sábado, 13 de junho de 2015

Acorda Povo - Uma tradição híbrida do Nordeste do Brasil

Acorda Povo de Peixinhos 2015. Foto de Marquito. 

Acorda Povo - Uma tradição híbrida do Nordeste do Brasil

No bairro de Peixinhos em Olinda, há mais de 50 anos se mantém uma tradição muito antiga do Nordeste do Brasil – o Acorda Povo. Com uma adesão enorme por parte da comunidade, esta procissão leva mais de mil pessoas às ruas do bairro, para celebrar/festejar na madrugada do dia 22 para o dia 23 de junho, todos os anos. 

Levado com garra pelo GCASC – Grupo Comunidade Assumindo Suas Crianças, há 29 anos (esta tradição já existia antes do GCASC assumi-la) esta celebração popular tem se mantido forte, preservando este patrimônio imaterial do nosso povo.

Este ano de 2015 não seria diferente. Como todo ano uma casa da comunidade é escolhida para receber a bandeira de São João e dar a festa, eu fui escolhido com muito orgulho, afinal, há anos esperava por este momento lindo que também celebramos Xangô.

Convido todas e todos para participar. 

A festa será na Rua da Harmonia 27, Peixinhos - Olinda/PE. Cheguem de 00h.

Vamos ter ainda a linda apresentação do Grupo Raízes que fará o chão tremer com seu coco do Xambá, além de vários coquistas e mestres da comunidade que também cantarão e animarão a festa.

Esta é a primeira atividade de meu terreiro de Jurema - Casa das Matas do Reis Malunguinho. Fico feliz em iniciar minhas atividades religiosas públicas louvando Xangô, Orixá que é minha estrela no axé. O senhor da alegria (Xangô), vai vir nos brindar na companhia de Malunguinho. 

Informações históricas sobre o Acorda Povo:

Aqui não escreverei um texto acadêmico. Em outro momento me aterei mais profundamente a esta tradição híbrida do Nordeste do Brasil. Sou um partícipe desta cultura, e deixo aqui algumas informações para nos ajudar a entender melhor o que é o Acorda Povo.

A Bandeira de São João é uma das procissões dançantes mais antigas do Brasil. Organizada pela Igreja Católica, a Bandeira de São João saía nas primeiras horas do dia 23 de junho, após o acender as fogueiras, com uma estrela grande, confeccionada com arame, papel ou plástico colorido, puxando o cortejo, o andor e a bandeira do Santo com a imagem dele ainda criança, que percorria os vilarejos ao som de pequenos grupos musicais. A interação dos escravos africanos ao cortejo proporcionou a introdução de alguns instrumentos de percussão; ocasião em que muitos negros aproveitavam para louvar o orixá Xangô, criando assim uma dinâmica relação de sincretismo e hibridismo cultural de forma espontânea no convívio social das tradições cristãs e de matriz africana e indígena em séculos passados.

O ritual terminava quando entregavam a imagem de São João na igreja da comunidade. Com o tempo, em razão do grande agito (danças e cantos no interior dos templos), a Igreja Católica proibiu a imagem no seu interior.

Essa atitude acabou por dividir o folguedo em duas manifestações: uma religiosa e outra profana. A Bandeira de São João tornou-se uma procissão com rezas e cânticos em louvor ao santo. A festa profana foi chamada de Acorda Povo, e saía durante a madrugada com um grupo de cantores e batuqueiros acordando os moradores da cidade para participar da comemoração, regada a muito bebida e comida típica.

Em Olinda, alguns bairros ainda mantém esta tradição: Peixinhos (um dos mais antigos), Amaro Branco, Aguazinha, Águas Compridas e Santa Casa ainda se mobilizam para manter viva a cultura. 

No Recife, cerca de sete bairros (Bairro do Recife, Água Fria, Areias (talvez o mais antigo, com 75 anos de tradição na Vila das Lavadeiras, regido pela Iyalorixá e juremeira Nenzinha de Xangô), Casa Amarela, Torrões, Várzea e Brasília Teimosa) ainda mantêm viva essa tradição. Com o crescimento da violência, os organizadores do Acorda Povo decidiram acabar com a saída do cortejo pela madrugada, e retomar o formato tradicional junto com a Bandeira de São João, com exceção da comunidade de Peixinhos/Olinda e Água Fria/Recife, que continua saindo à meia-noite.

Antes da saída, na casa do organizador (toda enfeitada com bandeirolas, balões e fogueira), o cortejo realiza orações, pedindo bençãos, e louvando o santo diante da casa capela. Dão vivas e geralmente soltam muitos fogos de artifícios. Muitas pessoas se vestem com as cores do santo ou orixá de sua devoção, o vermelho e o branco, e saem pelas ruas cantando e dançando alegremente.

É, talvez, a derradeira procissão religiosa do Brasil, onde, com a presença do povo, ainda se dança. Ainda sabe-se que esta tradição tinha outros nomes como de Procissão do Galo, Procissão de São João e Bandeira do Banho de São João. Mas hoje, não se chama mais assim.


Atrás de tudo, o povo cantando, dançando as umbigadas, soltando fogos e balões (hoje não se solta mais). Os participantes, com as cabeças enfeitadas com capelinha de melão ou manjericão, alguns deles cheios de bebidas, esbaldando-se gostosamente no ritmo que os instrumentos de percussão vão executando. Lá para as tantas, todos vão aderindo, caindo na dança das umbigadas, cantando versos, gingando, batendo ventres, pisando forte na dança do coco para São João.

Referências





Alexandre L'Omi L'Odò
Casa das Matas do Reis Malunguinho 
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com

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Entidade cultural da resistência negra pernambucana, luta e educação através da religião negra e indígena e da cultura afro-brasileira!