sexta-feira, 29 de julho de 2016

Cavando espaço político

Alexandre L'Omi L'Odò. Foto de Brenda Alcântara.

Cavando espaço político

Religiões afro-descendentes querem representantes dos terreiros nas casas legislativas para combater intolerância religiosa

Tércio Amaral
Tercioamaral.pe@dabr.com.br

Matéria do Diario de Pernambuco, de 14/02/2016 (Domingo), Caderno Política, página b5. Matéria de página inteira.

O ambiente abandonado, repleto de verde em suas ruínas, agrada aos Orixás, que recebem do cachimbo as primeiras fumaças de uma conversa no fim de tarde. O encontro marcado no Nascedouro de Peixinhos, antigo matadouro do bairro periférico de Olinda, tem um motivo: o terreiro é um lugar sagrado e muitas vezes não compatível com determinadas atividades, como entrevistas.

O sacerdote e juremeiro Alexandre L’Omi L’Odò tem pressa. Quer fazer justiça a uma ausência que vem desde os tempos do Brasil Colônia (1500-1808): a participação de pessoas ligadas a cultos afro-brasileiros na política. A decisão do juremeiro, que será candidato a vereador em Olinda pelo PHS, junta-se a de tantos outros no estado do mesmo segmento. Essas candidaturas começam a ganhar espaço como contraponto à bancada evangélica que cresce a cada eleição nas casas legislativas pelo país e à intolerância religiosa.

Digitalização de Matéria. Diário de Pernambuco, 14/02/2016. Caderno Política, p. b1. Chamada.

Vaidoso, Alexandre não revela a idade, mas quando o assunto é política, o discurso é bem afinado. Nascido na própria localidade de Peixinhos, tem formação em história e faz mestrado em ciências da religião na Unicap (Universidade Católica de Pernambuco). Uma de suas propostas é defender questões que já estão na Constituição Federal de 1988, ou seja, em vigor, mas não em prática.

 Digitalização de matéria. Diario de Pernambuco. 14/02/2016. Caderno Política. P. b5.

“Caso seja vereador de Olinda, vou propor a retirada do crucifixo do plenário da Câmara (Municipal) e a retirada de quadros de pseudo-heróis que atentaram contra o povo negro”, diz, ao se referir ao quadro de Bernardo Vieira de Melo, conhecido como carrasco de Zumbi dos Palmares. O dia da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro em homenagem ao quilombola, morto nessa data em 1695.

“Não vou pregar a intolerância, mas defender uma educação plural, sem o ponto de vista tradicional do cristão branco conservador. Pretendo dar protagonismo aos negros na nossa história e fomentar esse debate da pluralidade”, argumentou.

Assim como Alexandre, Edson Axé, 48 anos, é candomblecista e será candidato a vereador, mas no município de Recife.Seu partido é o PT. “Independentemente de qualquer eleição, nós já fazemos palestras em bairros e RPAs da capital, além de faculdades. A grande questão é o racismo, pois tanto o Candomblé quanto a Umbanda são religiões de raízes negras”, argumenta Edson Axé, que é estudante de direito e formado em gestão de pessoas.

Já o artista popular de Goiana, na Zona da Mata Norte de Pernambuco, Serginho da Burra, que também será candidato pelo PT no município, adota o discurso de “contra-corrente”. Serginho, que é historiador, diz que muitos dos ataques sofridos em terreiros recentemente em são provenientes de grupos evangélicos neopentecostais.

“Esse grupo se organiza na política e quer que as pessoas sigam a doutrina deles. Está na hora de nosso povo se politizar. Quem sabe no futuro teremos um partido prórpio?”, planeja o pré-candidato a vereador em Goiana.

Pesquisador defende pluralidade

O pesquisador da Universidade de Pernambuco (UPE), Erisvelton Sávio de Melo, que concluiu o doutorado em antropologia no ano passado sobre ciganos, na UFPE, defende a pluralidade entre os representantes da política. Na sua avaliação, as candidaturas de segmentos religiosos marginalizados nestas eleições contribui para resgatar uma dívida histórica de grupos discriminados.

“O fato de haver representantes políticos desses segmentos religiosos pode ser visto como algo muito positivo, tendo em vista a diversidade das pessoas que compõe as identidades brasileiras. Identidades essas que parecem estar sendo homogeneizadas no quisito religioso sobre a égide cristã”, desse Erisvelton. No Recife, por exemplo, em um mapeamento realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social, foram identificados 1,261 terreiros em 2010. Nenhum deles está articulado politicamente, com representantes eleitos, diferentemente das igrejas evangélicas.

A questão da pluralidade, reitera o pesquisador, vem sendo levantada pela “onda conservadora” protagonizada pela bancada evangélica no Congresso Nacional, com pautas como a “cura gay”. “É essencial para barrar essa onda capciosa de transformar assuntos de debates gerais que contemplem todos os eleitores/cidadãos, em vez de transformar o debate nem regime teocrático cristão, de ‘os salvos versus os condenados’”.

+SAIBA MAIS
+ O baixo índice de representatividade dos que se declaram pertencentes aos cultos afro-brasileiros na política ocorre por preconceitos criados historicamente no país desde os tempos da colonização portuguesa.

+ No senso comum, esses cultos são associados ao mal, à bruxaria, e o fato de ter entre praticantes grupos sociais (negros e índios) que foram escravizados e que se encontram em situação econômica inferior agrava a aceitação.

+ Umbanda é uma religião eminentemente brasileira, com doutrina própria. Não é a única, pois existem outras, como o Vale do Amanhecer, Santo Daime e Igreja Universal do Reino de Deus.

+ A Umbanda foi criada em 15 de novembro de 1908, na então capital do Brasil Rio de Janeiro, por Zélio de Moraes, que chegou a ser eleito vereador de São Gonçalo, em 1924, mas que abandonou a política em 1929.

+ A Umbanda, nos anos 1930, se consolida como parte da “identidade brasileira”, construída na Era Vargas, com os prenúncios da democracia racial, defendida nacionalmente pelo sociólogo pernambucano Gilberto Freyre.

+ Os Orixás na Umbanda passam por um processo de “embranquecimento”. É nesse momento que surgem representações de Yemanjás brancas e o sincretismo com santos da Igreja Católica, também brancos, como Jesus na figura de Oxalá.

+ Já no Candomblé é, desde sua formação, de povos afrobrasileiros (negros), e por isso é mais excluída. É fruto de uma junção de práticas religiosas de várias nações africanas, como Jeje, Angola, Banto, Nagô, Ketu.

+ Entre as diferenças entre Umbanda e Candomblé está o fato de no Candomblé ser permitido a sacralização de animais por meio de sacrifícios, a definição mais clara de hierarquia e o vestuário branco.

+ Outra Religião negra pouco conhecida no Brasil é o Islamismo, trazido por escravos negros durante a Colônia (1500-1808) e o Império (1822-1889). Escravos letrados liam os textos originais em árabe e alguns contribuíram com a Revolta dos Malês (1835), em Salvador.

+ Nos anos de 1930, no Estado Novo, houve uma perseguição sistemática às religiões afro indígenas brasileiras. Templos foram invadidos e seus praticantes presos e torturados. Objetos sagrados foram levados e transformados em peças de museu.

Fonte: prof. Dr. Erisvelton Sávio S. de Melo (NEPE-PPGA e LACC – UPE).

Alexandre L’Omi L’Odò
Historiador e Mestrando em Ciências da Religião
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

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