O poder das Iabás - Mãe Lu Omitòògùn e Barbara Costa na luta das mulheres negras
O poder
das Iabás
Para comemorar o Mês da Consciência Negra, a
Revista mostra como a força herdada dos poderosos orixás femininos leva as
mulheres a comandar a dura luta ancestral por respeito, igualdade e justiça
social
Elas não são Eva, nem Maria, muito menos Amélia. Os
orixás femininos — as iabás —, que inspiram o arquétipo de suas filhas na
dimensão terrena, foram (e ainda são) mulheres imprevisíveis. Guerreiras,
sempre prontas para defender os reinos que governam. Na história antiga e na
contemporânea, não faltam exemplos de figuras femininas que não aceitam ser
subjugadas pelo sexo oposto.
Elas batalham com uma garra incomum, o que as faz
se destacar no cenário onde se encontram. Insurgem-se contra sistemas injustos
e não negam disposição para transformar realidades negativas. Quando comparadas
com os itans (em iorubá, o conjunto de lendas, mitos e músicas dos orixás) das
seis principais divindades cultuadas no país pela umbanda e pelo candomblé — as
iabás Nanã Buruku (ou Buruque), Iemanjá, Oxum, Iansã, Obá e Euá —, vê-se que
elas estão atuando na sociedade. E deixando contribuições valiosas para as
mudanças e os avanços almejados pelos cidadãos.
Ao contrário de Eva, elas não vivem no paraíso. Não
têm a santidade de Maria, figura icônica da fé cristã. Estão longe de ser a
Amélia, da famosa canção criada, em 1942, pelos consagrados artistas Ataulfo
Alves e Mario Lago, que conquistou as paradas de sucesso com o grupo musical
Demônios da Garoa.
As iabás contemporâneas são, como suas ancestrais,
batalhadoras nas infindáveis jornadas contra o machismo, a violência doméstica,
sexual, o preconceito, a misoginia e todas as outras expressões de violência e
opressão, que buscam subjugá-las, ou impor-lhes condições de inferioridade. As
seis divindades iabás remontam à cultura herdada dos iorubás, um dos maiores
grupos étnico-linguísticos da África.
De acordo com o sociólogo e professor da
Universidade de São Paulo Reginaldo Prandi, eles acreditam que homens e
mulheres descendem dos orixás. “Cada um (pessoa) herda do orixá de que provém
suas marcas e características, propensões e desejos, tudo como está relatado
nos mitos”, explica Prandi, no livro Mitologia dos orixás, uma pesquisa
profunda que reconta 301 mitos africanos e afro-americanos. Todos eles, parte
importante da alma brasileira.
Força
espiritual
Na umbanda e no candomblé, as duas principais
religiões de origem nas tradições africanas, elas são respeitadas e tratadas
por mãezinhas — ou simplesmente mães — e reverenciadas como autoridades. A
natureza, pródiga de sabedoria, deu a todas o poder da maternidade, e isso as
tornam pessoas respeitadas como essenciais à preservação da vida e à perenidade
da raça humana. Mais do que isso: são consideradas pela força espiritual que
carregam e que lhes confere singularidade nos terreiros.
Dentro de uma sala de aula do Instituto de Inclusão
no Ensino Superior e na Pesquisa da Universidade de Brasília, a historiadora
pernambucana Bárbara Costa, 29 anos, critica a higienização do movimento negro
no Recife e suas palavras mostram a garra e a força que herdou da orixá Iansã.
“Eu topo qualquer parada, enfrento qualquer coisa. Homem ou mulher”, afirma,
logo após encerrar uma aula sobre a história do culto Nagô em Pernambuco.
Sentada ao lado, a pernambucana Lúcia Costa, 65,
mais conhecida como Mãe Lu, mostra o amor que herdou de Iemanjá. “Ela é a minha
mãezinha, me acolhe, me tira da solidão e me acalenta”, conta. Para explicar a
relação com a mãe Iansã, Bárbara deixa de lado a postura rígida e fala com
carinho. “É para a mãe que a gente pede tudo, né? Acreditamos que eles (os
orixás) são nossos intermediários com Deus. Podemos estar com o filme queimado
lá em cima, mas, no meu caso, Iansã chega lá e fala: ‘sei que a Bárbara errou,
mas ela vai melhorar’. Ela intercede por mim”, diz.
A relação com a mãe iabá é forte em todos os que
fazem parte das religiões de matrizes afro-brasileiras. “Quando alguém tem três
orixás masculinos, dizemos que é algo muito triste, porque todo mundo tem que
ter uma mãe. No meu caso, eu só tenho uma iabá, Iansã. Mesmo ela não sendo a
dona do meu ori (cabeça, destino, em iorubá), eu sou muito parecida com ela.
Quem me vê logo a encontra”, explica Bárbara.
