domingo, 23 de outubro de 2016

Povo de Terreiro e Política - Onde estão nossos votos?

Dona Laura. Juremeira e Iyalorixá da comunidade do Pina no Recife. Uma das "mães do Pina". Foto de Marcelo Curia. MDS. Acervo do Mapeamento dos Terreiros 2010.


Povo de Terreiro e Política – Onde estão nossos votos?

Inspirado pela leitura do livro “Os votos de Deus”, que faz uma análise das implicações da crescente presença eleitoral e parlamentar dos evangélicos na política desde de 2002, e também por ter sido candidato no pleito deste ano, vivenciando pela primeira vez esta experiência surpreendente, me debrucei a escrever este “artiguete” sobre o povo de terreiro e sua participação (ou tentativa de participação) na política eleitoral em 2016. As provocações realizadas e o conteúdo presente no texto do prof. Dr. Joanildo A. Burty e da profa. Dra. Maria das Dores C. Machado me incentivaram a propor com estas linhas escritas uma inicial reflexão crítica sobre os resultados do dia 02 de outubro e seus impactos para nosso segmento a partir de uma ótica pessoal minha, “linkada” com as conversas realizadas com amigos e amigas de luta sobre o tema. Isso para dar uma contribuição nesta pauta para o futuro do povo de Terreiro.

"O Povo de Terreiro presta pra alguma coisa?" 

“Onde estão nossos votos?”:

Ao confirmarmos os resultados gerais das eleições 2016 para vereadores e vereadoras, prefeitos e prefeitas pudemos observar em Pernambuco que nenhuma das candidaturas do povo de terreiro ou de representantes de outras comunidades tradicionais como quilombolas, indígenas etc. tiveram sucesso.

Ouvi muitos comentários sobre, como por exemplo: “O povo de terreiro é traíra”, “Povo de terreiro não vota”, “esses pais de santo só têm o voto deles pois não tem moral dentro de suas próprias casas”, “Não confio nos terreiros”, “já fui enganado pelos terreiros”, “o povo de santo é falso”, “esse povo de terreiro vende voto barato”, “temos que trabalhar e lutar por esse povo apenas pra ganhar o direito de comprar seus votos”, “o povo de terreiro só quer a velha forma de fazer política – vender seu voto barato”, “vocês são muito desorganizados”, “qualquer 50 reais de flores compra o voto dos pais de santo”, “não apoio mais essas bichas”, “esses terreiros não têm vergonha na cara”, etc.

Ouço e tento fazer um exercício interno de paciência para tolerar as opiniões agressivas dos que se sentiram de alguma forma traídos ou vilipendiados por terem investido nos terreiros e não tiveram resposta em votos e apoio nas campanhas. Ouvir e calar é difícil. Porém quando dá, faço minha intervenção tentando ser o mais coerente possível com a pessoa desolada por ter perdido... Afinal neste caso cabe muito mais uma atitude educativa do que um bate boca descabido com uma pessoa já magoada e revoltada com os fatos que alega.

Perante a tudo isso algumas reflexões para Povo de Terreiro se fazem pertinentes: Até quando vamos ficar nas sombras? Até quando não vamos eleger com força e unidade os nossos candidatos e candidatas do axé, da jurema, da umbanda, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, etc.?

Essas perguntas merecem resposta coletiva nossa. Afinal, tudo isso é responsabilidade do nosso povo, pois somos nós que vamos ficar mais 4 anos sem representação política eleita nas câmaras municipais e nas prefeituras. Isso é um absurdo! Isso é preocupante perante ao avanço feroz dos e das fundamentalistas eleitos e eleitas. Observe em Recife quem foi a candidata mais bem votada perante a todas e todos os vereadores(as). Temos que estar alerta. Enquanto não nos organizamos e votamos certo, os inimigos da democracia e da laicidade ganham poder.

