sexta-feira, 3 de junho de 2022

A chama sagrada da fogueira dos Senhores Mestres do Acais

 

Membros da Casa das Matas do Reis Malunguinho celebrando o primeiro reacender da fogueira do São João do Acais. 16 de junho de 2019. Foto de Henrique Genecy.

A chama sagrada da fogueira dos Senhores Mestres do Acais 

Em 2019 recebemos um forte chamado espiritual vindo do Acais. Eu e minha família de ciência e axé, alguns de meus filhos e filhas, decidimos fazer uma humilde celebração ao São João do Acais, do qual estava há mais de 61 anos apagada sua fogueira e rituais espirituais pós morte do grande mantenedor da Festa dos Senhores Mestres, o Sr. Flósculo Guimarães, falecido em janeiro de 1959.

Desde 2007, eu e membros do Quilombo Cultural Malunguinho visitamos e realizamos atividades de reconhecimento, fortalecimento e salvaguarda do Acais e sua memória. A partir destas ações, foi conferido ao local maior visibilidade, demarcando o território como local de preservação da memória juremeira, indígena e africana, consequentemente, isso deu visibilidade aos demais terreiros de Alhandra, naturalmente. Colocamos no mapa dos povos tradicionais esse local histórico, que antes de nossas ações, não era lembrado absolutamente por quase ninguém. Inúmeras foram as ações, em especial a de 2008, o Primeiro Encontro de Juremeiros em Alhandra (ver o registro em audiovisual: https://www.youtube.com/watch?v=lbu3zH5DfBs&t=165s), protagonizado por nós e a Associação Yorubana do saudoso professor Eduardo Fonseca Júnior, onde pudemos inaugurar a restauração patrocinada financeiramente por nós, da Capela do Mestre Zezinho do Acais, que recebeu uma placa especial demarcando o ato, posteriormente depredada e retirada do local intencionalmente. 

Placa inaugurada na ocasião do primeiro Encontro de Juremeiros em Alhandra, realizado pelo QCM - Quilombo Cultural Malunguinho e Sociedade Yorubana do RJ. Sempre na luta pelo reconhecimento da História do Povo da Jurema. 2008. Foto de Mariana Lima.

No intento de reacender a fogueira dedicada à São João, levamos madeiras, comidas juninas, bebidas, Jurema, o fole consagrado de Diviol Lira, zabumba e triângulo para celebrarmos os antigos tempos que não vivemos. Os antigos tempos das grandes festas do Acais, onde Dona Maria, grande nome da história do catimbó, junto com seu filho Flósculo celebravam com toda comunidade local a chegada dos mestres e mestras das Cidades da Jurema para juntos batizarem pessoas, celebrarem casamentos e realizar a maior festa anual dedicada aos espíritos daquele Estado Mestre de Jurema – o São João. 

Túmulo do Mestre Flósculo Guimarães. Foto de Henrique Genecy. 2019.

A Igrejinha, é um templo dedicado especialmente à São João, foi construída com muito zelo por Flósculo, que administrava toda terra de sua mãe. Fundada em 1932, foi pouco vivenciada por Maria do Acais, que faleceu em 1937. Contudo, durante longos anos, seu filho levou à frente o festejo. É muito intrigante hoje em dia não haver quase nenhum culto à Flósculo, tendo sido ele a figura de maior importância do local depois de sua mãe. Essa lacuna carece de maiores debruçamentos sobre a figura desta grande personagem da história do povo da Jurema. 

