“Ninguém aqui sabe o que eu faço”
"... o que acontece aqui é que o nosso secretário de Cultura não tem educação, e o de Educação não tem cultura." Naná Vasconcelos
“Ninguém aqui sabe o que eu faço”
Por: Marcella SampaioEle não foi o homenageado oficial do Carnaval Multicultural do Recife, mas sem sombras de dúvida é um dos nomes mais exponenciais do período momesco da capital pernambucana. Há oito anos no comando da abertura da folia recifense, Naná Vasconcelos foi um dos artistas mais reverenciados durante o desfile das agremiações. No Galo da Madrugada, pôde-se ver claramente a importância que o percussionista tem para a cultura local. Presente no evento apenas para brincar, surpreendeu-se ao ser reverenciado por todos os artistas que passaram em frente ao camarote em que estava.
Apesar das homenagens espontâneas, o músico, eleito por sete vezes o melhor percussionista do mundo pela revista americana Down Beat, lamenta só ser lembrado pelos conterrâneos apenas durante o carnaval. Sem mágoas, Naná não vê o caso como discriminação, apenas como um problema cultural que acomete todos os músicos do Estado.
Com senso crítico apurado, o percussionista conta que além de participar da abertura do carnaval a única coisa que faz aqui é se esconder. Ele não é o único e enumera diversos artistas como Lenine, Alceu Valença, Mestre Ambrósio, Nação Zumbi, Cordel do Fogo Encantado que sem ter opção e espaço, deixaram a terra natal para ir morar em outros lugares. “Pernambuco não sabe vender os seus valores. Falta uma visão de mercado para a cultura local, pois a maior parte do que acontece na música brasileira vem daqui, mas os artistas têm que ir morar no Sul para sobreviver. Na Bahia os artistas fazem sucesso em outro canto, mas moram lá. Não temos oportunidade aqui e se ficarmos, morreremos de fome. O ex-governador Antônio Carlos Magalhães costumava dizer nas rádios, ‘você está na Bahia, você tem que tocar música baiana’. Aqui não toca música dos pernambucanos.”
Naná credita a situação aos responsáveis pela coordenação cultural. A solução seria aprender a vender o produto e por em prática uma visão que valorize as tradições locais, mas também tenha cuidado para não descaracterizar os costumes.
O fato é tão lamentável para o percussionista que chega até prejudicar a qualidade do carnaval multicutural, que tem condições de ter um esquema de som mais adequado. “Hoje o carnaval é prejudicado porque a tecnologia é pobre. Eu faço a abertura há oito anos e nunca foi feito um DVD decente para propagar essa multiculturalidade que tanto se fala. Isso acontece porque tem um lado coronel aqui que não nos deixa crescer. Sinto falta de uma visão de mercado que dê condições tecnológicas para as pessoas escutarem bem toda essa miscigenação cultural.”
A situação ficou ainda pior este ano devido à chuva. Apenas na abertura três geradores foram queimados, deixando o palco escuro. Mesmo com os incidentes o percussionista e os 600 batuqueiros deram continuidade ao show. O esforço não foi nem sequer lembrado pelo secretário de Cultura do Recife, Renato L, e causou revolta ao músico. “Ele não teve a sensibilidade de dizer que a coisa ultra-humana fomos nós que ficamos debaixo da chuva para não deixar a abertura desmoronar.”
Mas a situação ainda não está perdida e Naná acredita que para a valorização acontecer é preciso encontrar um jovem que renove o departamento de cultura e turismo, pois em Pernambuco há coisas que são únicas. E quando o assunto é o Estado o músico logo compara as tradições locais às da Bahia e do Rio de Janeiro, os quais não conseguem diversificar.
A Bahia é conhecida apenas pelos trios e para participar é necessário ter abadá. No Rio de Janeiro só há as escolas de samba. O diferencial é que lá eles contam com uma tecnologia de ponta graças aos patrocínios que o percussionista tanto cobra. “Somos multiculturais, fazemos um carnaval espetacular, mas nas revistas nacionais só aparecem os eventos do Rio de Janeiro e da Bahia. Eu acho que o que acontece aqui é que o nosso secretário de Cultura não tem educação, e o de Educação não tem cultura.”
