sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Relato das práticas realizadas no Kipupa Malunguinho - Coco na Mata do Catucá

Público no XIII Kipupa Malunguinho. Foto de Kayo na Real.

Relato das práticas realizadas no Kipupa Malunguinho - Coco na Mata do Catucá

O Kipupa Malunguinho - Coco na Mata do Catucá, é uma festa popular, uma celebração coletiva dos povos tradicionais de terreiro, realizada pelo Quilombo Cultural Malunguinho, há 13 anos nas antigas matas do Catucá (quilombo de Malunguinho), hoje Pitanga II, Abreu e Lima/PE. Com vistas à valorizar o patrimônio imaterial da Jurema Sagrada, religião de matriz indígena do Nordeste do Brasil, que tem em Pernambuco, um dos seus maiores redutos em termos de densidade histórico-mítica-ritual-tradicional e de quantidade de terreiros (Só em Recife e RM são mais de 70% dos templos), o Kipupa, dá voz as narrativas orais de nosso povo, incentiva as práticas de sustentabilidade ambiental fomentadas por séculos pelos juremeirxs, e faz de seu local de realização, um espaço permanente de fortalecimento da memória afro indígena e da cultura popular.


O RITUAL

É realizado coletivamente um grande ritual de entrega das oferendas à ancestralidade negríndia, em especial para o Reis Malunguinho, patrono da festa. Esta atividade, que acolhe todas as formas de fé, leva para dentro do espaço mais interno das matas sagradas, em cortejo, com cânticos e toques ritualísticos, o balaio mestre, que é a oferta dada para agradecer aos espíritos da nossa religião por todas as bênçãos alcançadas, além de firmar nossos pedidos de paz, união, fertilidade, saúde, prosperidade etc. para todxs.

O KIPUPINHA

Dentro do Kipupa Malunguinho, o Kipupinha é um espaço infantil e lúdico com os saberes da Jurema para todos os juremeirinhos e juremeirinhas e crianças de quaisquer outras tradições. Esse espaço foi pensado para dar atenção especial na formação afro-indígena, na auto-estima e fortalecimento da identidade de nossas crianças de terreiro. No evento, a cada ano, mais e mais crianças participam e vivenciam este dia de celebração com muita energia e troca de saberes na Mata Sagrada. Portanto, ter um espaço especial lúdico e bem cuidado para estas crianças se faz necessário, uma vez que temos que cuidar de nossas sementinhas e de nosso futuro, com muito zelo e afeto. Esta atividade contempla contação de histórias de nossa tradição oral, oficinas de percussão, pintura, estética afro, confecção de roupas de jurema etc. Também é montado um mini parquinho para que as crianças possam desfrutar de um momento de brincadeiras antigas de terreiro com animadores culturais. Neste contexto, é distribuído o Cosme Damião, com muitos doces e brinquedos.

A FEIRA PRETÍNDIA MALUNGUINHO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA

A Feira tem como objetivo apresentar uma diversidade de produtos ligados à Jurema e as tradições de terreiro, como ervas, artefatos religiosos, roupas, colares, instrumentos musicais, cachimbos e todo tipo de artesanato ligado ao imaginário afro-indígena, com o intuito de fortalecer a nossa identidade e contribuir no crescimento de investimentos em projetos negro-indígenas no mercado de artesanato deste segmento. A feita também tem um processo educativo que foca na sustentabilidade ambiental.

ETAPA EDUCATIVA DO KIPUPA

São realizadas palestras e formações durante a Semana Estadual da Vivência e Prática da Cultura Afro Pernambucana, a Lei Malunguinho, nº 13.298/07, aprovada a partir de nossa construção coletiva. Atividades de troca de saberes na mata, com trilha ecológica, formações na cultura popular, formação sobre a Jurema Sagrada e a prática de ervas, cursos sobre línguas africanas e indígenas e palestras em escolas públicas dão o tom das semanas que antecedem o ponto máximo do festival.


ACESSIBILIDADE

O Kipupa, é um evento que obedece as normas estabelecidas pela lei federal de acessibilidade 10.098/2000, garantindo acesso seguro e adequado à todas e todos. Criteriosamente atendemos as normas do estatuto do idoso – lei 10.741/03, e, da lei para pessoas com deficiência – 13.146/2015.


É garantido durante todo o evento, intérprete em libras, banheiros para deficientes, estacionamento e tratamento especial para idosos (incluindo segurança e atendimento médico permanente), e a tradicional atenção milenar afro indígenas para as pessoas mais velhas, traço fundamental de nossa cultura.


