Dona Laura. Juremeira e Iyalorixá da comunidade do Pina no Recife. Uma das "mães do Pina". Foto de Marcelo Curia. MDS. Acervo do Mapeamento dos Terreiros 2010.
Povo
de Terreiro e Política – Onde estão nossos votos?
Inspirado pela leitura do livro “Os votos de
Deus”, que faz uma análise das implicações da crescente presença eleitoral e
parlamentar dos evangélicos na política desde de 2002, e também por ter sido
candidato no pleito deste ano, vivenciando pela primeira vez esta experiência
surpreendente, me debrucei a escrever este “artiguete” sobre o povo de terreiro
e sua participação (ou tentativa de participação) na política eleitoral em 2016.
As provocações realizadas e o conteúdo presente no texto do prof. Dr. Joanildo A.
Burty e da profa. Dra. Maria das Dores C. Machado me incentivaram a propor com
estas linhas escritas uma inicial reflexão crítica sobre os resultados do dia
02 de outubro e seus impactos para nosso segmento a partir de uma ótica pessoal
minha, “linkada” com as conversas realizadas com amigos e amigas de luta sobre
o tema. Isso para dar uma contribuição nesta pauta para o futuro do povo de
Terreiro.
"O Povo de Terreiro presta pra alguma coisa?"
“Onde
estão nossos votos?”:
Ao confirmarmos os resultados gerais das
eleições 2016 para vereadores e vereadoras, prefeitos e prefeitas pudemos
observar em Pernambuco que nenhuma das candidaturas do povo de terreiro ou de
representantes de outras comunidades tradicionais como quilombolas, indígenas
etc. tiveram sucesso.
Ouvi muitos comentários sobre, como por
exemplo: “O povo de terreiro é traíra”, “Povo de terreiro não vota”, “esses
pais de santo só têm o voto deles pois não tem moral dentro de suas próprias
casas”, “Não confio nos terreiros”, “já fui enganado pelos terreiros”, “o povo
de santo é falso”, “esse povo de terreiro vende voto barato”, “temos que
trabalhar e lutar por esse povo apenas pra ganhar o direito de comprar seus
votos”, “o povo de terreiro só quer a velha forma de fazer política – vender seu
voto barato”, “vocês são muito desorganizados”, “qualquer 50 reais de flores
compra o voto dos pais de santo”, “não apoio mais essas bichas”, “esses
terreiros não têm vergonha na cara”, etc.
Ouço e tento fazer um exercício interno de
paciência para tolerar as opiniões agressivas dos que se sentiram de alguma
forma traídos ou vilipendiados por terem investido nos terreiros e não tiveram
resposta em votos e apoio nas campanhas. Ouvir e calar é difícil. Porém quando
dá, faço minha intervenção tentando ser o mais coerente possível com a pessoa
desolada por ter perdido... Afinal neste caso cabe muito mais uma atitude
educativa do que um bate boca descabido com uma pessoa já magoada e revoltada
com os fatos que alega.
Perante a tudo isso algumas reflexões para
Povo de Terreiro se fazem pertinentes: Até quando vamos ficar nas sombras? Até
quando não vamos eleger com força e unidade os nossos candidatos e candidatas
do axé, da jurema, da umbanda, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, etc.?
Essas perguntas merecem resposta coletiva
nossa. Afinal, tudo isso é responsabilidade do nosso povo, pois somos nós que vamos
ficar mais 4 anos sem representação política eleita nas câmaras municipais e
nas prefeituras. Isso é um absurdo! Isso é preocupante perante ao avanço feroz
dos e das fundamentalistas eleitos e eleitas. Observe em Recife quem foi a
candidata mais bem votada perante a todas e todos os vereadores(as). Temos que
estar alerta. Enquanto não nos organizamos e votamos certo, os inimigos da
democracia e da laicidade ganham poder.
