domingo, 24 de julho de 2011

Uma fala unificada da Jurema Sagrada é possível?

 Mãe Terezinha Bulhões firmando Jurema aos pés da Cidade de Maria do Acaes. Alhandra/PB 2008. Foto de Mariana Lima.*


Uma fala unificada da Jurema Sagrada é possível?
Observações sobre a Jurema e os posicionamentos  de seu povo no 5° Encontro Pernambucano de Mulheres de Terreiro

*Alexandre L'Omi L'Odò. 

Ao participar do 5° Encontro Pernambucano de Mulheres de Terreiro, que aconteceu de 20 a 22 de julho de 2011 no Auditório do Ministério Público de PE, Centro Cultural Rossini Alves Couto, no centro do Recife, pude assistir pessoalmente a uma das falas mais arbitrárias sobre a Jurema que já pude assistir.

No último dia do evento (22/07), na mesa de encerramento que reuniu diversas representações dos segmentos das religiões de matrizes africanas e indígenas, estiveram personalidades como Mãe Nice de Oyá, da Casa Branca do Engenho Velho/BA, e a Makota Valdina/BA, que deram falas surpreendentes neste encerramento. 

Com a falta de representatividades da Umbanda e da Jurema Sagrada na mesa, a coordenadora do evento, Vera Baroni, convidou as mulheres presentes, que fossem destes segmentos para tomar assento. Representando a Umbanda não foi ninguém infelizmente, e para representar a Jurema Sagrada foi a senhora Nice (Aurenice), que é cultuadora da Jurema.

Na fala desta última, pudemos assistir uma retórica das mais arbitrárias possíveis em relação à Jurema e aos seus conceitos teológicos. Mesmo eu sendo muito jovem de idade quanto de idade de iniciação, pude me deparar com uma fala que desconstrói de forma irresponsável um trabalho de mais de sete anos do Quilombo Cultural Malunguinho e dos juremeiros e juremeiras que durante este tempo puderam dar contribuições para o fortalecimento desta religião no cenário político e das discussões teológicas. Mesmo podendo ouvir falas como: "é importante ter falas que criam um contra ponto às já estabelecidas", ou "a fala dela foi diferente, e meio arrogante, mas foi boa", pude perceber que o povo da Jurema, está ainda longe de chegar a uma compreensão do que é de fato esta religião e sua importância no atual cenário das religiões de terreiro.

Sei que as fontes de pesquisa são poucas, e que os antigos Juremeiros e Juremeiras estão falecendo sem deixar os conhecimentos desta religião bem estruturados em seus discípulos, mas nada disso nos impede que possamos buscá-la na essência e podermos construir um entendimento coletivo bem construído no tocante a sua essência teológica e ética, também, à sua história. Estudar a Jurema se faz muito necessário hoje, pois precisamos entendê-la mais, registrá-la mais, para darmos novos rumos e salvaguardarmos o que restou dela.

Falas como "o juremeiro não usa ilú (instrumento para realizar os toques nos terreiros de Pernambuco)", ou que "o juremeiro tem que ter a fumaça circulando em sua cabeça", deixou a platéia de babalorixás e iyalorixás, juremeiros e juremeiras, umbandistas e convidados em polvorosa. Pude ouvir diversos comentários, como por exemplo, o que "ela é louca é?", "ela não sabe de nada...", “ela não é filha de quem ta dizendo", "a fala dela é muito agressiva" etc. Vi pessoas o tempo todo criticando e observando com atenção o que ali naquele momento acontecia... O que mais marcou essa situação toda, foi que ela foi convidada como representante da Jurema de Pernambuco, enquanto mulher. Isso me preocupou muito...

Será mesmo que todos os terreiros de Jurema estão errados em realizarem suas práticas como o fazem estes anos todos? Na fala da senhora Aurenice ficou claro que muitas destas práticas não são coisas de juremeiro ou juremeira. Tiro como exemplo a casa de Mãe Biliu que tem 105 anos de idade e mais de 90 anos de Jurema, que ainda trabalha (recebe em terra) com seu caboclo Manuel de Ororubá. Na casa dela, se toca Ilú na Jurema... Ela usa torso... E pratica a Jurema bem antes, muito tempo antes, de muitos de nós todos. Será que isso não quer dizer nada mesmo? Será que isso não é um indício de que a Jurema tem forma litúrgica? Acho bom refletirmos...

Outra coisa que pude também assistir foi a omissão ou passividade dos juremeiros e juremeiras da Paraíba, que estavam presentes em certa quantidade e não se pronunciaram em nada. Fiquei tentando entender os motivos, mas não pude achar nenhum satisfatório para mim. Pois jamais veria alguém falar de minha religião de forma errônea ou precipitada sem intervir, sobretudo para tentar construir algum entendimento válido às pessoas que ainda não conhecem o culto da Jurema como uma religião. Ainda para que estas pessoas não pudessem levar ou aprender conceitos e informações equivocadas, que não refletem uma realidade contemporânea.

