Alexandre L'Omi L'Odò. Foto de Brenda Alcântara.
Cavando espaço
político
Religiões afro-descendentes querem representantes dos
terreiros nas casas legislativas para combater intolerância religiosa
Tércio Amaral
Tercioamaral.pe@dabr.com.br
Matéria do Diario de Pernambuco, de 14/02/2016 (Domingo),
Caderno Política, página b5. Matéria de página inteira.
O
ambiente abandonado, repleto de verde em suas ruínas, agrada aos Orixás, que
recebem do cachimbo as primeiras fumaças de uma conversa no fim de tarde. O
encontro marcado no Nascedouro de Peixinhos, antigo matadouro do bairro
periférico de Olinda, tem um motivo: o terreiro é um lugar sagrado e muitas
vezes não compatível com determinadas atividades, como entrevistas.
O
sacerdote e juremeiro Alexandre L’Omi L’Odò tem pressa. Quer fazer justiça a
uma ausência que vem desde os tempos do Brasil Colônia (1500-1808): a
participação de pessoas ligadas a cultos afro-brasileiros na política. A
decisão do juremeiro, que será candidato a vereador em Olinda pelo PHS,
junta-se a de tantos outros no estado do mesmo segmento. Essas candidaturas
começam a ganhar espaço como contraponto à bancada evangélica que cresce a cada
eleição nas casas legislativas pelo país e à intolerância religiosa.
Digitalização de Matéria. Diário de Pernambuco, 14/02/2016. Caderno Política, p. b1. Chamada.
Vaidoso,
Alexandre não revela a idade, mas quando o assunto é política, o discurso é bem
afinado. Nascido na própria localidade de Peixinhos, tem formação em história e
faz mestrado em ciências da religião na Unicap (Universidade Católica de
Pernambuco). Uma de suas propostas é defender questões que já estão na
Constituição Federal de 1988, ou seja, em vigor, mas não em prática.
Digitalização de matéria. Diario de Pernambuco. 14/02/2016. Caderno Política. P. b5.
“Caso
seja vereador de Olinda, vou propor a retirada do crucifixo do plenário da
Câmara (Municipal) e a retirada de quadros de pseudo-heróis que atentaram
contra o povo negro”, diz, ao se referir ao quadro de Bernardo Vieira de Melo,
conhecido como carrasco de Zumbi dos Palmares. O dia da Consciência Negra é
comemorado em 20 de novembro em homenagem ao quilombola, morto nessa data em
1695.
“Não
vou pregar a intolerância, mas defender uma educação plural, sem o ponto de
vista tradicional do cristão branco conservador. Pretendo dar protagonismo aos
negros na nossa história e fomentar esse debate da pluralidade”, argumentou.
Assim
como Alexandre, Edson Axé, 48 anos, é candomblecista e será candidato a
vereador, mas no município de Recife.Seu partido é o PT. “Independentemente de
qualquer eleição, nós já fazemos palestras em bairros e RPAs da capital, além
de faculdades. A grande questão é o racismo, pois tanto o Candomblé quanto a
Umbanda são religiões de raízes negras”, argumenta Edson Axé, que é estudante
de direito e formado em gestão de pessoas.
Já
o artista popular de Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, Serginho da
Burra, que também será candidato pelo PT no município, adota o discurso de “contra-corrente”.
Serginho, que é historiador, diz que muitos dos ataques sofridos em terreiros
recentemente em são provenientes de grupos evangélicos neopentecostais.
“Esse
grupo se organiza na política e quer que as pessoas sigam a doutrina deles.
Está na hora de nosso povo se politizar. Quem sabe no futuro teremos um partido
prórpio?”, planeja o pré-candidato a vereador em Goiana.
