Preacas (arcos-e-flechas de guerra) de Caboclo na Jurema. Foto de Laila Santana.
Querem deturpar as
discussões sérias sobre a Jurema Sagrada
É claro que as discussões
religiosas e políticas entorno da Jurema Sagrada são coisas recentes no campo
do diálogo e autoconhecimento do povo de terreiro. Se muito, tem dez anos que
este tipo de discussão vem sendo fomentada e levada pelo QCM - Quilombo
Cultural Malunguinho, entidade que nos meados de 2004 iniciou um processo de
fortalecimento destas temáticas a partir do personagem negro Malunguinho, que é
uma divindade da Jurema Sagrada e também um herói negro/índio da história de
Pernambuco. Neste tempo (2004), a entidade chamava-se ainda de Grupo de Estudos
Malunguinho, que tinha como objetivo promover encontros entre a academia e do povo
de terreiro para discutirem juntos temas da teologia, história, cultura,
política e transcendência, entre outros temas, no espaço do Arquivo Público
Estadual Jordão Emerenciano, o APEJE. Neste local repousam parte fundamental da
documentação histórica de todo Estado de PE.
Hoje vemos disfarçada de
discussão uma série de críticas destrutivas a este trabalho histórico do QCM.
Coisas como, “Vocês querem ser os donos da Jurema”, “Vocês são o IMETRO da
Jurema”, “Malunguinho pra baixar nos terreiros vai ter que pagar pedágio a
vocês”, e mais um monte de absurdos que só explicitam o despreparo total e o
nível de discussão de nosso povo em encarar temáticas e problematizações
objetivas sobre religião e ética em nosso meio.
Recentemente, um caso
chamou muito a atenção da mídia na internet, em especial no facebook, uma rede
social virtual. Um de nossos irmãos da Jurema postou uma fotografia onde
expunha um homem “manifestado” com a Mestra Paulina, vestido como mulher, sendo
segurado por mais 3 homens. A princípio, sabemos que as práticas da Jurema
dentro dos terreiros tem se transformado de forma bastante estranha e
descaracterizada nos últimos anos. E também compreendemos que estas
transformações são fruto da péssima formação dentro dos terreiros. O que impera
hoje neste meio é o ego e a auto-lógica de fazer e recriar a religião de forma
irresponsável, descompromissada com a ancestralidade e a história. Uma espécie
de auto-recriação do mundo espiritual, mítico, místico e religioso...
Como quase não há mais pessoas
antigas dispostas a ensinar, os mais jovens se sustentam na lógica de fazer a
coisa por suas próprias mãos, ou por suas próprias lógicas psicológicas... E é
óbvio que isso deturpa a tradição. Isso degenera o patrimônio imaterial que é a
Jurema e também vulgariza uma prática ancestral de cura e de cosmovisão de
mundo.
Dentro deste contexto, ao
criticarmos na internet certos tipos de absurdos afro indígenas teológicos,
somo nivelados a baixarias distintas por parte de pessoas que enxergam estas
críticas provocativas nossas como algo ofensivo e destrutivo meramente. Não avaliam
nem racionalizam o sentido de contribuir na tentativa de reconstrução da
identidade perdida nem da lógica de irmanação que propomos com estas atitudes.
Sempre empobrecem a temática dizendo assim: “Vão cuidar de suas casas”...
Querendo dizer para não nos metermos na vida deles... Como se a religião fosse
uma coisa particular de cada casa... E ainda se vitimizam, afirmando que os
perseguimos, fazendo um jogo para esconder seus equívocos.
Esta lógica de
individualização cosmológica é absurda e até criminosa. Como pode eu dizer que
dentro de minha casa eu posso fazer o que quero com a Jurema, sendo a Jurema
uma religião de todos e todas? Partindo destas observação, podemos abrir um
precedente enorme de discussões intelectuais e religiosas sobre o tema.
Entendemos as limitações
postas historicamente para todo povo indígena e negro neste país. Compreendemos
onde estamos e com quem estamos, mas isso não pode ser considerado um elemento
válido para pormos panos mornos nestas discussões. Não podemos ser omissos com
o sério problema da ameaça de extinção que nossa religião está sofrendo. Temos
que reagir.
Muitos afirmam: “Deixa
isso pra lá, esse povo é tudo burro e ignorante”... Ou ainda dizem: “Vocês são
doidos em falar certas coisas, se fosse eu ficava calado”. Não acreditamos
nestas afirmações, sabemos que este povo tem saber e ciência, portanto,
condições de crescer nas discussões e entendimentos sobre a própria religião. Para
nós, o preocupante, assim como afirmou Martin Luther King é:
“O que me (nos) preocupa não é o grito dos fortes e sim o silencio dos
fracos”... E, é este silêncio que nos condena ao lugar dos fracos e oprimidos,
atmosfera que não queremos nos inserir nem nos manter. Assim como revela o
provérbio: “O silêncio é a virtude dos fracos”, podemos interpretar que
o grande silencio que paira sobre este tema por parte de pessoas sérias da
religião advém de sua condição de histórico-psicológica de inferioridade, descrença
e despreocupação total com o futuro da religião. Isso sim nos estimula a tentar
muito mais ainda trazer a Jurema para um espaço de discussão ampliado. Para
tentar contribuir concretamente para salvá-la. Vamos tentar fazer isso em
futuros (breves) projetos nossos que pretendem trazer todo este povo pela
primeira vez para contribuir em um pensamento coletivo da nossa gente.
Chega de palavras presas,
de dores engolidas a seco, de perdoar o erro dos amigos por pura falta de amor
e respeito à Jurema. Temos que falar, respeitando claro, as pessoas. Sempre
respeitamos.
Portanto, pedimos aos
amigos e amigas que se unam entorno desta questão nossa. Vamos discutir,
fomentar mais diálogos, ajudar as pessoas a compreender mais os nossos
problemas e tentarmos juntos vencer estes absurdos que só nos expõem ao
ridículo e ao infortúnio.
Enquanto uns dizem na
internet que vão “colocar mais fotos de mestras travestidas e fechando”, temos
que dizer que a Jurema é uma beleza desconhecida ainda por eles mesmos.
Salve a fumaça e vamos
transcender este limite da ignorância! Abaixo a omissão.
"Vamos salvar a Jurema, que é de nossa obrigação"!
Sobô Nirê!
Alexandre L’Omi L’Odò.
Quilombo Cultural
Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com