Só não tomei uma atitude de intervenção naquele momento, mesmo tendo descido até a primeira fileira de cadeiras para pedir a fala, porque, respirei algumas vezes para não tornar daquele momento um burburinho com discussões severas sobre as concepções discutidas. Também, não o fiz porque após a fala da Makota Valdina, que de certa forma legitimou a fala da Aurenice, mesmo sem que esta legitimação fosse fundamentada nos conhecimentos sobre a Jurema e sua realidade, fala que ela mesma disse "estamos ainda conhecendo estas religiões e diversidade", tentei me acalmar e deixar em silêncio minhas indignações. Apenas por respeito às mais velhas e mais velhos presentes e ao equilíbrio (paz) do evento como um todo.

Mas, contudo, este ocorrido me deixou muito inquieto e me pôs a refletir sobre a Jurema como uma religião que está de fato perdida entre nós mesmos. Isso é uma infelicidade. Pois o que podemos conferir no dia a dia dessa batalha por fortalecimento e reconhecimento da Jurema como uma "Religião que Merece Respeito", é que o povo da Jurema está ainda em processo lento de discussão sobre suas temáticas todas. Estes mais de sete anos de trabalho do Quilombo Cultural Malunguinho, foram importantes para despertar estas discussões e conferir aos juremeiros e juremeiras uma perspectiva de construção fundamental para o caminhar nesta luta que ainda precisará de muitos anos para se equilibrar, no mínimo.

Olhar e observar é bom. Meus ensinamentos dentro da Jurema são estes: "o mundo só é ruim para quem não sabe esperar", e isso naquele momento me fez refletir e ficar apenas esperando... Olhando os outros e outras, vendo o quanto essa luta é importante para a dignificação de nossos ancestrais, que lá no passado, nas tribos indígenas e nas casas de Jurema construíram uma história de muita força e importância. Este é o tesouro, que devemos cuidar como se fosse um filho ou filha em nossos braços, sem vacilar e deixá-los cair. 

Uma fala unificada e fortalecida do povo da Jurema Sagrada um dia será possível, espero. Mas para isso precisamos discutir sem deixar os egos e as "tradições" nos consumirem e nos cegarem.

E hoje, ao escrever estas linhas lembrei deste segmento de Jurema cantado para invocá-la:

"Cadê a força da Jurema, onde é que ela está? Ta no tronco da Jurema, ta na Cidade Real (...)".

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*Foto que registra um dos últimos momentos em que uma juremeira firma Jurema aos pés da Cidade (árvore de Jurema Preta onde foi firmada a ciência da Jurema de Maria do Acais) de Maria do Acaes em Alhandra na Paraíba. Este registro foi possível através da organização do 1° Encontro de Juremeiros em Alhandra - "Vamos Salvar o Acaes", organizado pelo Quilombo Cultural Malunguinho em 2008. Após este evento, este patrimônio do povo da Jurema foi destruído por tratores pelo dono atual das terras do Sítio do Acaes. Este fato foi um crime histórico à memoria e ao patrimônio material e imaterial da Jurema Sagrada. 

*Alexandre L'Omi L'Odò - Juremeiro e Egbomi, estudante de História pela UNICAP. 

Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

9 comentários:

DanilO MalungO disse...

Eu venho nessas minhas Humildes linhas para parabenizá-lo grade irmão e amigo L'omi, realmente eu concordo em grau e gênero quanto ao que vc falou. realmente eu pude presenciar esse fato no 5º encontro Pernambucano de maulheres de terreiro, eu assim como você também tive a vontade de me pronunciar quanto ao que foi dito pela representante das juremeiras de PE, ela falou absurdos, porem por respeito as mais velhas que ali estavam presentes não quiz me pronunciar, e assim como as Juremeiras da PB, que por sinal minha Juremeira Mãe Joana tbm não se pronuncioou pelo mesmo motivo... eu gostária muito que se fosse organizado congressos, palestras ou encontros de juremeiros para que alguns fatores sejam estudados e descutidos entre nós Juremeiros... Que Deus e o Meu Mestre Malunguinho te Ilumine sempre e te ajude a continuar com esse projeto tão bonito que é o Quilombo Cultural Malunguinho. que como já disse por varias vezes estarei sempre desposto a ajudar em qualquer luta ou conselho.

Sandro de Jucá - Sacerdote Bàbálòórìsá e Juremeiro disse...