Candidatos e candidatas votados:

Foram vários os candidatos e candidatas de nosso segmento que encararam as urnas no último dia 02 de Outubro. Citarei alguns e algumas:

1 - Oscar Paes Barreto – Recife/PT – 5.533 Votos

2 - Pai Missinho de Oxalá – Olinda/PT – 411 Votos

3 - Mãe Mery – Camaragibe/PDT – 265 Votos

4 - Juarez Pé no Chão – Abreu e Lima/PMN – 238 Votos

5 - Pai Israel – Palmares/PCdoB – 148 Votos

6 - Pai Véu – Paudalho/ - 145 Votos

7 - Cláudio Pinho – Camaragibe/PT – 74 Votos

Candidatas sem votação no site:

8 - Mãe Lucia Yatemi – Catende/PRP – (Não foi registrada a votação no site)

9 - Mãe Adriana de Oxum – Jaboatão dos Guararapes/Solidariedade - (Não foi registrada a votação no site)

Candidatos preteridos pelo próprio partido:

10 - Alexandre L’Omi (que teve sua candidatura preterida pelo próprio partido e não pode prosseguir) – Olinda/PT

11 - Serginho da Burra (que sofreu golpe e não pode prosseguir) – Goiana/PT

12 - Edson Axé – Recife/PT (que sofreu golpe e não pode prosseguir)

Infelizmente nenhum e nenhuma teve sucesso. Pudemos ver casos de pouquíssima votação... E o caso de Oscar Paes Barreto que teve uma excelente votação mas não conseguiu chegar devido a sua legenda.

Pré-história política do Povo de Terreiro em Pernambuco:

Esta triste sina se repete há décadas, e nos cabe aqui fazer uma pré-história/memória política do povo de Terreiro em Pernambuco. Estes casos de fracassos se repetem consecutivamente há décadas. Temos como iniciante nesta luta o hoje Dr. Advogado Procurador Federal Edvaldo Ramos que na década de 1980, ainda comungando do convívio e parceria de Badia do Pátio do Terço saiu candidato à vereador em Recife por um partido de direita e não foi eleito. Temos o exemplo histórico do antológico Pai Edu de Olinda, que na década de 1990 (creio que no ano de 1994, a confirmar) foi candidato à vereador em sua cidade pelo PMDB apoiando a ex prefeita Jacilda Urquisa, e também não foi eleito. Outros casos tiveram o mesmo infortúnio, como por exemplo a candidatura à vereadora da hoje advogada e Iyábasé Vera Baroni no início dos anos 1990 (quando ainda não era iniciada no Orixá e representava o segmento da Saúde e do Movimento Negro). O hoje Ogan Edson Axé em 1998 foi candidato à Deputado Estadual pelo PSTU e em 2000 foi candidato à vereador em Recife pelo PT (nos tempos que ainda não era iniciado no Orixá Xangô nem na Jurema Sagrada e representava o segmento da Polícia Militar e Movimento Negro), ele também não foi eleito em nenhuma das duas instâncias. Já na década de 2000, tivemos algumas vezes a candidatura para vereador de Ivo da Xambá, que em algumas oportunidades colocou seu nome na luta política por partidos diversos, e não foi eleito em nenhuma das tentativas. Ainda temos a candidatura nesta mesma década do Mestre Afonso do Maracatu Leão Coroado em Olinda, babalorixá e grande mestre maracatuzeiro tradicional saiu candidato pelo PT e também não foi eleito. Ainda, tivemos temos o nome de Júnior Afro, ou Lindivaldo Júnior Leite, que foi candidato pelo PT em Recife já nos idos de 2010 e teve a sina dos seus antecessores. Por último, tivemos Oscar Paes Barreto que concorreu o pleito de 20014 pelo PT à deputado estadual e também não foi eleito.

Essa pequena linha histórica que revela a trajetória de luta político-partidária de nosso povo nos alerta para que pelo menos há 46 anos lutamos e não conseguimos vitória nas urnas. Não conseguimos eleger nenhum representante nosso e isso é motivo para reação!