Em uma situação favorável, o músico diz que pode criticar e falar a realidade da cultura no Estado porque não depende do mercado local, já que tem uma carreira de sucesso lá fora. E ainda acrescenta que não adianta nem tentar espaço em Pernambuco porque se for fazer show aqui em um teatro ninguém vai porque o povo está acostumado a vê-lo tocar de graça para multidões. Além do mais ninguém conhece o seu trabalho. “Eu sou um personagem, ninguém aqui nunca ouviu o que realmente faço. Nunca tive a oportunidade de tocar aqui, a primeira vez que me deram foi no Virtuosi, mas nem pude mostrar tudo porque o projeto foi cortado. As pessoas só sabem quem eu sou pelo maracatu, não fazem idéia que eu tenho trabalho solo. Eu posso mostrar a minha arte em São Paulo em outros cantos do mundo, mas não aqui.”
INOVAR É PRECISO
Irreverente, o músico, que sofreu influência da música erudita de Heitor Villa-Lobos e do roqueiro Jimi Hendrix, defende que para um artista se destacar no contexto atual é preciso ter diferencial. A receita para o sucesso é a mistura do eletrônico com o cultural, os dois juntos dão uma coisa original, verde e amarela, como ele mesmo consagra.
Quando o assunto é o cenário brasileiro, o percussionista é enfático ao dizer que tudo é muito parecido. “Temos artistas de qualidade, que sempre tiveram, mas não têm nada de novo. Parece axé que você não consegue saber quem é quem. Todo mundo tem uma voz muito parecida, Ana Carolina parece com a voz de Cássia Eller. Fica tudo muito igual, vira uma moda, um modismo que tem o mesmo tipo de arranjo. Para um novo artista aparecer ele tem que ter uma coisa original, se não fica um lugar comum.”
Desse bolo, Naná destaca alguns que ainda conseguem se diferenciar do todo, entre eles estão Ivete Sangalo, Milton Nascimento, Vitor Araújo, Siba e Dj Dolores. Internacionalmente, ele lembra do nome de Amy Winehouse. “Ela tem uma coisa original, que não é tão tecnológica e parece antiga.”
EXTERIOR AINDA CONTINUA NA PAUTA
Apesar de nunca ter pensando em ir morar no exterior, Naná Vasconcelos conta que as coisas foram acontecendo ocasionalmente. Programado para ir participar do festival Brasil tocando Rio, na capital fluminense, o artista acabou desembarcando na sua carreira pelo mundo afora. Lá conheceu Milton Nascimento e logo depois foi na companhia dele à Argentina. De lá seguiu para Nova Iorque e depois para Paris. Nos últimos dois destinos deparou-se com o sucesso ao descobrir que tinha um algo diferente do que os americanos e europeus estavam acostumados a ouvir.
Apesar de ter passado mais de 10 anos morando no exterior, o percussionista explica que nunca perdeu a identidade e por isso se tornou famoso lá fora. A carreira até hoje é reconhecida e é a fonte que lhe dá frutos. Todo período de primavera/verão, Naná retorna à Europa para realizar uma série de concertos nos festivais.
O músico voltou a estabelecer relações mais próximas com o cenário musical brasileiro a partir da direção artística do festival Panorama Percussivo Mundial (Percpan) em Salvador. “Quando estive no Brasil para dirigir esse evento tomei um susto e vi muita criança na rua. Isso me fez querer fazer alguma coisa. Criei o projeto ABC das Artes e o ABC Musical, mas o primeiro durou um pouco mais de dois anos em Olinda e o outro de vez em quando eu retomo, quando o governo dá oportunidade. Mas, no geral os projetos não deram certo porque ninguém quer realmente tirar crianças da rua. Você vai à Brasília todo mundo aplaude, mas como não tem retorno imediato ninguém quer patrocinar.”
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Muitos criticaram, outros apoiaram as colocações do Mestre Naná Vasconcelos. Eu prefiro dizer que antiguidade as vezes é posto e que concordo com meu Mestre, que sabe o que fala e entende muito bem e com experiência as deficiências de nossa indústria cultural pernambucana, isso é, se existe alguma indústria cultural por aqui!
Alexandre L'Omi L'Odò.
Percussionista - Produtor Fonográfico e Cultural
Sacerdote Iyawò.
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