Pesquisador
defende pluralidade
O
pesquisador da Universidade de Pernambuco (UPE), Erisvelton Sávio de Melo, que
concluiu o doutorado em antropologia no ano passado sobre ciganos, na UFPE,
defende a pluralidade entre os representantes da política. Na sua avaliação, as
candidaturas de segmentos religiosos marginalizados nestas eleições contribui
para resgatar uma dívida histórica de grupos discriminados.
“O
fato de haver representantes políticos desses segmentos religiosos pode ser
visto como algo muito positivo, tendo em vista a diversidade das pessoas que
compõe as identidades brasileiras. Identidades essas que parecem estar sendo
homogeneizadas no quisito religioso sobre a égide cristã”, desse Erisvelton. No
Recife, por exemplo, em um mapeamento realizado pelo Ministério do
Desenvolvimento Social, foram identificados 1,261 terreiros em 2010. Nenhum
deles está articulado politicamente, com representantes eleitos, diferentemente
das igrejas evangélicas.
A
questão da pluralidade, reitera o pesquisador, vem sendo levantada pela “onda
conservadora” protagonizada pela bancada evangélica no Congresso Nacional, com
pautas como a “cura gay”. “É essencial para barrar essa onda capciosa de
transformar assuntos de debates gerais que contemplem todos os
eleitores/cidadãos, em vez de transformar o debate nem regime teocrático
cristão, de ‘os salvos versus os condenados’”.
+SAIBA
MAIS
+ O
baixo índice de representatividade dos que se declaram pertencentes aos cultos
afro-brasileiros na política ocorre por preconceitos criados historicamente no
país desde os tempos da colonização portuguesa.
+ No senso comum,
esses cultos são associados ao mal, à bruxaria, e o fato de ter entre
praticantes grupos sociais (negros e índios) que foram escravizados e que se
encontram em situação econômica inferior agrava a aceitação.
+ Umbanda é uma
religião eminentemente brasileira, com doutrina própria. Não é a única, pois
existem outras, como o Vale do Amanhecer, Santo Daime e Igreja Universal do
Reino de Deus.
+ A Umbanda foi criada
em 15 de novembro de 1908, na então capital do Brasil Rio de Janeiro, por Zélio
de Moraes, que chegou a ser eleito vereador de São Gonçalo, em 1924, mas que
abandonou a política em 1929.
+ A Umbanda, nos anos
1930, se consolida como parte da “identidade brasileira”, construída na Era
Vargas, com os prenúncios da democracia racial, defendida nacionalmente pelo
sociólogo pernambucano Gilberto Freyre.
+ Os Orixás na Umbanda
passam por um processo de “embranquecimento”. É nesse momento que surgem
representações de Yemanjás brancas e o sincretismo com santos da Igreja
Católica, também brancos, como Jesus na figura de Oxalá.
+ Já no Candomblé é,
desde sua formação, de povos afrobrasileiros (negros), e por isso é mais
excluída. É fruto de uma junção de práticas religiosas de várias nações
africanas, como Jeje, Angola, Banto, Nagô, Ketu.
+ Entre as diferenças
entre Umbanda e Candomblé está o fato de no Candomblé ser permitido a
sacralização de animais por meio de sacrifícios, a definição mais clara de
hierarquia e o vestuário branco.
+ Outra Religião negra
pouco conhecida no Brasil é o Islamismo, trazido por escravos negros durante a
Colônia (1500-1808) e o Império (1822-1889). Escravos letrados liam os textos
originais em árabe e alguns contribuíram com a Revolta dos Malês (1835), em
Salvador.
+ Nos anos de 1930, no
Estado Novo, houve uma perseguição sistemática às religiões afro indígenas
brasileiras. Templos foram invadidos e seus praticantes presos e torturados.
Objetos sagrados foram levados e transformados em peças de museu.
Fonte: prof. Dr.
Erisvelton Sávio S. de Melo (NEPE-PPGA e LACC – UPE).
Alexandre L’Omi L’Odò
Historiador e Mestrando em Ciências da Religião
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com
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