Malunguinho. Representação de luta e resistência dentro da Jurema Sagrada. Foto de Marcelo Curia. 2010.
Malunguinho,
Política e Povo de Terreiro – O lado certo da luta
Malunguinho
(ou os Malunguinhos) herói da luta por liberdade do povo negro e indígena em
Pernambuco, foi assassinado brutalmente pelos poderes constituídos por milícias
e “forças de paz”, enviados pelos membros da Casa Grande e da Coroa Portuguesa
(os caucasianos [brancos], imperialistas pertencentes às elites aristocráticas
do Brasil e Portugal). O último líder do Quilombo do Catucá, o Malunguinho João
Batista, teve sua morte notificada em 18 de Setembro de 1835, em emboscada
cruel na cidade de Maricota, hoje Abreu e Lima/PE.
Esta
mesma Casa Grande, citada anteriormente, assistiu a “abolição” da escravatura
em 13 de Maio de 1888 de mal grado... E decidiu jogar a população escravizada
nas ruas sem nenhum direito civil... Marginalizando um contingente populacional
que é a maior parte deste país, o povo negro. Este mesmo grupo de ricos
colonialistas patrocinou o genocídio indígena (no período da colonização) e
promove até hoje a mortalidade dos indígenas e da população negra neste país.
Basta observar os dados sobre: http://renafrosaude.com.br/mortalidade-da-juventude-negra/
Esta
elite da Casa Grande, sempre esteve no poder... Cometendo todo tipo de
atrocidade e desumanidade. Hoje, esta mesma elite ascendente genética ou
ideologicamente da Casa Grande não está conformada com a democracia constituída
no Brasil e com a sua perda crescente de privilégios econômicos, históricos etc.
Por estes motivos, querem dar um golpe no nosso sistema político, pedindo e
articulando o impedimento ilegal da presidenta Dilma, tentando romper 13 anos de
um governo de esquerda no poder do nosso país.
Isso
mesmo... Apenas 13 anos, suficientes para efetivar grandes mudanças no formato
político do país, revertendo prioridades e voltando para o povo preto e pobre
políticas públicas sociais que estão revertendo (lentamente ainda) a lógica da
partilha dos bens pecuniários para a maior parte da população. Esta elite da
Casa Grande até onde se consta na história sempre esteve no poder e jamais fez
isso...
Em
meio a todo este contexto histórico e político, uma pequena parcela do povo de
terreiro, por ser em sua grande maioria herdeiro da senzala, exatamente por
herdar um sistema tradicional e religioso de matriz africana e indígena... Posicionam-se
estranhamente e incompreensivelmente favoráveis ao Golpe. Isso a meu ver é algo
assustador. É quase como matar duas vezes a luta dos nossos ancestrais que
foram torturados e mortos por esta mesma elite que insiste em dominar, mesmo
sendo apenas 1% de nossa população geral.
Creio
que esta postura provenha da falta de entendimento de lugar histórico dos
participantes e sacerdotes destas religiões. Afinal, grande parte de nosso povo
ainda está imergindo das trevas do racismo e da intolerância. Aos poucos
estamos compreendendo nosso papel histórico e político, e de como devemos nos
articular para avançar perante ao processo de libertação ainda do escravismo
mental e social que estamos envolvidos completamente desde colonização. Somos
também herdeiros de um pensamento colonizado...
Não
posso me calar ao ver este tipo de atitude. Compreendo o direito de todo
indivíduo ter sua própria opinião, mas me parece totalmente incoerente pessoas
de terreiro apoiarem o opressor histórico. É terrível assistir “o oprimido
assumir o discurso do opressor” (Simone de Beauvoir). Ao que percebo, a
profunda auto baixa estima vem dominando estas falas (a favor do golpe) vazias
de história e contexto.
Se
fazemos parte de uma comunidade tradicional, temos que no mínimo saber nosso
lugar na história. Esta é uma missão espiritual. Defender a luta de nossos
ancestrais é um dever, e lutar pela manutenção de nossa religião é lutar contra
o opressor.
Contudo,
não é de se estranhar estas posições favoráveis ao golpe e aos golpistas: Nosso
povo sempre foi dominado e entendo que é difícil quebrar o paradigma do
dominado... Submeter-se é quase sempre a primeira opção escolhida pelo dominado
que historicamente não aprendeu a lutar contra as atrocidades dos dominadores.
Mas devemos pensar... Refletir de qual lado queremos estar... E o lado que
estamos é o lado dos herdeiros da senzala, o lado dos que sofrem ainda as conseqüências
dos crimes históricos cometidos contra a humanidade – a escravidão africana e o
holocausto indígena!
Rogo
ao Reis Malunguinho, que morreu para que eu pudesse estar aqui escrevendo este
texto, para que nossos irmãos e irmãs enxerguem logo que devemos nos unir e
combater a dominação ideológica e histórica da Casa Grande sobre nós. Esta é
uma necessidade primeira. Nosso futuro depende de nossa resistência e
estratégias de combate ao racismo.
Jamais
apoiaria o lado dos dominadores. Se nosso lado político tem alguns problemas,
devemos nos ater a resolvê-los. Mas submetermo-nos ao chicote das elites
jamais! Digo não ao golpe pelo sangue de nossos ancestrais! Não vão matar o
jovem sistema democrático que temos. Não permitiremos isso, somos resilientes,
vamos vencer com fé na democracia!
Este
texto nasceu da necessidade de expressar minha opinião sobre pessoas
pertencentes aos terreiros (de qualquer nação ou segmento) que apóiam o Golpe
contra o atual governo instituído de forma democrática. Que fique claro que sou
veemente contra este tipo de postura. Temos um lado, e este lado deve ser
observado e levado em consideração na nossa luta coletiva.
Malunguinho
se manteve vivo, como prova de sua grande importância na luta por liberdade em
Pernambuco! A Jurema Sagrada, religião de matriz indígena do Nordeste do
Brasil, o deificou imortalizando-o como divindade fundamental dentro desta
religião. O Reis Malunguinho, o Reis das Matas, o caboclo, mestre, trunqueiro e
reis, se manteve vivo, sendo este seu único reduto de memória, afinal a Jurema
Sagrada é também história! Eu como membro dos que desfrutam da herança da luta
deste guerreiro, estou ao lado de sua luta, de sua trajetória, de sua incansável
busca por direitos. Eu sou do lado do
povo de terreiro, não posso estar ao lado dos opressores jamais.
Sobô
Nirê Mafá!
#NãoVaiTerGolpe!
#FéNaDemocracia!
#MalunguinhoMeuHerói!
Alexandre L’Omi L’Odò
Juremeiro e mestrando em ciências da religião
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com