Candidatos
e candidatas votados:
Foram vários os candidatos e candidatas de
nosso segmento que encararam as urnas no último dia 02 de Outubro. Citarei
alguns e algumas:
1
- Oscar Paes Barreto – Recife/PT – 5.533 Votos
2
- Pai Missinho de Oxalá – Olinda/PT – 411 Votos
3
- Mãe Mery – Camaragibe/PDT – 265 Votos
4
- Juarez Pé no Chão – Abreu e Lima/PMN – 238 Votos
5
- Pai Israel – Palmares/PCdoB – 148 Votos
6
- Pai Véu – Paudalho/ - 145 Votos
7
- Cláudio Pinho – Camaragibe/PT – 74 Votos
Candidatas sem
votação no site:
8
- Mãe Lucia Yatemi – Catende/PRP – (Não foi registrada a votação no site)
9
- Mãe Adriana de Oxum – Jaboatão dos Guararapes/Solidariedade - (Não foi
registrada a votação no site)
Candidatos preteridos
pelo próprio partido:
10
- Alexandre L’Omi (que teve sua candidatura preterida pelo próprio partido e
não pode prosseguir) – Olinda/PT
11
- Serginho da Burra (que sofreu golpe e não pode prosseguir) – Goiana/PT
12
- Edson Axé – Recife/PT (que sofreu golpe e não pode prosseguir)
Infelizmente nenhum e nenhuma teve sucesso. Pudemos
ver casos de pouquíssima votação... E o caso de Oscar Paes Barreto que teve uma
excelente votação mas não conseguiu chegar devido a sua legenda.
Pré-história
política do Povo de Terreiro em Pernambuco:
Esta triste sina se repete há décadas, e nos
cabe aqui fazer uma pré-história/memória política do povo de Terreiro em
Pernambuco. Estes casos de fracassos se repetem consecutivamente há décadas.
Temos como iniciante nesta luta o hoje Dr. Advogado Procurador Federal Edvaldo
Ramos que na década de 1980, ainda comungando do convívio e parceria de Badia
do Pátio do Terço saiu candidato à vereador em Recife por um partido de direita
e não foi eleito. Temos o exemplo histórico do antológico Pai Edu de Olinda,
que na década de 1990 (creio que no ano de 1994, a confirmar) foi candidato à
vereador em sua cidade pelo PMDB apoiando a ex prefeita Jacilda Urquisa, e
também não foi eleito. Outros casos tiveram o mesmo infortúnio, como por
exemplo a candidatura à vereadora da hoje advogada e Iyábasé Vera Baroni no
início dos anos 1990 (quando ainda não era iniciada no Orixá e representava o
segmento da Saúde e do Movimento Negro). O hoje Ogan Edson Axé em 1998 foi
candidato à Deputado Estadual pelo PSTU e em 2000 foi candidato à vereador em
Recife pelo PT (nos tempos que ainda não era iniciado no Orixá Xangô nem na
Jurema Sagrada e representava o segmento da Polícia Militar e Movimento Negro),
ele também não foi eleito em nenhuma das duas instâncias. Já na década de 2000,
tivemos algumas vezes a candidatura para vereador de Ivo da Xambá, que em
algumas oportunidades colocou seu nome na luta política por partidos diversos,
e não foi eleito em nenhuma das tentativas. Ainda temos a candidatura nesta
mesma década do Mestre Afonso do Maracatu Leão Coroado em Olinda, babalorixá e
grande mestre maracatuzeiro tradicional saiu candidato pelo PT e também não foi
eleito. Ainda, tivemos temos o nome de Júnior Afro, ou Lindivaldo Júnior Leite,
que foi candidato pelo PT em Recife já nos idos de 2010 e teve a sina dos seus
antecessores. Por último, tivemos Oscar Paes Barreto que concorreu o pleito de 20014
pelo PT à deputado estadual e também não foi eleito.
Essa pequena linha histórica que revela a
trajetória de luta político-partidária de nosso povo nos alerta para que pelo
menos há 46 anos lutamos e não conseguimos vitória nas urnas. Não conseguimos
eleger nenhum representante nosso e isso é motivo para reação!
