Capa de seu primeiro CD, autografada e dedicada à mim.
Dona Célia do Coco – “Cai mais uma raiz de nossa cultura”.
Na manhã do dia 28 de Abril de 2011 faleceu de complicações neurológicas causadas por um derrame cerebral, a mestra coquista Dona Célia do Coco (Célia Maria de Oliveira Correia) com 76 anos de idade. Uma das cantoras e compositoras da cultura popular mais criativas e afinadas da tradição do coco praieiro de Olinda.
Herdeira de uma tradição de coco fortemente consolidada de seu pai, o senhor Joaquim Marcolino - “Joaquim Breve Morre”, zabumbeiro conceituado e restaurador de talhas de madeira, Dona Célia, desde criança brincava nas sambadas promovidas por ele, a inspirando a seguir a tradição de sua família. Com nove anos de idade já entoava os “sambas” de roda – cocos.
Dona Célia Coquista. Foto de Laila Santana - 2008.
Dona de uma trajetória cultural admirável, esta mestra coquista deixou como patrimônio seu único CD gravado, intitulado “Nasci Com Dois Dentes”, que aos 72 anos de idade realizou este antigo sonho.
“Nasci Com Dois Dentes”, é uma alusão ao verídico fato de sua vida, pois ela, já nasceu com um diferencial natural, dois dentes formados e expostos, sendo este um acontecimento muito badalado no Alto da Sé de Olinda, onde nasceu sendo esta noticia pauta até em rádios comunitárias e levando à sua casa todos da localidade para ver os tais dentes da menina que veio ao mundo para brilhar.
Seu CD, produzido por Lígia Verner, possui um repertório que remonta o imaginário dos cânticos antigos do coco da cidade, também com composições autorais como as faixas de número 04- “O Sapo” e a faixa 02- “Amor Deixa o Cantor Cantar”, além do famoso “Macumbeba”, coco entoado por diversos cantores e cantoras – “Não vá, não vá não vá, menina não vá, não vá, eu vou para a Sé mamãe, vou jogar capoeira, eu vou passear”...
Dona Célia do Coquista no lançamento do DVD e do CD Coquistas de Olinda Contra a Violência. 2008. Foto de Laila Santana.
Gravou ainda o CD Coquistas de Olinda Contra A Violência, de 2007. Este projeto foi da Secretaria de Saúde da Prefeitura de Olinda, que convidou os tradicionais mestres e mestras do coco para juntos participarem de uma capacitação sobre a prevenção contra a violência. A partir destas aulas, os coquistas, como o Mestre Galo Preto, Dona Selma do Coco, Aurinha do Coco, tiveram que produzir músicas que tratassem do tema, contribuindo com a musicalidade da cultura popular para a diminuição das diversas formas de violência na Cidade. Este projeto inovador inclusive foi premiado e copiado por outras Secretarias de outros Estados do Brasil, gerando ainda um documentário com mesmo nome.
Seus cocos neste trabalho foram “Mané”, a faixa 10 e, “As Águas Do Mar Leva”, faixa 12, que teve como parceria Alexandre L’Omi L’Odò, que fez a música e o refrão, e Wilson Freire. Neste último, podemos ver parte da sensibilidade desta mestra que com simplicidade compunha e aumentava enriquecia nossa cultura:
“As águas do mar leva
Leva pro fundo domar
A violência contra a mulher
E contra a criança o mar vai levar (refrão).
A criança vem da mulher
E a mulher é pra se amar
A violência está muito grande
E a mulher ninguém vai maltratar
Estou dizendo isso agora
Com muita satisfação
Porque essa criatura
Mora dentro do meu coração
Esse coco minha gente
Não é pra ficar à toa
Esse coco minha gente
Interessa a qualquer pessoa
(Refrão).
Escute a música:
Escute a música:
O enterro seguiu pelas ladeiras de Olinda acompanhado de muitoa amigos e amigas, parentes, artistas e curiosos.
Seu enterro na tarde do dia 29 de Abril de 2011, teve muita gente acompanhando. Teve reza de terço do Apostolado da Oração da Igreja de Nossa Senhora do Guadalupe de Olinda, templo e apostolado que era integrante assídua. Em sua procissão, acompanhada por mais de 150 pessoas, com muitas coroas de flores de diversos órgãos do governo e da sociedade civil seguiu de ladeira acima para o Cemitério do Guadalupe. Os sinos da Igreja tocaram para ela... Vários artistas se fizeram presentes. Seguiu onde teve seu repouso eterno selado, na mesma terra que a recebeu quando nasceu com dois dentes - Olinda.
O Mestre Galo Preto em seu enterro me falou em tom triste: “Caiu mais uma raiz do coco e de nossa cultura popular”... Essa frase me levou a fazer este texto, que para marcar minha saudade e amor por esta mestra, quis deixar estas linhas para agradecer a ela que me ensinou e compartilhou alguns dias de sua vida animada comigo.
Mestre Galo Preto, Dona Célia e Arnaldo do Coco em apresentação do projeto Coquistas de Olinda Conta a Violência. Olinda - 2008. Foto de Laila Santana.
Obrigado Dona Célia, a senhora é inesquecível. Agora o Orun samba mais afinado e ritmado com sua presença. Seus filhos, irmãos, netos, bisnetos, amigos e admiradores sempre lhe respeitarão pela grande mãe que a senhora foi, sobre tudo pelo axé de amor que guardava dentro de seu peito enorme.
Axexê mojubá o!
Alexandre L’Omi L’Odò
10 de Maio de 2011.
Peixinhos – Olinda – PE.
alexandrelomilodo@gmail.com
Um comentário:
Grande Mestra!
Se puder Alexandre, disponibilize o álbum dela Nasci com Dois Dentes na internet. Seria muito valioso para a difusão de sua obra. Grato!
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