A MATA E O CUIDADO COM O MEIO AMBIENTE

Em nossa última edição (2018), reunimos mais de 10 mil pessoas no Kipupa. Contudo, todo ambiente é preparado para não haver impactos negativos para o meio ambiente. A mata é preservada completamente. Temos equipe de coleta de lixo durante todo evento e somos associados a cooperativa de reciclagem de Abreu e Lima. Todo material reciclável deixado pelo evento, é recolhido e reutilizado. Dentro do espaço da Mata Sagrada, no dia seguinte das atividades, recolhemos com outra equipe, todos os objetos que por ventura tenham sido deixados pelo povo de terreiro no local. Nada fica, nem as "piolas" de cigarro e restos de vela (velas são proibidas). Nossa preocupação é com o meio ambiente, que para nós é sagrado, nosso altar maior.

A COMUNIDADE - BENEFÍCIOS E INTERAÇÃO

O Kipupa, é um evento que traz inúmeros benefícios às suas comunidades, tanto a do povo de terreiro, quanto a de Pitanga II, em Abreu e Lima. Na cidade onde proporcionalmente há o maior contingente de evangélicos no Brasil, é realizada a maior festa do povo de terreiro de Pernambuco. Isso significa muito na luta antirracista e contra a intolerância religiosa, sendo este elemento, um dos que transforma-se em benefício para todas e todos que desejam um mundo equânime.


a)    Para a comunidade dos Povos Tradicionais de Terreiro, a ação, há 13 anos fortalece o reconhecimento da tradição da Jurema no cenário da luta por direitos e por reconhecimento oficial, tanto do Estado, como do campo acadêmico, tendo em vista, que essa tradição, sofre racismo institucional e epistemológico (acadêmico), sendo quase desconhecida do cenário das religiões de terreiro, nesses campos. Conhece-se o candomblé e a umbanda, porém, a Jurema, mantem-se quase desconhecida, ainda. O Kipupa, anualmente realiza forte divulgação nas redes sociais e na grande mídia, contribuindo para o processo de retirada deste conjunto de tradições de matrizes indígenas do ostracismo social e histórico. A realização do evento, dá uma oportunidade de auto reconhecimento para o povo da jurema, de seus valores, beleza, importância histórica e social, além de contribuir para auto estima de seus membros, que até os dias atuais, tem dificuldade de se identificarem como tal, devido ao perverso processo de estigmatização sofrido pelo nosso povo. Ser catimbozeiro/juremeiro, ainda é um desafio para muitos, que devido ao medo do racismo e de toda forma de intolerância, optam por se auto identificarem como pessoas do CANDOMBLÉ, religião mais aceita e conhecida no cenário nacional. Ainda, o Kipupa contribui para o processo de união do povo da jurema, que ao longo dos séculos, foi separado propositalmente para não permitir seu fortalecimento político, ideológico.

b)    Para a comunidade onde o evento é realizado, muitos são os benefícios materiais. Para a realização do evento, são recapeados mais de 12km de estrada de barro, que após o evento, ficam preservadas por mais de 6 meses, beneficiando toda comunidade rural de Pitanga I e II. Os mais de 10 hectares de terra, limpos, capinados e reestruturados com remoção de entulhos, barro etc. também ajudam a comunidade à se organizar melhor durante mais de 6 meses do ano. Os moradores e moradoras, no dia da ação, colocam suas casas a disposição para receber os visitantes, ganhando dinheiro com estacionamento, vendas de comidas e bebidas, artesanatos e tudo que é produzido ali, como verduras e tubérculos, frutas etc. produtos que são vendidos a preço barato, atraindo o interesse dos compradores. O Kipupa é a única atividade que acontece naquela região o ano inteiro, portanto, é esperado por todas e todos, que ali moram, movimentando toda localidade financeiramente e levando entretenimento consequentemente para todas e todos, que neste dia, tem acesso a shows de qualidade, e tudo mais que o evento oferece, inclusive à etapa educativa.

c)    O espaço de memória quilombola, é mais um ganho para a comunidade. Pitanga II, nunca foi reconhecida oficialmente como área quilombola, contudo, esse processo de reconhecimento da localidade, vem sendo oficializado lentamente através do QCM. A comunidade hoje, já sabe que ali fora em séculos passados, palco de grandes lutas negras e também local onde fora morto o último dos malunguinhos, o João Batista, morto naquela localidade há 184 anos, em emboscada cruel. A construção desse processo de reconhecimento, caminha há 15 anos, quando ainda nem o Kipupa existira. O Quilombo Cultural Malunguinho, instituição realizadora do Kipupa, sempre protagonizou essa discussão junto à comunidade, levando pesquisadores de diversas partes do país para conhecer e produzir conteúdo científico antropológico e histórico sobre toda essa localidade. Dois dos maiores historiadores brasileiro, que pesquisam a história da luta por liberdade do povo negro e indígena no país, já publicaram importantes artigos sobre. Marcus Carvalho, professor titular de história da UFPE e João José Reis, titular de história da UFBA, são nossos parceiros nessa luta. 