Quais motivos?

Quais motivos reais podemos alegar para justificar nossos consecutivos insucessos nas eleições? Incompetência? A velha alegação de que fomos desde África separados e isso se reflete até hoje na nossa ausência de coesão e respeito mútuo? Que somos pobres e não conseguimos? Que somos despeitados uns com os outros e por isso não crescemos? Que nosso povo não tem voto? Poderia passar horas aqui tentando arrumar argumentos para justificar esta situação, mas prefiro focar em uma proposta de reflexão.

Em primeiro lugar devemos parar de nos vitimizar. Hoje estamos em outro nível de diálogo com a sociedade e temos conquistado espaços de visibilidade e respeito nos últimos anos da gestão do PT na presidência da república. Isso nos garantiu em um período histórico de 13 ou 14 anos alguns avanços consideráveis que já nos fortalecem para termos maior maturidade neste debate e luta.

Em segundo lugar, nós temos votos sim! E muitos. Em 2010 foram mapeados 1261 terreiros em Recife e RM - Região Metropolitana, mostrando pela primeira vez em amplo espaço de divulgação (internet e livros) onde estamos, quem somos, quantos somos e o que produzimos na perspectiva da segurança alimentar. Hoje somos muitos mais, ao passar desses últimos cinco anos da pesquisa, e creio que isso nos favorece e fortalece politicamente. 

Esta pesquisa foi realizada através de um trabalho muito sério da instituição Filmes de Quintal, MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e UNESCO. Fui um dos pesquisadores de campo e vivenciei profundamente a visita de inúmeras casas e terreiros em toda RM. Pra se ligar e saber sobre o mapeamento visite o site: http://www.mapeandoaxe.org.br/ lá tem o registro geral de todas as casas/terreiros.

Se fizermos um simples cálculo matemático podemos pegar 1261 terreiros e multiplicar por 20 votos (quantidade mínima que um terreiro tem de participantes. Sabemos que existem terreiros que tem 200 filhos(as) ou mais...). Teremos o resultado de 25.220 (vinte e cinco mil duzentos e vinte) votos. Com isso já elegeríamos um ou uma deputada estadual por uma coligação mais baixa no coeficiente. Isso só com os votos da RM, imagine se fossem com os demais terreiros da Zona da Mata ao Sertão que ainda não foram mapeados e dos quais sabemos que são inúmeros?! Teríamos muitos e muitos votos para elegermos alguns representantes nossos...

Faço essa provocação para termos noção de como não valorizamos nosso potencial político e nossos votos. Nos alienamos fácil demais e nos dividimos fácil demais. Eu pude vivenciar na prática em Olinda o quanto o Povo de Terreiro tem baixa estima consigo próprio. O quanto não acredita que é possível. O quanto ainda se comporta de forma imatura perante assuntos de interesse vital para nossa classe. Entendo que somos herdeiros da senzala. Sendo assim, temos inúmeras dificuldades, inclusive de formação educacional etc. Também compreendo que estamos em processo de formação política ideológica. Passamos muitos séculos sem nos comunicar e nos fortalecer... Mas mesmo assim acredito que podemos em curto prazo de tempo mudar esta realidade.

Temos que deixar de apoiar políticos que prometem o mínimo para nosso povo. Chega de negociar por baixo, chega de negociar “carguinhos”, chega de baixar a cabeça para os partidos e pessoas que nos subestimam. Não podemos ser massa de manobra!

Temos que rejeitar os falsos favores. Os Toldos, mesas e cadeiras, tijolos, reforma da casa, animais para os rituais de imolação, cestas básicas, confeitos para o Cosme e Damião, cotas financeiras para as festas, ônibus para levar as cestas de Oxum e panelas de Iyemojá etc. Precisamos dar uma excelente resposta nas urnas nas próximas eleições e termos um ou uma representante nossa sentada em uma cadeira de destaque para nos ouvir e construir conosco o futuro que queremos.

