Salve o Mestre Malunguinho, "que a Jurema manda"!
Estatueta representativa na Jurema do Malunuginho Caboclo. VI Kipupa. Foto de Joannah Mendonça.
Existe
uma toada na Jurema que versa assim: “Malunguinho tá de ronda / Quem mandou foi
o Jucá / Malunguinho tá de ronda / Que a Jurema Manda / Ô que a Jurema manda”...
Portanto,
sabemos que ele, como uma das divindades centrais desta religiosidade do
nordeste do Brasil tem forte fluxo na Cidade do Jucá, um dos sete Reinos
encantados espirituais da Jurema. Na verdade Malunguinho está na porta central,
como àquele que permite a entrada e também pode não permitir a passagem para
dentro das Cidades, ou para dentro dos Reinos da Jurema Sagrada. Também pode
não permitir a saída de lá...
Esta
característica e prática ritual dessa divindade negro indígena é muito forte na
Jurema cultuada principalmente na Mata Norte pernambucana, onde o Malunguinho, personagem
histórico que atuou como liderança quilombola do Catucá na primeira metade do
século XIX no Estado teve grande atividade e reconhecimento. Suas práticas como
homem guerreiro, protetor, guardião das matas, chefe da mata, Rei Nagô, Rei das
matas, organizador de seu povo, militante aguerrido das causas dos desprovidos
de proteção e também como homem violento e implacável, se recriaram dentro da
prática da Jurema, que é uma religião de matrizes indígenas que tem como
principal característica teológica a xenofilia e a transcendência do estado mental
através da ingestão do ajucá ou vinho da Jurema, bebida que pode proporcionar
um estado de transcendência da mente e da espiritualidade humana.
Malunguinho
tem forte representação nas nossas terras. Ele é muito mais que uma divindade
da Jurema, vai bem além, adentrando também a prática do culto aos Orixás, como por
exemplo, a prática de Xangô, o Rei Nagô...
Falar
de Malunguinho é bem mais que citar bibliografias, que mesmo estas sendo
importantes, sem dúvida, não podem dimensionar o que esta divindade representa para
seu povo ainda. Falar dele é falar da experiência e memória oral de centenas de
terreiros de todo Nordeste que dedicam culto a este forte protetor espiritual que
mantém ao longo de todos estes anos, mais de 176 (18 de setembro de 1835 - data
provável da morte do último Líder Malunguinho, o João Batista), sua marca na
vida de milhares de homens e mulheres que tem fé nos milagres, na fumaça e gira
deste Mestre, Caboclo e Trunqueiro/Exú.
Poderemos
aqui, neste pequeno artigo, explorar um pouco da cor, dos cheiros, da alma
deste guerreiro protetor dos malungos e “malunga(s)” (como se auto afirmou na
assinatura de oferecimento de seu livro para mim, a professora Yeda Pessoa de
Castro) que tem história na religiosidade da Jurema... Seus rituais e forma de
culto são complexos e serão revelados em futuras publicações nossas... Mas
vamos falar de alguns aspectos já citados apontados agora:
Primeiro
podemos chamar a atenção para o sentimento que Malunguinho causa em seus
discípulos. Mãe Terezinha Bulhões, juremeira das mais antigas vivas ainda hoje
em Pernambuco, e, discípula do Mestre Malunguinho, concedeu em entrevista este
relato: “Estar ao lado dele, é ter a certeza da proteção e da boa energia que
vibra de sua presença (...). Antes de ter ele em minha vida, morria de medo de
entrar em uma mata, para mim era horrível só pensar em ir a uma. Depois que ele
se revelou e me guiou na Jurema, perdi todo medo de lá. Pois sei que nada
poderá me acontecer, já que ele é o Reis das Matas. Ele é o dono de lá (...),
ele é meu pai”.
Malunguinho
é verdadeiramente amigo dos juremeiros e juremeiras, assim como já avisa seu
nome – Malungo, que é uma palavra da língua Kimbundo de Angola, na África e,
significa amigo, companheiro, parceiro de bordo e de lutas... Mesmo sendo também
considerado uma divindade arisca e de difícil contato, sua função demanda muita
cautela e atenção, por isso talvez seja um pouco bravo... Pois ele tem que
manter a moral nos portais das cidades da Jurema Sagrada, ele é responsável
pelo equilíbrio do fluxo espiritual entre discípulos e o mundo sagrado... Mas
ele é amigo leal, como relatam todos os seus discípulos e cultuadores. O
juremeiro e babalorixá Zeca de Odé, que tem terreiro no bairro de Peixinhos –
Olinda/PE, diz: “Na minha casa ninguém recebe ele, mas esse Preto nos dá muita
força em tudo aqui. Malunguinho sempre está presente e quebrando todas as
demandas dos nossos inimigos, eu confio a ele nossa proteção na gira da Jurema”,
revela.