“Eu tenho a concepção de que a nossa Iemanjá toma
conta daqueles que só têm (orixás) homens na cabeça. Ela é sempre a mãe, que dá
proteção. É uma qualidade que Deus deu para ela”, acrescenta Mãe Lu.
Visões
próprias
Os itans, ou lendas, variam em cada nação e estão
ligados à cosmovisão de cada uma delas. A diferenciação é bem nítida entre os
candomblés de Angola, Keto e Jejê. Tanto é assim que os orixás têm outras
designações. No candomblé de Angola, Inkisi é orixá; Iansã, Matamba ou
Bamburucema; Oxum, Ndandalunda (leia-se dandalunda); Iemanjá, Kaiá, Mikaiá ou
Kaiala; Nanã, Nzumbarandá, Nzumba, Zumbarandá, Ganzumba.
IEMANJÁ
É a rainha de todas as águas do mundo. O seu nome
vem da expressão “YéYé Omó Ejá”, que significa mãe cujo filhos são peixes. Ela
é o espelho do mundo, que reflete todas as diferenças. Mostra os caminhos,
educa e sabe explorar as potencialidades que estão dentro de cada um.
Características dos filhos:
São imponentes, belos, calmos, sensuais, fecundos,
têm dignidade e irresistível fascínio (o canto da sereia). São voluntariosos,
fortes, rigorosos, protetores e, por vezes, impetuosos e arrogantes. Têm o
sentido da hierarquia, preocupam-se com os outros. Sem a vaidade de Oxum,
gostam de luxo.
Dia: Sábado
Cor: Branco, Prateado, Azul e Rosa
Símbolo: Abebé prateado.
Elementos: Águas doces que correm para o mar, águas
do mar
Domínios: Maternidade (educação), saúde mental e
psicologia
Saudação: Odó-Iyá
Fonte: https://ocandomble.com
OXUM
Na Nigéria, corre o rio Oxum, a morada da mais bela
Iabá, a rainha de todas as riquezas, a protetora das crianças, mãe da doçura e
da benevolência. Generosa e digna, Oxum é a rainha das águas doces. Vaidosa, é
a dona da fecundidade das mulheres, do grande poder feminino.
Características dos filhos de Oxum
Oxum é o arquétipo dos que agem com estratégia e
são obstinados na busca dos seus objetivos. Atrás da imagem doce se esconde uma
forte determinação e um grande desejo de ascensão social. Dão muito valor à
opinião pública e preferem contornar as suas diferenças com habilidade e
diplomacia.
Dia: Sábado
Cores: Amarelo e ouro
Símbolo: Leque com espelho (Abebé)
Elemento: Água doce (rios, cachoeiras, nascentes,
lagoas)
Domínios: Amor, riqueza, fecundidade, maternidade
Saudação: Òóré Yéyé ó!
Fonte: https://ocandomble.com
NANÃ
Deusa dos mistérios, é de origem simultânea à
criação do mundo. Nanã é o começo, porque é o barro e o barro é a vida.
Sintetiza em si morte, fecundidade e riqueza. Designa pessoas idosas e
respeitáveis. Entender Nanã é entender o destino, a vida e a trajetória do
homem sobre a terra.
Características dos filhos:
São pessoas extremamente calmas, lentas no
cumprimento das tarefas. Agem com benevolência, dignidade e gentileza. Gostam
de crianças, as quais educam com excesso de doçura e mansidão. No modo de
agir e até fisicamente aparentam mais idade.
Dia: Terça-feira
Cores: Anil, branco e roxo
Símbolo: Bastão de hastes de palmeira (Ibiri)
Elementos: Terra, água, lodo
Domínios: Vida e morte, saúde e maternidade
Saudação: Salubá!
IANSÃ
Saudada como a deusa do rio Níger, o maior da
Nigéria, é filha do fogo-Omo Iná. É a rainha dos raios, das ventanias, do tempo
que se fecha sem chover. Guerreira por vocação, sabe defender o que é seu e
conquistar, seja nas guerras, seja no amor. Iansã é a mulher que acorda de
manhã, beija os filhos e sai em busca do sustento.
Características dos filhos:
Para eles, viver é uma grande aventura, e enfrentar
riscos e desafios, um prazer. Escolhem os caminhos mais por paixão do que por
reflexão. Não escondem os seus sentimentos, seja de felicidade, seja de
tristeza. Entregam-se a súbitas paixões e de repente esquecem, partem para
outra.
Dia: Quarta-feira
Cores: Marrom, vermelho e rosa
Símbolos: Espada e Eruexin
Elementos: Ar, vento, fogo
Domínios: Tempestades, ventanias, raios, morte
Saudação: Epahei!
Fonte: https://ocandomble.com
Postagem original em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2017/11/19/interna_revista_correio,641685/o-poder-das-iabas.shtml
Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com
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