Malunguinho fora o título dado aos líderes do Quilombo do Catucá, pessoas de grande transcendência e força que lideraram a segunda maior frente de luta por liberdade negra no Brasil. 115 anos aproximadamente separam Palmares do Catucá (1695 – 1810), e Pernambuco fora na primeira metade do século XIX o mais amplo e articulado campo para o desenvolvimento desse clã negro de luta, que segundo Pereira da Costa agia de forma a remontar as práticas africanas bantas e também exerciam uma forma de convívio comunista, tendo como participes indígenas, alguns brancos e mulheres que exerceram importante papel na consolidação e resistência do quilombo.
O Catucá iniciava-se nas abundantes matas e mangues nas margens do Rio Beberibe entre Recife e Olinda (onde hoje é Peixinhos e demais bairros), ampliando-se e dominando importante parte da Mata Norte, seguindo por Paulista, Abreu e Lima (antiga Maricota), Igarassu, Paudalho, Timbaúba, entre outros municípios até Goiana (onde existe um povoado quilombola recém reconhecido chamado de Catucá) até Alhandra na Paraíba.
Na história do país, não existiu negro a ter a cabeça colocada a prêmio por valor mais alto. Malunguinho (o primeiro cujo nome não foi revelado), devido a sua importante liderança e poder, aterrorizou a Coroa portuguesa que anunciou o valor de 100 mil réis para quem o entregassem morto. Com as elites fragilizadas pelas fraturas internas e revoluções, que fragilizaram seus aparatos repressivos devido as lutas armadas entre 1817 e 1824, o Catucá se fortaleceu, muitos negros e negras fugiram para as matas e conseguiram assim se unir ao ponto de colocar em risco a estabilidade da coroa e a segurança de toda população branca. Realizando inúmeros saques de alimentos e ocupações de mais e mais territórios, onde construíram casas, mocambos e plantações, os malungos como também eram chamados, instituíram-se como força bélica de grande porte, atormentando o sono dos colonizadores. Assim sendo, foi criada a “partida exterminadora do Chefe Malunguinho”, que após inúmeras investidas, conseguiu detê-lo e exterminá-lo em 1829.
O Catucá não se calou e sua luta por liberdade continuou com outros diversos líderes “Malunguinhos”, entre eles, o João Batista, último líder do quilombo, dominando importante quartel general chamado Cova da Onça e fazendo frente de guerra nas matas da antiga Maricota, hoje Abreu e Lima. Afamado pela sua coragem, João Batista foi amplamente perseguido, tendo sido assassinado de forma covarde em emboscada cruel em setembro de 1837, como informou documento expedido no dia 18 do mesmo mês.
A longa história do Catucá e dos Malunguinhos é grande e importante para o país. Continuando viva até os dias de hoje.
Malunguinho foi deificado e transformou-se numa das mais importantes divindades da Jurema Sagrada, coisa inédita a acontecer com outras lideranças negras no paísl. Ele virou um espírito de grande poder nessa religião do nosso Nordeste. Malunguinho é caboclo (índio), mestre, trunqueior/exu e Reis, titularidades religiosas dentro destra tradição forte e em pleno funcionamento em todo Pernambuco. Ele é o primeiro a ser cultuado, a receber oferendas e continuando sua missão como defensor do povo negríndio e pobre, é dada a ela a missão de defender a casa de todos os males, protegendo o portão do terreiro e as Cidades encantadas da Jurema. Seu papel continua sendo essencial para todas e todos que nele tem fé. Realizador de grandes milagres, é muito querido pelos juremeiros e juremeiras.
É em Abreu e Lima que acontece o maior encontro do povo de terreiro do Estado, o Kipupa Malunguinho – Coco na Mata do Catucá (@kipupamalunguinho), evento realizado pela instituição Quilombo Cultural Malunguinho (@qcmalunguinho) que há 15 anos faz esse grande e importante evento que atrai pessoas de todo país para conhecer as matas de Pitanga II, onde outrora Malunguinho e seus bandos dominaram e fizeram a mais importante revolução negra que a história conheceu depois de Palmares.
O Estado de Pernambuco aprovou a Lei Estadual da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, a Lei Malunguinho nº 13.298/07, revogada e relocada na lei 16.241/17), que instituiu no calendário anual uma semana para debater a importância de Malunguinho para nossa identidade. Outras leis com o mesmo propósito foram aprovadas em São Lourenço da Mata (2.285/09), Olinda (5591/17) e Recife (18.562/19), faltando a Cidade de Abreu e Lima se pronunciar e aprovar uma lei ampla no município que valorize sua história a partir de Malunguinho e toda luta negríndia que envolve essa temática.
Malunguinho vive! O Catucá vive! Sobô Nirê Mafá!
Texto: Alexandre L’Omi L’Odò – juremeiro,
historiador e mestre em ciências das religiões – SIGA: @alexandrelomilodo
Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com
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