Uma Vida Kipupa
João José Reis*
Fui levado ao Kipupa por meu amigo Marcus Carvalho, professor de História da UFPE. Marcus escreveu páginas que, antes deste Kipupa, eu já tinha lido sobre Malunguinho, o líder quilombola e senhor das matas do Catucá que atormentou os escravistas do Recife e seus arrabaldes no século XIX. Malunguinho se transformaria numa entidade espiritual cultuada pelo povo de santo em Pernambuco. Até aí eu sabia. Marcus também me disse, ao me convidar para o Kipupa, que Malunguinho era o dono da festa. O que não sabia era que a invenção do Kipupa, pelo que entendi, resultou em parte do interesse gerado pelas pesquisas desse grande historiador. É um excelente exemplo de boas relações entre universidade e sociedade, entre cultura acadêmica e cultura popular.
Professor João José Reis ao Lado de Juarez (camisa amarela) e Prof. Marcus Carvalho (braços cruzados) Foto de Anne Cleide.
Kipupa tem tudo a ver. Nada como cultuar um espírito guerreiro para enfrentar a batalha do dia a dia, que hoje inclui a luta contra a intolerância religiosa em reação à atitude de alguns grupos evangélicos que agridem com palavras e atos os adeptos das religiões afro-brasileiras em todo o país. O Kipupa me impressionou como símbolo e atitude de resistência, um verdadeiro movimento político construído em torno de uma festa que celebra a abundância, a solidariedade e, é claro, celebra Malunguinho.
Prof. João Reis ao fundo, na gira de abertura do V Kipupa Malunguinho, Setembro de 2010. Foto de Anne Cleide.
Em minha cidade, Salvador, onde o candomblé é tão forte, não temos coisa como o Kipupa. Seria bacana que existisse algo parecido em cada canto do país, porque o exemplo dessa festa, dessa bonita manifestação cultural e religiosa precisa ser imitado. Acho até que o termo Kipupa tem vocação pra virar adjetivo do que acontece de bom no mundo: uma pessoa kipupa, uma amizade kipupa, uma comida kipupa, um terreiro kipupa, uma festa kipupa, uma vida kipupa... Ah uma vida kipupa, é tudo que a gente quer!
Professor João José Reis
*Professor Titular de História do Brasil da Universidade Federal da Bahia, autor de Rebelião Escrava no Brasil: a história do levante dos Malês (1835).
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Para nós do Quilombo Cultural Malunguinho, ter recebido o professor e historiador João José Reis em nossa festa anual foi uma honra muito grande. Sua presença nos deu a possibilidade de receber um texto tão carinhoso como este que escreveu. Nós agradecemos e que nos anos vindouros, a UFBA possa vir ao evento. O Kipupa, é um evento que tem como objetivo, agregar pessoas entorno de Malunguinho e da Jurema Sagrada, para poder de diversas formas, contribuir para o avanço na luta contra o preconceito, o racismo, a intolerância religiosa e a discriminação. O Kipupa também é um espaço para as pessoas irem para se curar, vivenciar sua fé plenamente, mergulhar no mais profundo sentimento de pertencimento à tradição da Jurema. A cada ano, crescemos mais, o povo (de todos os segmentos), intelectuais, artistas, jornalistas, gente de todo país se voltam às matrizes afro indígenas, dentro da mata fechada para saudar a ancestralidade.
Alexandre L'Omi L'Odò
Coordenador do QCM
alexandrelomilodo@gmail.com