Por trás da igrejinha, está o túmulo do mestre, feito em concreto, no formato de um grande tronco de Jurema, sobrevivendo ali ao tempo, demarcando a memória desse que foi sem dúvidas um dos maiores preservadores das terras, da agricultura e da ciência daquele local. Em procissão até as escadarias, seguimos iluminados pelos candeeiros, já que no local não há energia. Em um dia de chuvas assustadoras em Pernambuco e Paraíba, não perdemos a fé e fomos com amor ao sagrado inaugurar o que é para nós, a tradição dos senhores mestres de nossa Casa, uma tradição recém parida, mas cumprida com rigor há 4 anos (2019-2022). Ali entoamos cânticos sagrados da Jurema, pedimos muita licença à todos encantados do local e aos donos da terra, os índios Arataguy, e tocamos, entregamos algumas oferendas, firmamos velas e nos abrimos para ouvir os bons recados vindos dos ventos espirituais. Tivemos muitas surpresas dos encantos, lindos recados de confirmação surgiram e a presença espiritual de inúmeras entidades foram sentidas na pele. “A Jurema fala, os saberes falam”, e assim foi... Falou e nos encantou com as descobertas que fizemos.

Soltando fogos em celebração aos Senhores Mestres do Acais. Foto de Henrique Genecy. 2019.

Decidi postar parte dos lindos registros feitos pelo fotógrafo Henrique Genecy, deste momento que ficou eternizado nas nossas almas. Aqui, segue um pouco deste ato religioso tão especial e histórico para nós. Temos muito o que agradecer ao Reis Malunguinho, que nos guia e nos fortalece à cada dia no caminho da luz, no caminho do amor e da fraternidade. Agradecemos também ao Mestre Flósculo Guimarães que é um exemplo à ser seguido e à sua mãe, Dona Maria do Acais, nome maior na constelação daquele lugar sagrado. 

A fogueira do Acais foi re-acesa. A chama aquece o “coração daqueles que estão ali”. Essa foi nossa missão cumprida. Continuamos firmados. Salve os Senhores Mestres e Senhoras Mestras. O fogo que queima, ilumina o Estado maior. 

Que nunca deixemos se apagar a verdadeira memória da Jurema. 

Para ler mais sobre O reacender da fogueira do São João do Acais, leia artigo publicado por mim na edição especial da Revista Senso, nº 11, onde fui curador geral: https://revistasenso.com.br/jurema/mestre-flosculo-guimaraes-e-o-reacender-da-chama-sagrada-sao-joao-acais/

 Seguem as fotos desse momento histórico:

Início da procissão em direção ao Acais. Foto de Henrique Genecy. 2019.

Caminhando em direção à Igrejinha do Acais. Foto de Henrique Genecy. 2019.

A chegada na frente da Igrejinha do Acais foi uma grande emoção. Repleta de energias e presenças espirituais. Fotos de Henrique Genecy. 2019.

Rumo ao túmulo do Mestre Flósculo Guimarães. Fotos de Henrique Genecy. 2019.

Chegada e realização de orações ao redor do túmulo do Mestre. Tudo iluminado penas por candeeiros. Fotos de Henque Genecy. 2019.

Entregando a coroa de flores feita especialmente para homenagear Flósculo. Foto de Henque Genecy. 2019.

Momento de ofertar as oferendas levadas. Comungando com o sagrado. Fotos de Henrique Genecy. 2019.

Reencontros. Fotos de Henrique Genecy. 2019.

Hora do forró com Diviol Lira e seu fole consagrado. Animando a noite dos Senhores Mestres, como era feto antigamente. Com música e muita comida junina. Fotos de Henrique Genecy. 2019.

Compartilhando o alimento sagrado dos Senhores Mestres. Foto de Henrique Genecy. 2019.

Família da Casa das Matas do Reis Malunguinho. Fotos de Henrique Genecy. 2019.

Antes da saída, um registro coletivo de alguns participantes deste momento religioso. Em destaque a coroa de flores encomendada por Diviol Lira, Cida e família para dedicarmos com amor e carinho ao Mestre Flósculo Guimarães, agradecendo tudo que ele fez pela Jurema. Só gratidão e muita fé. Fotos de Henrique Genecy. 2019. Casa das Matas do Reis Malunguinho.

Alexandre L’Omi L’Odò

Quilombo Cultural Malunguinho

Casa das Matas do Reis Malunguinho

alexandrelomilodo@gmail.com

Quilombo Cultural Malunguinho

Quilombo Cultural Malunguinho
Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!