Festa da Lavadeira, raiz que vem do mar!
O maior evento/festa de cultura popular, tradicional e de terreiro de nosso Estado é sem duvida a Festa da Lavadeira.
Nesta poderosa reunião de diversos segmentos da cultura brasileira surge o Axé do Orixá Iyemojá como o agregador de todas as cores, etnias, pensamentos, lutas, amores e transcendências. Percebe-se que o Axé deste Orixá quebra barreiras e reorganiza todo um povo que historicamente foi apartado e ceifado de sua cidadania plena e de seu direito de colocar-se no cenário cultural, como atrações e manifestações de valor estético plausível. Este recalque chama-se racismo histórico, intolerância e pré-conceito de uma sociedade embranquecida pelos fatos e planos históricos que conhecemos bem.
Mestre Galo Preto cantando para um público de mais de 10 mil pessoas. Foto de Mariana Lima.
A idéia de transformar um terreiro de candomblé em um ponto que emana agregação entre povos do mundo é o confronto com a antiga idéia de que no período do escravismo brasileiro era plano para destruir estes povos negros que, aqui em nossas terras, foram submetidos a um processo de separação familiar, étnica e cultural. A Festa faz o caminho inverso, agrega, chama pra junto, reafirma amizades, congrega os povos. Isso é muito forte e revolucionário, porque disso emana a esperança de uma nova era para o povo que tem no sangue e na pele o registro da riqueza ancestral da cultura. A Lavadeira é instrumento dos Orixás, Mestres, Mestras, Caboclos, Exús e Trunqueiros, no resgate do que no passado foi vilipendiado pelo sistema de dominação dos povos da Europa, e por isso merece respeito de toda sociedade, que ainda não reparou os danos históricos que a grande maioria deste país sofreu. A Lavadeira também é reparação!
Gira de Candomblé para Iyemojá dentro do Terreiro da Lavadeira
Não percebemos a Festa como território do “sagrado” e do “profano”. Vai muito além disso. Nela, tem a própria transcendência da polissemia sagrado e não sagrado, profano e não profano. A Festa é o território da experiência da transcendência completa das linguagens, onde as pessoas vão para reverenciar a vida em sua totalidade, a vida que veio da água, a vida que está na natureza e em tudo, quase uma concepção deísta de mundo, coisa rara hoje no nosso universo, que ainda insiste em separar o sagrado do compreendido como não sagrado, na Festa, é mais...
Iyemonjá a grande homenageada reina absoluta como a grande iyá dúdú ti ara ayé (Mãe negra do povo da terra), que com seu Odú verdadeiro de Mãe abre os braços para mais de 20 mil pessoas de diversas tribos, diversos segmentos, diversos pensamentos, diversos gostos, abre os braços para a diversidade cultural enfim.
Público.
Como o Estado pernambucano e os empresários não enxergam isso? Por que acabar com essa Festa? Isso logo nos remete ao pensamento do período colonial, onde o negro e o índio não podiam tocar seu tambor, fazer seus rituais, viver em liberdade... Liberdade essa que com as atitudes tomadas no espaço o Paiva, onde acontece a Festa, se apresentam de forma assustadora, com uma suposta “privatização da praia”, dos espaços legalmente públicos, como atesta nossa constituição sobre o uso público das praias. públicos... Nossa, onde estamos, na colônia de novo?
Isso tudo é muito perigoso. Esta situação ressuscita os fantasmas do passado, do tempo que o poder dos ricos e da Igreja imperava sobre os “sem espírito” nas terras de “ninguém”. Absurdo em todos os âmbitos, não há argumentos que justifiquem o processo para destruir esse evento, a não ser o racismo, coisa que infelizmente compões nossa sociedade e que aflora todos os dias. Muitas vezes tal racismo toma proporções tão grandes que somente os olhos azuis podem enxergar com naturalidade, pois no passados de seus ancestrais isso tudo era natural, matar, acabar, destituir a liberdade, ceifar a alma sem pena...
Sabemos que nos discursos mais recentes, os gestores públicos alardeiam sobre a implementação de políticas públicas para Promoção da Igualdade Étnico “Racial”, portanto, onde estão os órgãos que eram pra intervir neste caso? Na verdade, não existem em Pernambuco de fato, pois sequer uma secretaria foi pensada no plano de governo atual. Isso também revela a face do nosso Estado.
Mas não se iludam, Iyemonjá Ogunté (àquela que possui Ògún) protege Eduardo Melo, o idealizador da Festa da Lavadeira. Ele sempre foi instrumento desta divindade. Esperamos e confiamos que a justiça se coloque contra o racismo, a exclusão, a arbitrariedade, e também contra a repetição da história dos poderosos que massacraram e massacram os “miseráveis”.
As raízes vêm do mar... 25 anos de tradição é a afirmação de que a cultura popular junta tem força, assim seguiremos.
Malunguinho está de ronda na Jurema, nas fronteiras com seus Estrepes!
Salve o povo e a cultura que é nossa. Fé e irmandade!
Olinda/Recife 22 de Abril de 2011
Alexandre L’Omi L’Odò
Pesquisador, Produtor Cultural, Músico, Sacerdote Iyawò e Juremeiro.
João Monteiro
Historiador, Especialista em Preservação de Patrimônio, Sacerdote Iyawò e Juremeiro.
QCM.
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Como uma "filosofia de vida" pode mudar uma vida? Esta pergunta é por si só um paradigma complexo, que comporta a consciência do homem e mulher que aceita por motivos diversos estas "filosofias" e, também os esquemas de dominação de mentes. Poucas pessoas param para pensar sobre estas propostas e discursos, pois a filosofia ainda é pouco estudada e aprofundada por nós, dando-nos fragilidades em enfrentar e avaliar estas propostas de forma aprofundada e madura.
Nesta tele-reportagem, poderemos confrontar e comparar esses discursos interessantes: o dos evangélicos neopetencostais e, o dos grupos e artistas das culturas tradicionais, que são pertencentes a um conceito de mundo norteado pela compreensão cosmológica afro-indígena. Separei algumas frases para vermos o quanto é diferente o discurso e, como são adversas as críticas de um para o outro, na verdade dos evangélicos para os grupos e artistas não cristãos como eles.
Decidi fazer esta postagem para expor esses discursos, na intenção de provocar uma reflexão maior sobre o tema, portanto, decidi transcrever alguns depoimentos importantes da reportagem, pra que possamos analisar de forma mais fácil o que ambos personagens dessa matéria falam e refletem. Minha intenção é que possamos conversar sobre o que percebemos nas linhas vindouras...
Observem as falas:
“Tem gente que chega aqui viciado na bebida, agente orou, a pessoa aceitou e hoje não é mais... não bebeu, está aqui na Igreja a muitos anos, dá bom testemunho, por que Deus ainda opera nesse tempo né?!