Quais
motivos?
Quais motivos reais podemos alegar para
justificar nossos consecutivos insucessos nas eleições? Incompetência? A velha
alegação de que fomos desde África separados e isso se reflete até hoje na
nossa ausência de coesão e respeito mútuo? Que somos pobres e não conseguimos?
Que somos despeitados uns com os outros e por isso não crescemos? Que nosso
povo não tem voto? Poderia passar horas aqui tentando arrumar argumentos para
justificar esta situação, mas prefiro focar em uma proposta de reflexão.
Em primeiro lugar devemos parar de nos vitimizar.
Hoje estamos em outro nível de diálogo com a sociedade e temos conquistado
espaços de visibilidade e respeito nos últimos anos da gestão do PT na
presidência da república. Isso nos garantiu em um período histórico de 13 ou 14
anos alguns avanços consideráveis que já nos fortalecem para termos maior
maturidade neste debate e luta.
Em segundo lugar, nós temos votos sim! E
muitos. Em 2010 foram mapeados 1261 terreiros em Recife e RM - Região
Metropolitana, mostrando pela primeira vez em amplo espaço de divulgação
(internet e livros) onde estamos, quem somos, quantos somos e o que produzimos
na perspectiva da segurança alimentar. Hoje somos muitos mais, ao passar desses
últimos cinco anos da pesquisa, e creio que isso nos favorece e fortalece
politicamente.
Esta pesquisa foi realizada através de um trabalho
muito sério da instituição Filmes de Quintal, MDS – Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome e UNESCO. Fui um dos pesquisadores de
campo e vivenciei profundamente a visita de inúmeras casas e terreiros em toda
RM. Pra se ligar e saber sobre o mapeamento visite o site: http://www.mapeandoaxe.org.br/ lá
tem o registro geral de todas as casas/terreiros.
Se fizermos um simples cálculo matemático
podemos pegar 1261 terreiros e multiplicar por 20 votos (quantidade mínima que
um terreiro tem de participantes. Sabemos que existem terreiros que tem 200 filhos(as)
ou mais...). Teremos o resultado de 25.220 (vinte e cinco mil duzentos e vinte)
votos. Com isso já elegeríamos um ou uma deputada estadual por uma coligação
mais baixa no coeficiente. Isso só com os votos da RM, imagine se fossem com os
demais terreiros da Zona da Mata ao Sertão que ainda não foram mapeados e dos
quais sabemos que são inúmeros?! Teríamos muitos e muitos votos para elegermos
alguns representantes nossos...
Faço essa provocação para termos noção de
como não valorizamos nosso potencial político e nossos votos. Nos alienamos
fácil demais e nos dividimos fácil demais. Eu pude vivenciar na prática em
Olinda o quanto o Povo de Terreiro tem baixa estima consigo próprio. O quanto
não acredita que é possível. O quanto ainda se comporta de forma imatura
perante assuntos de interesse vital para nossa classe. Entendo que somos
herdeiros da senzala. Sendo assim, temos inúmeras dificuldades, inclusive de
formação educacional etc. Também compreendo que estamos em processo de formação
política ideológica. Passamos muitos séculos sem nos comunicar e nos
fortalecer... Mas mesmo assim acredito que podemos em curto prazo de tempo
mudar esta realidade.
Temos que deixar de apoiar políticos que
prometem o mínimo para nosso povo. Chega de negociar por baixo, chega de
negociar “carguinhos”, chega de baixar a cabeça para os partidos e pessoas que
nos subestimam. Não podemos ser massa de manobra!
Temos que rejeitar os falsos favores. Os Toldos,
mesas e cadeiras, tijolos, reforma da casa, animais para os rituais de
imolação, cestas básicas, confeitos para o Cosme e Damião, cotas financeiras
para as festas, ônibus para levar as cestas de Oxum e panelas de Iyemojá etc.
