ògúnté, casa que me acolheu há mais de 10 anos.

Tenho tanto o que viver ainda em minha religião. Olho para frente e vejo grande futuro. Temos muito o que fazer, a luta só começou. Muitas obrigações a derem dadas, terreiro de culto ao Orixá para abrir, filhos e filhas à iniciar, enfim, a vida na religião é uma glória, e essa glória dada por Olódùmarè enche meu peito de amor e plena felicidade.

Oxum é meu caminho, minha fonte de inspiração para enfrentar o mundo racista que estamos mergulhados até o pescoço. Nela descanso e renovo minha fé. Oxum é o berço que nina seus filhos. Ela é uma boa mãe, protege e ensina, guia e abre portas. O ouro que nasce/brota de suas mãos e pés, abençoa a vida dos que nela confiam e adoram. Oxum é maior do que podemos imaginar, é um orixá de grande sabedoria e poder, a rainha das feiticeiras, a célebre guerreira dos diretos das mulheres negras, a destemida rainha que cura com água fresca, a generosa comandante, que com comida vence a guerra... Nem só de beleza é Oxum, ela é o estrondo das águas doces, as águas que renovam, purificam, batizam, mata a cede e que perfura qualquer pedra, por mais forte que seja. Kolofé iyá mi, modupé!

Modupé à Oyá T’Ogun, por me iniciar!
Modupé à Ògún atí Esù wón bàbá mi!
Modupé Iyemojá Ògúnté Mi atí Ojé Bií!
Modupé iyálorisà mi Omitòògùn!
Modupé bàbálorisà mi Ifámuydè (Ifátòògún)!
Modupé gbogbo irùnmolé!
Modupé Olórun Olóore (Deus compassivo. Aquele que olha por todos com bondade e misericórdia)

Orò mì máa - minha obrigação habitual
Orò mi máa ‘yó – é feita com alegria
Orò mì máa - minha obrigação habitual
Àyaba ‘dò yeye o – para a rainha do rio

Kosí obá kan, afí Olorun!!!

Alexandre L’Omi L’Odò
Elegun atí Osùn


Foto de Aluísio Moreira (2004).

Alexandre L'Omi L'Odò
Elegun ti Osùn
alexanrelomilodo@gmail.com

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