Sua saudação é "Sobô Nirê, Reis Malunguinho". E a palavra Reis é escrita assim mesmo, no plural, pois ele não é só apenas um Rei, mas sim vários, representados em uma única divindade polissêmica e multi-funcional. Uma questão importe é podermos perceber que sua saudação é uma forma de resgate da memória linguística negra africana no Brasil, pois é aclamado em uma mistura de língua fon com yorùbá.
“Toda
casa de Jurema deve manter culto à Malunguinho”. Mesmo não havendo discípulo
que o receba, seus cânticos e rituais devem ser realizados, pois ele é
fundamental na liturgia interna desta prática, é um elemento básico para o
funcionamento dos rituais.
Suas
cores são o verde, o vermelho e o preto, ou ainda o preto e branco, ou o
vermelho e preto. Suas guias, indumentárias que adornam os pescoços dos
juremeiros sempre vão ter as sementes de ave-maria unidas a estas cores,
simbolizando-o e o sinalizando. As cores, vermelho e preto, acreditamos que
remonta as cores do Orixá Exú no culto dos yorùbá. Malunguinho também é
sincretizado com esta divindade africana por ter funções muito parecidas em
suas liturgias e práticas.
Um de
seus símbolos mais usados e importantes é a estrela de sete pontas que
simboliza o domínio sobre as sete Cidades da Jurema (este símbolo também é
usado por juremeiros e juremeiras de ciência no culto, é um símbolo de força). Também
a preaca (arco-e-flexa) e o bodoque compõem seus símbolos. Chapéu de palha destorcido
ou virado ao contrário, chibata, facão, dentes de animais e couros de cobra são
também utilizados. Existem outros símbolos, como o chapéu de couro de vaqueiro
ou cangaceiro, o rebengue, espécie de chicote usado pra tanger boi no Sertão e,
até mesmo espingardas podem ser encontradas em seus assentamentos sagrados.
O
cheiro que emana da prática religiosa de Malunguinho é de fumo de rolo e de cachaça
ou cana de cabeça. Muito fumo e fumaça... “Ele gosta da fumaça pesada”. Fumo
preto, daqueles que ao fumar causam até torpor, são apreciados. Vinho e Jurema
são ingeridos em grandes quantidades nos momentos de incorporação... O cheiro e
o sabor do dendê estão em todos os momentos em suas obrigações. Muito dendê,
pimenta, frutas tropicais, em especial a macaíba, sementes, raízes e folhas. “Ele
gosta de comer bem. Muito bode, galos e pintos pretos e vermelhos, os pedrezes
também entram... tudo recheado de farinha de mandioca e pimenta com dendê”,
explica o pai Zeca de Odé.
As
velas pretas, vermelhas, verdes e brancas são acesas para o firmamento de seus
votos de fé. São os “pontos firmados”, em sua linha de catimbó.
Podemos
avaliar de forma muito preliminar que o culto à Malunguinho se organizou de
forma bem estruturada na cosmovisão da Jurema. A ele tudo é tal qual podemos
observar como são para os Orixás, por exemplo. Sua prática vai bem mais além,
mas não é nosso objetivo aqui destrinchar todos seus rituais e oferendas,
rituais e cerimônias secretas. “Malunguinho é dono de muitos segredos na Jurema”,
afirma mãe Terezinha Bulhões.
Hoje,
após mais de 9 anos do trabalho do Quilombo Cultural Malunguinho na internet e
em diversos espaços de discussão e de luta por direitos, Malunguinho vem sendo
reconhecido como herói pernambucano, tendo até uma Lei Estadual proposta por
este grupo em 2007, a Lei da Semana da Vivência e Prática da Cultura Afro
Pernambucana, a Lei Malunguinho de número 13.298/07. Com tudo isso, aos poucos
o Rei das Matas vai retomando seu lugar no meio do povo brasileiro, como é
merecido, já que ele é a representação legítima do herói negro e indígena que o
povo elegeu como divindade de sua religião, como Rei da Jurema e seu herói por
derradeiro.
Após
conhecer uma pequena partícula do que é esta divindade, ou divindades da
Jurema, podemos agora mergulhar um pouco em seus sabores e cores através também
do ritmo que o acompanhou durante toda esta leitura.
