sábado, 30 de abril de 2016

Malunguinho, Política e Povo de Terreiro – O lado certo da luta!

Malunguinho. Representação de luta e resistência dentro da Jurema Sagrada. Foto de Marcelo Curia. 2010.

Malunguinho, Política e Povo de Terreiro – O lado certo da luta

Malunguinho (ou os Malunguinhos) herói da luta por liberdade do povo negro e indígena em Pernambuco, foi assassinado brutalmente pelos poderes constituídos por milícias e “forças de paz”, enviados pelos membros da Casa Grande e da Coroa Portuguesa (os caucasianos [brancos], imperialistas pertencentes às elites aristocráticas do Brasil e Portugal). O último líder do Quilombo do Catucá, o Malunguinho João Batista, teve sua morte notificada em 18 de Setembro de 1835, em emboscada cruel na cidade de Maricota, hoje Abreu e Lima/PE.

Esta mesma Casa Grande, citada anteriormente, assistiu a “abolição” da escravatura em 13 de Maio de 1888 de mal grado... E decidiu jogar a população escravizada nas ruas sem nenhum direito civil... Marginalizando um contingente populacional que é a maior parte deste país, o povo negro. Este mesmo grupo de ricos colonialistas patrocinou o genocídio indígena (no período da colonização) e promove até hoje a mortalidade dos indígenas e da população negra neste país. Basta observar os dados sobre: http://renafrosaude.com.br/mortalidade-da-juventude-negra/  

Esta elite da Casa Grande, sempre esteve no poder... Cometendo todo tipo de atrocidade e desumanidade. Hoje, esta mesma elite ascendente genética ou ideologicamente da Casa Grande não está conformada com a democracia constituída no Brasil e com a sua perda crescente de privilégios econômicos, históricos etc. Por estes motivos, querem dar um golpe no nosso sistema político, pedindo e articulando o impedimento ilegal da presidenta Dilma, tentando romper 13 anos de um governo de esquerda no poder do nosso país.

Isso mesmo... Apenas 13 anos, suficientes para efetivar grandes mudanças no formato político do país, revertendo prioridades e voltando para o povo preto e pobre políticas públicas sociais que estão revertendo (lentamente ainda) a lógica da partilha dos bens pecuniários para a maior parte da população. Esta elite da Casa Grande até onde se consta na história sempre esteve no poder e jamais fez isso...

Em meio a todo este contexto histórico e político, uma pequena parcela do povo de terreiro, por ser em sua grande maioria herdeiro da senzala, exatamente por herdar um sistema tradicional e religioso de matriz africana e indígena... Posicionam-se estranhamente e incompreensivelmente favoráveis ao Golpe. Isso a meu ver é algo assustador. É quase como matar duas vezes a luta dos nossos ancestrais que foram torturados e mortos por esta mesma elite que insiste em dominar, mesmo sendo apenas 1% de nossa população geral.

Creio que esta postura provenha da falta de entendimento de lugar histórico dos participantes e sacerdotes destas religiões. Afinal, grande parte de nosso povo ainda está imergindo das trevas do racismo e da intolerância. Aos poucos estamos compreendendo nosso papel histórico e político, e de como devemos nos articular para avançar perante ao processo de libertação ainda do escravismo mental e social que estamos envolvidos completamente desde colonização. Somos também herdeiros de um pensamento colonizado...

Não posso me calar ao ver este tipo de atitude. Compreendo o direito de todo indivíduo ter sua própria opinião, mas me parece totalmente incoerente pessoas de terreiro apoiarem o opressor histórico. É terrível assistir “o oprimido assumir o discurso do opressor” (Simone de Beauvoir). Ao que percebo, a profunda auto baixa estima vem dominando estas falas (a favor do golpe) vazias de história e contexto.

Se fazemos parte de uma comunidade tradicional, temos que no mínimo saber nosso lugar na história. Esta é uma missão espiritual. Defender a luta de nossos ancestrais é um dever, e lutar pela manutenção de nossa religião é lutar contra o opressor.

Contudo, não é de se estranhar estas posições favoráveis ao golpe e aos golpistas: Nosso povo sempre foi dominado e entendo que é difícil quebrar o paradigma do dominado... Submeter-se é quase sempre a primeira opção escolhida pelo dominado que historicamente não aprendeu a lutar contra as atrocidades dos dominadores. Mas devemos pensar... Refletir de qual lado queremos estar... E o lado que estamos é o lado dos herdeiros da senzala, o lado dos que sofrem ainda as conseqüências dos crimes históricos cometidos contra a humanidade – a escravidão africana e o holocausto indígena!

Rogo ao Reis Malunguinho, que morreu para que eu pudesse estar aqui escrevendo este texto, para que nossos irmãos e irmãs enxerguem logo que devemos nos unir e combater a dominação ideológica e histórica da Casa Grande sobre nós. Esta é uma necessidade primeira. Nosso futuro depende de nossa resistência e estratégias de combate ao racismo.

Jamais apoiaria o lado dos dominadores. Se nosso lado político tem alguns problemas, devemos nos ater a resolvê-los. Mas submetermo-nos ao chicote das elites jamais! Digo não ao golpe pelo sangue de nossos ancestrais! Não vão matar o jovem sistema democrático que temos. Não permitiremos isso, somos resilientes, vamos vencer com fé na democracia!

Este texto nasceu da necessidade de expressar minha opinião sobre pessoas pertencentes aos terreiros (de qualquer nação ou segmento) que apóiam o Golpe contra o atual governo instituído de forma democrática. Que fique claro que sou veemente contra este tipo de postura. Temos um lado, e este lado deve ser observado e levado em consideração na nossa luta coletiva.

Malunguinho se manteve vivo, como prova de sua grande importância na luta por liberdade em Pernambuco! A Jurema Sagrada, religião de matriz indígena do Nordeste do Brasil, o deificou imortalizando-o como divindade fundamental dentro desta religião. O Reis Malunguinho, o Reis das Matas, o caboclo, mestre, trunqueiro e reis, se manteve vivo, sendo este seu único reduto de memória, afinal a Jurema Sagrada é também história! Eu como membro dos que desfrutam da herança da luta deste guerreiro, estou ao lado de sua luta, de sua trajetória, de sua incansável  busca por direitos. Eu sou do lado do povo de terreiro, não posso estar ao lado dos opressores jamais.

Sobô Nirê Mafá!

#NãoVaiTerGolpe!
#FéNaDemocracia!
#MalunguinhoMeuHerói!

Alexandre L’Omi L’Odò
Juremeiro e mestrando em ciências da religião
Quilombo Cultural Malunguinho

alexandrelomilodo@gmail.com

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