TROCA DE SABERES E MANUTENÇÃO DE NOSSAS PRÁTICAS

A tradição oral é o patrimônio pelo qual mais prezamos. É espontaneamente oportunizado pelo evento, a possibilidade dos terreiros trocarem saberes e fortalecerem suas articulações religiosas e de amizade. Muitos rituais são mantidos e ampliados com essa troca de saberes. A Jurema que é uma religião em risco de extinção, com o Kipupa, retomou o fôlego e se amplia mais a mais, pois a cada ano o público aumenta inesperadamente, devido ao fortalecimento da auto estima desse povo que sofre até hoje os males da escravidão e do racismo histórico de nossa sociedade.

PRÊMIO MOURÃO QUE NÃO BAMBEIA

Ao longo dos seus 8 anos de existência (2011-2018), o Prêmio Mourão Que Não Bambeia, homenageou publicamente 53 sacerdotes e sacerdotisas da Jurema Sagrada, ajudando a contar a histórias silenciada pelo tempo, dessas pessoas humildes, que são, ou foram, grandes mestres do saber ancestral tradicional da Jurema. Figuras desconhecidas, esquecidas pela historiografia, que embora tenham grandiosa contribuição na preservação da memória e das práticas da Jurema tradicional, não eram conhecidas do grande público, nem mesmo da religião. Mestres como Deotato (Dió), Mestra Elisa do Coco, Mestre Ciriaco de Alhandra, Mestra Alaíde de Benedito Fumaça, Mãe Terezinha Bulões, Dona Sílvia de Iemanjá, Pai Ednaldo de Boiadeiro, Mãe Nenzinha do Acorda Povo, Mãe Leônidas Costa (in memorian), Sr. João Folha (in memorian), etc., foram alguns nomes lembrados por essa nossa homenagem, que tem como objetivo central, trazer à luz da história pública, a contribuição fundamental que estes ilustres desconhecidos, deram à tudo que conhecemos hoje como Jurema e tradição de terreiro em Pernambuco. O conjunto dessas memórias orais densas, está guardado em nosso arquivo, para futuras publicações, que garantam o registro oficial da existência desses e dessas personagens que são a alma de nossa religião.

Para saber detalhes do Prêmio, leia:

O Prêmio Mourão que Não Bambeia é uma comenda dada a grandes representatividades de nossa Jurema Sagrada, e também para pessoas que contribuem na luta por nossos direitos. Pensado por Alexandre L’Omi L’Odò, há oito anos, este Prêmio tem homenageado pessoas que fortalecem a Jurema com responsabilidade sacerdotal e empenho nas causas de nosso povo.

Mourão, é um tronco de madeira de lei, que é colocado no centro de um terreiro para amarrar boi brabo ou cavalos indomáveis. Esta madeira forte, geralmente é de Pau Pereiro, ou de outra madeira de lei como Pau Ferro etc. É conhecido por ser inabalável e jamais cair, suportado todo tipo de força externa. Ele jamais bambeia, ou fraqueja, ele sempre segura o tombo do que vier. 

Portanto, o Prêmio Mourão que Não Bambeia reconhece a força inabalável da fé e da luta de nossos juremeiros e juremeiras, que resistem a toda forma de adversidade nos caminhos da preservação de nossos patrimônios imateriais/ materiais e da prática religiosa da Jurema Sagrada como um todo. Premiamos também pessoas que nos ajudam a vencer os processos históricos de racismo e intolerância religiosa, como pesquisadores, políticos e ativistas sociais dentre outros.

BANDAS, SHOWS, CORTEJOS E MESTRES E MESTRAS DA CULTURA POPULAR

Em 13 edições, o Kipupa realizou 29 shows, trazendo para seu palco, atrações e mestras(es) de grande relevância da cultura popular e tradicional, garantindo uma diversidade de linguagens ampla de apresentações. Entre estes, destacamos o Mestre Galo Preto, Mestre Zé de Teté, Mestra Elisa do Coco, Mestra Ana Lucia do Coco, Grupo Bongar, Grupo Bojo da Macaíba, Coco do Catucá, Mestre Zeca do Rolete, Grupo Mazurca da Quixaba, Caboclinhos Carijós do Recife, Maracatu Nação do Reis Malunguinho, Banda Pandeiro do Mestre, etc.

Estas atrações, durante 12 anos do evento, tocaram gratuitamente, levando o melhor do entretenimento e da nossa cultura, para um público amplo e bem direcionado. Somente em 2018, aprovamos nosso primeiro edital, após sermos reprovados em diversos outros, garantindo pela primeira vez pagar cachê para as atrações.

O trabalho do Kipupa sempre foi colaborativo, tendo como principal força, a rede de amigos e amigas que acreditam nessa proposta e que se esforçam para estar conosco todos os anos. Não geramos renda com o evento, sendo assim, dependemos de apoios até mesmo de pessoas para conseguirmos realizar esta festa que se transformou espontaneamente no Encontro Nacional dos Juremeixs.


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Alexandre L'Omi L'Odò
Coordenador Geral Kipupa
alexandrelomilodo@gmail.com

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Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!