Espero que nosso povo preste para alguma coisa sim! Que não sejamos apenas massa de manobra dos senhores e senhoras da casa grande. Que possamos levantar a cabeça e afirmar que não somos traíras, que não somos falsos, que não nos vendemos barato, que temos representatividade sim e que sabemos o que queremos para a política! Temos que afirmar que já temos em quem votar. E dizermos que nossos representantes tem trajetória e contribuição efetiva na luta de nosso povo. Pois também não nos serve oportunistas de terreiro. Ser juremeiro(a), babalorixá, iyalorixá, ekeji, ogan, abian etc. não justifica uma candidatura defendendo nossa plataforma. Queremos verdadeiros representantes de nosso Povo, cujo perspectiva corresponda à nossos anseios. Devemos evitar pessoas manipuláveis e politiqueiras (que sabemos que existem aos montes dentro de nossa religião).

Já estamos construindo rumos para as próximas eleições. Nossa Frente Popular Povo de Terreiro pela Democracia vai ficar mais forte e vai avançar. Afinal, merecemos respeito e temos que ter urgente representação.

Futuro

I Plenária Povo de Terreiro e Políticas Públicas. Foto de Úrsula Freire.

No último dia 05 de agosto de 2016 foi realizada primeira Plenária Povo de Terreiro e Políticas Públicas no Nascedouro de Peixinhos/Olinda. Uma iniciativa do então candidato à vereador da Cidade de Olinda Alexandre L’Omi e seu grupo político com apoio de quatro outros candidatos: Edson Axé, Serginho da Burra, Pai Israel e Juarez Pé no Chão. Esta plenária teve como principal pauta a discussão das eleições 2016 para o povo de terreiro, numa perspectiva de fortalecer os candidatos na visibilidade e na caminhada da campanha de cada um. Foi o primeiro momento na história de nosso povo que tivemos um evento com este objetivo, onde pudemos ouvir as propostas de todos e todas, onde pudemos avaliar os caminhos e as formas de agir no campo político e também analisar os rumos que deveríamos tomar daquela data em diante. Foi fundada por proposta de Alexandre L’Omi a Frente Popular Povo de Terreiro pela Democracia, na perspectiva de continuar esta discussão após as eleições e fortalecer um grupo político para enfrentar as urnas em 2018 e 2020. Vera Baroni foi a responsável pela conferência magna da tarde e trouxe fundamental conteúdo para contribuir em todo nosso contexto político e histórico. Foi lançada ainda a campanha “Quem é de Terreiro Vota em quem é de Terreiro”, proposta também de L’Omi.

Matéria do Jornal Folha de Pernambuco de 06 de Agosto de 2016. "Espaço para o 'povo de terreiro'".

Candidatos organizadores da Plenária. Da esquerda para a direita: Juarez Pé no Chão, Pai Israel, Edson Axé, Alexandre L'Omi e Serginho da Burra. Foto de Paulinho Filizola. 

O evento foi transmitido ao vivo pela internet e futuramente será publicado em suporte impresso e integralmente nas redes sociais para que nosso povo possa ter acesso a todo conteúdo que foi debatido neste momento histórico.  

#QuemédeTerreiroVotaemquemédeTerreiro!

Salve a Jurema Sagrada
Axé
Nguzo
Saravá
Sobô Nirê Mafá

Fonte

JOANILDO, A. Burity, MACHADO, Maria das Dores C. Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife, Fundação Joaquim Nabuco. Ed. Massangana, 2006.  

http://www.mapeandoaxe.org.br/ - Acesso em 10 de outubro de 2016 às 22h33min.

Contribuições

Historiador João Monteiro
Jean Pierre
  
Alexandre L’Omi L’Odò
Historiador e Mestrando em Ciências da Religião
Quilombo Cultural Malunguinho

alexandrelomilodo@gmail.com

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Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!