Meu irmão pelo que fui informado chegou á ser deprimente esses equivocos postos por essa senhoraAurenice.Uma fala sem nem um contexto liturgico Graças á Deus em ainda não tinha chegado por que essas palavras sõ de uma ignorância cavalar,Essa senhora ja está sendo conhecida por suas atitudes desrespeitosas e préconceituosa além de ser uma pessoa conduzida por futrícas isso não pode ocorrer num evento desta relevância.Que os cordenadores tenham mais responsabilidade em colocar pessoas desse nivél em debates qualificados.Tenho certeza que as Juremeiras e Juremeiros presentes em respeito aos convidados não tomaram atitudes mas enérgicas para conter essas atitudes de extremo mau gosto que é de sempre tomada por essa senhora.Em nome dos cordenadores religioso do QCM tomo essa atitude de repúdio contra essas atitudes , que outros se manifestem contra toda e qualquer atitude de descaracterização da Jurema sagrada

line disse...

estive presente e vi o que aconteceu e as respectivas reações.por não ter escritos as religoes de matrizes africanas e indígenas não tem verdades nas quais acreditar e acho que foi isso q aconteceu.realmente a fala dela foi ovacionada e pelas as outras componentes da mesa não terem argurmentos para questionar....enfim

Quilombo Cultural Malunguinho, Histórico e Divino disse...

O Pior é qeu essa senhora e mais um grupo que ela constantemente se reuni vivem a nos questionar de forma arrogante, ah quem exclame:Parece até que Malunguinho e os Mestres da Jurema passaram procuração para o povo do QCM, elas resistem em aceitar nosso protagonismo, em trazer a luz da Historia e da sociedade o povo da Jurema, fazendo sentar com os academicos sem se sentirem objetos e sim participantes ativos dessa história.
No dizer do Profesor jayro de Jesus, nossa religião é composta por milhares de pessoas que tem baixa cidadania e a não reação a fala daquela citada senhora, traz a tona essa situação, será que grande parte da Rede de mulheres estão sendo massa de manobra? Até quando continuaremos a se calar, o Encontro era de Mulheres acredito qeu o espaço tinah que ser delas totalmente mesmo tendo elas homenageado Homen que não tem uma historia decente com as Mulheres de Terreiro, bom os espaços são para discutir não devemos nos calar a não ser qeu não tenhamos segurança na fala e conhecimento seguro para intervir.
"Quem tem tem, quem não tem vai aprender" Axé, Nguzu Malunguinho!

Alexandre L'Omi L'Odò disse...

Que bom João Monteiro, que vc apareceu nesse debate. postou com o blog do QCM. Axé.

Espero que esse debate seja levado a sério e que a diversidade de opiniões possa aparecer aqui. Sinto sempre falta de muita gente discutindo os assuntos que são importantes na net.

Nguzo Malunguinho.

L'Omi.

João Monteiro disse...

Realmente, a atitude demonstra que somos verdadeiros com a Jurema, os desiquilibrios que qualquer Religião provoca em seus devotos tem que ser resolvidos dentro da Religião, demoramos muito a assumir essa religiosidade e não podemos deixar qeu desiquilibrados e desinformados transforme-a em Esbórnia!
João Monteiro, devoto da Jurema!

morena disse...

é meu irmao assim se ve que nao podemos desisir nunca e cada dia ++ nao deixar a peteca cair .vc e o quilombo cultural malunguinho sao o caminho para nos que estamos iniciando no axe conhecer realmente a verdade!!! nao desistao ,nao noa abandone !!! força e axe!!

Selma Andrade de Medeiros disse...

Acredito deverasmente no trabalho do Quilombo Cultural Malunguinho. Acompanho desde 2006 esses meninos guerreiros e cheios de axé. O L'Omi é uma dessas pessoas especiais que vem pra dar luz no escuro de nossa religião. A Jurema só veio a ser discutida quando estes meninos começaram a mexer lá no âmago da história de Malunguinho, e com eles assistimos essa religi~çao sair da marginalidade.

Salve a fumaça sagrada da Jurema!

Aos sem noção que a Jurema os ensine algo que os vlorizem de fato.

Selma Andrade de Medeiros. RJ.

Anderson Menezes disse...

Salve a Jurema Sagrada...
estou bestificado com esses fatos, não me conformo com atitudes deste tipo. como se vai a público falar sobre algo sem ter propriedade no assunto?

"o juremeiro tem que ter a fumaça circulando em sua cabeça"

Posso estar enganado, mas me parece busca de "ibope", aparecer mesmo, diante de tantas representações de outros estados, pra quê isso?

É por conta de certos comentários sem fundamentos que nossos cultos vêm sendo criticados... Graças a Jurema Sagrada que existe o QCM, pra fazer essas denúcias...

Pelo meu mínimo conhecimento de Jurema, que é nenhum, sei que esses comentários foram infelizes, um Salve a todos...

Malunguinho toma conta desse povo, Sobô Nirê!!!

Quilombo Cultural Malunguinho

Quilombo Cultural Malunguinho
Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!