Precisamos dar uma excelente resposta nas urnas nas próximas eleições e termos
um ou uma representante nossa sentada em uma cadeira de destaque para nos ouvir
e construir conosco o futuro que queremos.
Espero que nosso povo preste para alguma
coisa sim! Que não sejamos apenas massa de manobra dos senhores e senhoras da
casa grande. Que possamos levantar a cabeça e afirmar que não somos traíras,
que não somos falsos, que não nos vendemos barato, que temos representatividade
sim e que sabemos o que queremos para a política! Temos que afirmar que já
temos em quem votar. E dizermos que nossos representantes tem trajetória e
contribuição efetiva na luta de nosso povo. Pois também não nos serve
oportunistas de terreiro. Ser juremeiro(a), babalorixá, iyalorixá, ekeji, ogan,
abian etc. não justifica uma candidatura defendendo nossa plataforma. Queremos
verdadeiros representantes de nosso Povo, cujo perspectiva corresponda à nossos
anseios. Devemos evitar pessoas manipuláveis e politiqueiras (que sabemos que
existem aos montes dentro de nossa religião).
Já estamos construindo rumos para as próximas
eleições. Nossa Frente Popular Povo de Terreiro pela Democracia vai ficar mais
forte e vai avançar. Afinal, merecemos respeito e temos que ter urgente representação.
Futuro
I Plenária Povo de Terreiro e Políticas Públicas. Foto de Úrsula Freire.
No último dia 05 de agosto de 2016 foi
realizada primeira Plenária Povo de Terreiro e Políticas Públicas no Nascedouro
de Peixinhos/Olinda. Uma iniciativa do então candidato à vereador da Cidade de
Olinda Alexandre L’Omi e seu grupo político com apoio de quatro outros
candidatos: Edson Axé, Serginho da Burra, Pai Israel e Juarez Pé no Chão. Esta
plenária teve como principal pauta a discussão das eleições 2016 para o povo de
terreiro, numa perspectiva de fortalecer os candidatos na visibilidade e na
caminhada da campanha de cada um. Foi o primeiro momento na história de nosso
povo que tivemos um evento com este objetivo, onde pudemos ouvir as propostas
de todos e todas, onde pudemos avaliar os caminhos e as formas de agir no campo
político e também analisar os rumos que deveríamos tomar daquela data em
diante. Foi fundada por proposta de Alexandre L’Omi a Frente Popular Povo de
Terreiro pela Democracia, na perspectiva de continuar esta discussão após as
eleições e fortalecer um grupo político para enfrentar as urnas em 2018 e 2020.
Vera Baroni foi a responsável pela conferência magna da tarde e trouxe
fundamental conteúdo para contribuir em todo nosso contexto político e
histórico. Foi lançada ainda a campanha “Quem é de Terreiro Vota em quem é de
Terreiro”, proposta também de L’Omi.
Matéria do Jornal Folha de Pernambuco de 06 de Agosto de 2016. "Espaço para o 'povo de terreiro'".
Candidatos organizadores da Plenária. Da esquerda para a direita: Juarez Pé no Chão, Pai Israel, Edson Axé, Alexandre L'Omi e Serginho da Burra. Foto de Paulinho Filizola.
O evento foi transmitido ao vivo pela
internet e futuramente será publicado em suporte impresso e integralmente nas
redes sociais para que nosso povo possa ter acesso a todo conteúdo que foi debatido
neste momento histórico.
#QuemédeTerreiroVotaemquemédeTerreiro!
Salve a Jurema Sagrada
Axé
Nguzo
Saravá
Sobô Nirê Mafá
Fonte
JOANILDO, A. Burity, MACHADO, Maria das Dores
C. Os votos de Deus: evangélicos, política
e eleições no Brasil. Recife, Fundação Joaquim Nabuco. Ed. Massangana, 2006.
Contribuições
Historiador João Monteiro
Jean Pierre
Alexandre L’Omi L’Odò
Historiador e Mestrando em Ciências da
Religião
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com