O
coco, ritmo nordestino de grande variedade de estilos em diversas regiões
brasileiras vem com muito catimbó e ciência na musicalidade do Grupo Bojo da
Macaíba. A ciência de fé deste grupo fica evidente ao percebermos as rimas
ricas de significados e mensagens subliminares que quase são recados de mestres
e caboclos da Jurema Sagrada. O coco “Malunguinho” foi composto por Nino Souza,
o cantor e compositor da banda para homenagear esta importante divindade da
Jurema que é patrona do grupo, e, também fortalecer a luta pelo reconhecimento
da história deste líder quilombola. Saboreie esta linda homenagem deste grupo
de jovens juremeiros e juremeiras que nos dão o prazer de curtir uma música
autenticamente da terra, sem faltar nada para nos reconhecermos.
Sobô Nirê Reis Malunguinho! Que a luta pelo resgate da história e memória dos nossos antepassados nos promova mais cidadania, "que a Jurema manda"!
Visitem
a banda em:
Acessem também o blog do QCM
Alexandre L'Omi L'Odò
Quilombo Cultural Malunguinho
alexandrelomilodo@gmail.com
10 comentários:
Olá Alexandre! com grande prazer te envio o link que possui o áudio da entrevista que a Radiocom de Pelotas realizou contigo.Eu, ao lado de Aleksander Aguilar e Jarbas Lazzare conversamos contigo em janeiro.
http://radio-com.blogspot.com.br/2012/04/conexoes-entre-rs-e-pernambuco-na.html
A Radiocom fez dois programas especiais à cultura pernambucana. Ouça e nos ajude na divulgação, se possivel. Grande abraço e até a proxima!
Descobrir recentemente que tenho como mestre o malunguinho, fiquei muito honrrado.parabéns gostei muito :D
Desde muito pequena sou perseguida por um boi preto que corre atrás de mim e as vezes me chifra, cantava uma música sobre rei malumguinho no meio da mata, sempre tive problemas espiritual mas durante uma missa q houve em minha casa e q eu não participei porque estpu muito deprimida, minha má teve uma visão que eu estava preza numa igreja e um homem chegava com um boi preto e dizia pra não ter medo q ele dominava o boi sair e eu continuei preza na igreja e ele disse q era malumguinho lembrei logo da música q cantava quando menina e pesquisei no you tube onde vi um grupo cantando a mesma música e q dizia q ele dominava tfs os bois. Não sei oq isso que dizer só quero minha saúde de volta, não sei se fizeram trabalho com malumguinho p me prejudicar ou ele quer me ajudar. O que acham?
Você tem que procurar um terreiro para tratar esse caso ok. Que a Jurema lhe cure.
Fais pouco tempo na que tive a certeza que sou filha de maluquinho e fiquei muito feliz por saber que ele é meu protetor....
Onde comprar a imagem de reis maluquinho na cidade de sao Paulo
Boa tarde alguém tem o ponto riscado do senhor Exu malunguinho?
Alguém sabe o ponto riscado do Exu malunguinho
Oi Alexandre sua benção gostaria de saber qual o significado de SABÓ NIRÊ MAFA O QUE QUER DIZER ESSA SAUDAÇÃO? forte abraço.
Olá, Meu querido juremeiro Alexandre! Gostaria de te agradecer, por você me ajudar, me direcionando ao que eu buscava, mesmo com as dificuldades que a espiritualidade me causava e que ainda me encontro, problemas de saúde e famíliar. Que me fizeram ter que abandonar a religião duas vezes. E embora o meu ori não tenha sido restabelecido ainda pela espiritualidade, pelos meu guias, peço desculpas por ter me afastado do senhor (Alexandre), sem explicação. Queria que você me desculpa se, sou muito grato a você, por ter me ajudado muito por e-mail pelo qual nós nos comunicavamos. Moro em Candeias Jaboatão dos Guararapes PE, conseguir por um tempo frequentar uma outra casa, só que mais específica, de Candomblé, porém me fez sentir a Ciência da coisa, eu firmei e tenho por coincidência, acho que por sua causa "Malunguinho" como Mestre. E estou muito contente. Procurei a sua ajuda e me apaixonei pela Jurema, ate que Malunguinho me encontrou. Eu espero um dia ter a saúde restabelecida e de poder te agradecer um dia financeiramente por tudo o que você fez por mim, sempre cuidadoso na espiritualidade e com muito respeito e carinho com o próximo, espero que nosso Mestre possa te encher de alegria em tudo na tua vida e que nada possa nos faltar, Axé!
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